terça-feira, 29 de maio de 2012

Poeta

Lá na outra poesia
alguém já falou de amor
Lá na outra esquina
alguém já morreu de amor
Lá na outra música
alguém já cantou o amor
Lá no outro amor
alguém já chorou poesia
Lá no outro jardim
alguém já colheu a flor
Lá no outro tempo
alguém já perdeu a própria criança
Lá na outra estação
alguém já floriu com a primavera
Lá no outro sonho
alguém já esqueceu o tempo e a data
Lá no outro romance
alguém já se entregou à solidão
em novembros antigos
roubados ao útlimo sonho e prenúncios
e tudo foi o amor que se cumpriu
em alguns meses e dias em que o poeta
morreu
e subiu aos céus
onde ninguém quiz recebê-lo


já estava só, então,
quando o vento o conduziu
por entre as hastes da noite serena e fecunda
onde as palavras eram a seiva de um rio
e da primeira manhã
o poeta silenciou o seu grito
e entendeu o seu peito
tão vivo na mesma morte
ausente


na manhã que se seguiu
num poema guardou a lua
e em outro engendrou o sol


e o poeta já não estava mais só

domingo, 27 de maio de 2012

Perdi-me

Sei que é noite
e a flor rara e alheia
que descansa em teus cabelos
é a sombra do longo vento
espargindo teu perfume suspenso
no sonho
suspenso em caminhos onde o
escuro da noite se junta ao mar
O vento caminha lento como uma saudade
em doloroso passo
O vento se faz ouvir como um canto prenunciando
o movimento e o rumor da águas
Perdi-me
Perdi-me na tua noite
que agora habita os meus olhos
que faz das minhas tardes o espanto antiquíssimo
de ver as noites roçarem os horizontes
levando a luz em candeias
deixando a frágil solidão a procurar
a semente da luz  no estuário do dia
que lentamente finda em contornos alheios a mim e a ti
Horas debruçadas sobre o verde
garatujando o verde de nuances negras
debruando o horizonte com cores que se deitam sobre a terra
E, à distância, aninhando-se nos silêncios
e no inquieto passar das nuvens úmidas de agonias
a lua desespera em prata
incendiando a ilusão do tempo
E os astros na noite enorme se contemplam
na nudez inviolentada do mar
Dobra o silêncio no sopro doce da infinda noite
Afluem, vívidos na transparência negra dos traços
da noite onde repousa o reflexo imóvel dos primeiros dias,
o perene poeta e a submersa poesia
E tudo o mais daí se construía
Os versos da poesia eu ouvia mudo e calado (encantado)
Círios acesos dissolviam e recriavam a tua imagem 
A lembrança da chuva ficando como coisas antigas do Rio
onde mergulhamos o fogo diluído em nossos olhos
Onde o amor afastou-se de nós perdendo-se como criança
no bosque umidecido pelo orvalho candente da indiferença
E às margens do Rio a tua voz acordou-me do sonho
cindindo com tuas palavras o ontem desfeito (o tempo pressentido) 
O gesto imprevisto e triste molham-me os olhos
Lá fora havia um novembro a caminhar vagarosamente nos passos
simétricos e sigilosos do entardecer
Aqui dentro nossos espelhos acordaram o que não fomos
A vida desnudou a noite
Brincou com as rosas vermelhas que o meu coração teceu para você
Brincou com a tua ausência dentro dos meus olhos
e quando você se foi meu coração palpitava longe,
tão longe,
muito longe do mar (e do meu grito... e do meu pranto)

E na cálida noite, escondida em algum lugar de mim,
ficou você
e uma saudade que ninguém explica de te dizer adeus,
de andar na chuva,
e fazer nuvens com esta angústia tão rente ao chão
fazer nuvens, como na infância,
com papel de pão 

Contra o céu azul as orquídeas refletem os lindos crepúsculos de outono

sábado, 26 de maio de 2012

Tudo em quase nada

O tempo doeu por entre o silêncio que ficou em quase tudo
Doeu por entre os sonhos que nem chegaram a despertar
E os meus olhos, por uns tempos, só viram você
onde você não estava
A tua voz macia ficou indelével em minhas noites
da ilusão à acusação,
ao desprezo que se uniu aos meus dias
Alguns poemas ainda caem do teu retrato
lentamente
antes que eu possa escrevê-los
Rabiscos de solidão
Tudo entre nós foi tão velho
A velha imagem no espelho
A velha mão flutuante que não tocou o teu rosto
que passou tão longe da tua alma
gestos gastos
vagos gestos
O velho roteiro roto
Os olhos cansados que te procuravam
para não deixar de ver o meu amor
e a fantasia partindo-se ao meio
A língua lambendo o acaso
experimentando o gosto da lágrima
que vem cavoucar meu passado
vem desmentir minhas verdades
e meus sentimentos de(s)feitos
E diante do meu medo intrínseco e cego
não te peço nada
Apenas esquecimento
no exato momento
em que você é somente
todas estas mulheres no espelho
e eu sou os tantos outros homens que você não conheceu
E perdemos tudo
até a possibilidade da amizade
de se emocionar com os dias que passaram,

loas aos ventos que nunca sopram sozinhos 
Perdemos a possiblidade do carinho
Hoje, quando a noite dorme e o silêncio retoma a velha canção,
eu me escondo em palavras,
viro a página do livro e das lembranças
e dia após dia
tento transfomar adeus em poesia

domingo, 20 de maio de 2012

Adormece a noite

Adormece a noite
Os fragmentos de luz que os postes derramam sobre a tarde e o sol poente
transpassam a rua e o sereno diáfano que umedece o beijo ébrio do outono
Passos caminham os caminhos que se escondem nas sombras dos postes e dos beirais dos telhados
Os jardins são noites estendidas que se esvaecem por entre o sono da tarde que desce embalando os girassóis
A noite zumbe na aragem sons, mágoas, lágrimas de infância, ilhas onde a poesia faz dos meus sonhos verdades, segredos emaranhados
É maio na face da lua
Na face dos anjos é maio
É maio, também, nos teus olhos negros
Teus olhos são a poesia acordando suavemente a neblina e as flores noturnas
Acordando sonhos incompletos
Palavras dissonantes
Metáforas sem data e sem tempo
E a palavra se desfaz ao enterdecer e ao vento
Pela frincha da noite a primeira estrela brilha
A noite ergue-se longa e impassível como a primeira noite ergueu-se na incipiente dor dos Tempos
A noite desliza pela superfície das águas dos mares e dos poemas de rústicas palavras
Noite imponderável
Noite onde as hastes do trigo balouçam turgidas de luar e ninguém vê
Acariciando sonhos
Refletindo o amor que foi imortal (todo amor é imortal)
E o mundo inteiro era onde você estava
Debaixo de todos os céus ondulavam estrelas que eu colhia para você
Em toda a terra havia um jardim desenhado pelas auroras
Havia o mar e os olhos puros repletos de encantamento
Havia o mar pressagiando o passado
E a janela para omar
E a brisa que trazia de longe o teu nome
E a carícia dos teus olhos negros nas folhas tenras da noite
E na eternidade do mar soprou a difiusa melodia da ilusão
Palavras que soavam pelo quarto
e caiam, letra após letra, sobre os séculos, noite adentro

A noite adormece
sob o inefável escuro dos teus olhos
que, agora, como os versos oscilantes e ao acaso,
murmuram trechos de poemas
que eu, menino, colho todas as  manhãs
enquanto a lua cochila
e o pássaro chilreia pelos telhados
vazios
todo o vazio do mundo
que dói lentamente
exalando este perfume doce
que confunde os outros que há em mim
espelhos dos meus rostos
personas
das vidas que me foram dadas (impostas?)
a caminho do eterno
ou de mais portas de ilusões?

A noite adormece em meu peito
sem pressa
deita as estrelas para eu ver

A noite
a/dor/mece
e vem engolindo a rua
já tendo engolido o sol

Sentado, a olhar o mar,
fico esperando a tua ausência
na minha vida
e nesta tarde de domingo
onde só o outono me encontra
por entre este céu cinza
que me diz: melancolia

quinta-feira, 17 de maio de 2012

16 de maio


Florianópolis, 16 de maio de 2012

Quarta feira

Dia com gosto de outono

Amanhecer friozinho

Dia ameno

Dia cinza

Com pequenas manchas azuis, aqui e acolá

A palavra nem chega a ser poesia

Bem pouca

Saudades

Bem muitas

Principalmente saudades das ruas de terra

Ausência

Uma sucessão de me esqueças

Solidão

A suficiente e necessária



São Paulo, 16 de maio de 1969

Sexta-feira

A manhã choraminga

Amanhecer friozinho

O dia abrindo a porta para o sol

Dia com gosto de infância

A garrafa de leite em cima da mesa

Café com leite e pão com manteiga

Às vezes

O vento frio e longo com gosto de outono de 1969

A rua me buscando

A rua é um traço que se estende de um lado ao outro do mundo

Dorminhoca

Dormindo sob a neblina que embaça os olhos da gente

Expiro ar pela boca

Só pra ver a fumacinha se formar

Cigarro de moleque

Ninguém na rua ainda

Na casa do Deja só as galinhas estão acordadas

Distraidas em ciscar o basculho do chão

Felicidade!!!

É estar aqui

Neste momento

Neste outono de 1969

E poder pegar esta névoa branquinha que nem segredo novo

Gibi lido deitado no sofá

A mãe ainda dormindo

A chuva tamborilando no telhado

O mundo me distrai

Enquanto os dias vão passando...

                                                 só no calendário


Imagem: Ellen Anon

terça-feira, 15 de maio de 2012

Monólogo


Há um silêncio monólogo
nesta tarde de céu pesado,
ar parado
tarde cerzida ao chão
o cinza embebendo as horas desordenadas
desenhando pensamentos
pedaços de caminhos
segundos de um passado
um jeito de abraçar
de segurar a mão
premonições
e segredos
a lembrarem de ontem
lembranças de um sorriso
de um amor que não foi amor
a tremer-me a fala
a secar-me a boca
a dissolver-me a alma
a me chamar pelo nome
a molhar-me os olhos
espelhos da permanente busca
seria melancolia
ou um desespero surdo?
superficialidade da vida?
o imponderável da vida?
talvez...
talvez
a madrugada do mundo
inscrita num céu negrocinzento
no mar represado no horizonte e
que torna-se um pouco de mim também
e deste "mar" onde mergulho
e ouço disparates e fragmentos de lucidez
posso pressupor o jardim de sons e cores
onde dormem as luas que vigiam os dias
debaixo das pétalas das flores,
no musgo verdinho das pedras,
no pólen das flores,
no vento deitando as hastes do capim,
entre as sombras das margaridas
e o sussurro das franjas do bambuzal
o outono nasce na primeira folha que cai
no dourado da tarde,
num luar perfumado
que queda-se num lago
pintalgado de estrelinhas
onde o dia bebe o pôr do sol
e os ventos de outono esbatem o dia pelas pelas pedras frias
ao longe arremata o farfalhar do céu uma lavandisca
o gesto da chuva fechou os olhos do dia
depois o vento cansou de andar
fêz-se este silêncio monólogo
o céu permaneceu pesado
e escuro
e depois a chuva que não veio
deixou a lua clara
em pleno ao dia
azul
puro azul
azul aceso de borda a borda do céu
e que guarda na manhã
o friozinho deste outono
o brilho intenso de um sol
soprando
e se encompridando
nos passos longos das areias das praias
atordoando o outono com os raios
que o rio arrasta
e finge cristais na luz muda das águas
E a manhã de outono
se debruça inteira sobre a janela
leve, como uma pluma,
com a leveza da transparência
da luz que acende o céu
que ia chover
e que, cansado de sono e de espera,
deixou de ser o que era
e resolveu não chover

Imagem: John Warburton-lee

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Entre/mentes

A palavra brota entre outros tantos nomes
fragmento da alquimia de letras e sons
decantando o verso possível
o verso sem imagem ondula
entre o perfume e a névoa
que evolam-se das palavras
sonhos despertos
mitos aflitos
derramados
num silêncio
onde termina a inumerável distância
e começa, trespassante, a solidão
burilada no Tempo
e na imagem enganosa no espelho
"Solidão"
não mais que informe palavra
marchetando o som
em dois dobres de sino
a palavra translúcida
ressoa na brisa escondida
na camisa do menino
como vela de barco
enfunada de ar,
lampejos de gota azul,
entre outros tantos nomes,
e esta infinitude
impregnada
de ausência
longa
como um olhar
às rosas vermelhas
de uma pimavera
suspensa
até que o momento
nos faça olhar para trás
a memória úmida de eternidade
com os olhos novos que a
primavera nos dá
enquanto as flores são pólen
o sol pulsa os dias inefáveis
miragens azuis de um outono
preciso
conciso
apenas signo
onde a manhã
abre as janelas
e o gorjeio dos pássaros
e o silêncio lúdico das asas das borboletas
inventam esta paz
onde prossegue perene
a criação do mundo
sem recorrer à lembranças
e tudo se faz como na manhã primeira
onde o Devir paira no ar
e gera oníricos seres
luz
água
fogo
gesto
árvore
rio
vôo
formas
verbo
nenúfares
estrelas
pulso
vida
amor
face no lago
imprevisível imagem
colhendo noites e dias
através do Tempo incriado
onde a Criação ruma para a morte


Que nos sobrará ao final
quando o encanto
quando o espanto de um novo dia
se for
e a luz restar exposta como a irrealidade
contida no insofismável destino humano?


Quando o marulho do mar se estender
por sobre todo o mistério
e o sonho, mimeticamente, se embriagar do real,
a Alma, esquecida,
a arte, indelevelmente mergulhada
no abstrato escuro e no silêncio, 
sobrará ao homem,
em quantas vidas viver,
o silêncio único e úmido
de suas lágrimas

Imagem: Wei Ying-wu

sábado, 5 de maio de 2012

Manhã de outono

Manhã de outono,
a névoa, lençol de renda,
cobre os ares frios da manhã de maio
fazendo tremer o dia lá fora
a manhã sem vento,
clausura das horas,
deitou-se com a lua
e o sol, como "en el sueño",
esqueceu-se a habitar os lilases
que os olhos desenhavam no ar,
fina adaga
que atravessava as palavras
demoradas e cegas
e que decaiam
uma a uma
como soluços de uma dor
como as sementes de uma flor
como o dia ressonante de outono
que a minha solidão procura
do outro lado do espelho
de onde alguém que eu não conheço
ensimesmado olha para além de mim
os olhos carregados de passado
e de destino
tristes olhos são agora
neblinas
um dia sonhei que eu era
todos os sonhos de um menino
que ainda insistem
em sonhar-me
nesta manhã de maio
como pássaros que olho
pelos vidros da janela
e são tão reais quanto o instante inominável
que passa
desfazendo o meu olhar
como o mar, singular, desfaz a onda
e o pássaro desfaz o vôo nas tessituras do agora
repletas de silêncio e tempo
e de ilhas subindo a tarde rumo à noite
oscilante de tanta estrela nuinha
e tudo aquilo que escapa da textura da noite
é encanto durante o dia nacar
de um maio róseo e marfim
as gotas de orvalho esplendem ao sol
e rolam pelas folhas,
flutuam
e caem
arrepiando a terra no imerso do toque
transparente
fica em mim este áspero da areia que o orvalho molhou
é maio e me embebedo impunimente
desta manhã
das fartas cores da aurora
e do vozerio dos pássaros
às seis horas da manhã
nascendo em melodiosa poesia
subtexto dos meus olhos
e dos meus ouvidos deslumbrados
enquanto a manhã levantava-se pausadamente
no horizonte e punha-se a sonhar o novo dia
                et
                  (e)
    "Le sang dessinait un coeur"
(O sangue desenhava um coração)

Imagem: Marc Moritsch

sexta-feira, 4 de maio de 2012

A lua,
içada ao céu sonâmbulo,
estende-se em prata na noite nácar
e faz lembrar cantigas tontas de enleio
e faz lembrar gestos lançados ao infinito
das noites que se demoram a olharem-se no mar
e no mar encontram outra razão,
um adeus,
talvez,
o sussurro
trazido na pressa das ondas difusas
onde o poema pára o tempo
e se distende no instante castanho-verde
dos teus olhos
que brincam dentro da noite
sementes de estrelas
lançados ao céu para germinar
letras contidas por este trema
que as aparta
têm brilho, sons e cores
de apaniguados amores
mimos
versos
sonhos
rimas
fulgindo entre silêncios
que o movimento do mar segrega
e se embriaga
na tua pele de seda
no fogo
cançao crepitante em desertas praias
chamando você
para ver a lua
içada ao céu sonâmbulo,
estender-se em prata na noite nácar
quem dera, nesta noite, fosse meu o amor
e amar fosse o bastante
para arrastar meu destino
porta a dentro da tua casa
o vento chora o que digo
sonho de poeta
ilusões de amigo
assim como não há um verso novo
assim não há amor antigo
neste outono
de cores maduras
ocres
brincando nas meias-tardes
de chuvas fininhas
de vermelhos e lilases no céu
onde a lua apanha o teu sorriso
e ilumina a minha rua
o poema
insiste em sentir,
intrinsincamente,
o que dói nas palavras
não ditas
nas meias palavras que teimam
em morrer na minha janela
nas meias-tardes de chuvas fininhas
guardo o teu nome
na minha voz
no meu dia de lua cheia
na minha noite ensolarada
a vida, assim, assim,
a vida pelo avesso
o passado aqui ao meu lado
olhando pela fresta
da nossa impossibilidade
O vento sopra ao longe
as gotas de uma chuva
que até hoje chove em mim
o vento
vai
e vem
e volta
e traz de volta
você
num cheiro
de terra úmida
flor na janela
poesia na lapela
sonho fazendo barulho
misturando letras e histórias
que vadiam em minhas mãos
procurando sintaxes
que as façam viver a vida aqui fora
ou rimas que as façam em poesia
como as que os sinos declamam
falando de horas e tempos
dos homens e suas noites
e da vontade de ficar só
só pra saber
com quantos adágios
move-se meu movimento
agora que o amor acabou
e deixou apenas a minha sombra no espelho
e este gosto de eterno
da vida que vem com as chuvas
molhando a primavera quase verão
até que a poesia,
entediada,
ao invés de dizer o teu nome
dissesse não


Imagem: Pablo Picasso

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Sonho e quimera

As nuances das tardes de outono
tingem o céu com seus dourados arabescos
pintam de um verde intenso os jardins e as árvores
colorem a rua abandonada
e a insensatez das suas esquinas
preguiçosas

E a tarde toda é este mundo apaixonado
onde deixo meu olhar se embevecer 
onde deixei os teu lábios
e a minha sede
e a senda por onde andei
e amei o imáginário sutil do outono
                           [em meus sentidos

Este é o outono em que não te amei
este é o poema da tua ausência
que se estende na ilusão das palavras
nas cores deste dia de maio
na imobilidade da mágoa
e do silêncio sem resposta

As cores das tardes de outono
deixam seus tons
nas lembranças que se dissolvem
neste lento esvoaçar dos segundos
nos relógios distraídos
engrenagens solitárias a sorver o Tempo

Esplendem as tardes sobre as vidas
de vemelho incendiadas
navegam as ilhas rumo ao inverno
e às lépidas e inconsúteis nuvens
dormem as constelações votivas
nos ermos céus da onde cairão
                                [as ilusões

e o amargo rumor que ficou do amor
a chuva e o vento mastigarão
na distância que ficou de tudo e em tudo
ficou esta saudade circunspecta do mar
e no coração a certeza de acordar e dormir
                                                               [só

Agora é maio
e as nuances das tardes de outono
tingem a vida e o vento e o destino:
sonho sem porto
mares sem velas
esperando pela noite verde (também de outono)
que sai de entre os dourados e os vermelhos
que sai do ventre da vida
e flerta com vagalumes
                        [silêncio
as praias caminham placidamente para o inverno
e, mesmo que não haja mais ninguém,
o céu se vestirá de cinza
engolirá o horizonte
e deitar-se-a com o mar
à espera dos ventos que vêm de longe
vêm dos leitos mornos
                       [silêncio
que o grito fendeu-se em meu peito
e as minhas mãos procuram as tuas
                                        [sem jeito

Enquanto não vens amalgamo palavras
                                              [apenas

O que direi à lua quando ela perguntar por ti?
Direi, talvez, que sinto saudades
assim como sinto saudades das rosas,
tão irreais,
longes de ti
neste outono singular
e tão parecido contigo

Os pássaros gorjeiam sobre felicidade
enquanto a manhã deixa no ar
a lágrima de orvalho que a flor falseia

Quem a trouxe?

O sonho...
coisas simples,
o vento
saciando o sono nos trigais
                         e os dias ensolarados e sem nome

Imagem: Edgar Degas

terça-feira, 1 de maio de 2012

Esquecimento

o trigo ondula ao vento
a tarde, uma ilha desconhecida,
recita barcarolas no vago ar de maio
poemas ritmados e alvos como o momento
os pássaros gorjeiam na timidez da tarde alaranjada
sob os olhos a se fecharem no cântico hierático do sol
flutua no ocaso a noite adormecida e seus mistérios
flutua a noite pela paisagem nua sem amor
Os girassóis fecham os olhos do dia
no céu onde caminha a solidão
faz-se inverno e silêncio
                         
                                      [nos meus lábios
                                      [nos teus olhos negros
                                      [na minha agonia
                                      [nos teus seios níveos

Desde o silêncio que se seguiu aos meus olhos
Desde os caminhos desertos que se seguiram aos meus passos
Desde as palavras que desposaram o fogo nu do tempo
Meu coração entardece encharcado soluçando marulhos do mar

                   [Conjugando o solitário semblante do esquecimento,
                                      momentos de uma história sem ninguém

Imagem: Pablo Picasso