segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Segredos


te amo
dentro do teu silêncio
dentro do teu coração adormecido
que para mim só tem um não
amo teus olhos verdes de água
amo tuas mãos esquecidas na madeira
brincando a brincadeira
de fazer surgir segredos
nascendo entre os teus dedos
surgindo dos teus formões
tanto sonho e tanta arte
bebendo da tua face
assim como quando nasce
entre as madeiras maduras
teus sonhos em esculturas
amo os teus abraços
onde descanso os meus cansaços
onde meus sonhos inebriam-se
junto ao aroma suado do teu perfume
aguardo na tua boca
o dia e a hora tão louca
que me dissesses assim: Vem, eu também te amo!

Browzita,
minha doce e meiga Browzita
a gente não tem nada a vê,
mas eu sou maluquinho por você

domingo, 18 de novembro de 2018

WhatsApp


sábado
caminhando para o final da tarde
de uma primavera já querendo ser verão
a luz de novembro escuta o vento passeando pelas praias
rumores de um sol a cantar
canções de Zeca Baleiro
nas águas inquietas de um mar

estou em casa
sozinho
neste novembro que se move devagar
mando-te áudios e mensagens,
inocentes emojis,
pelo WhatsApp
o silêncio dormita
no WhatsApp que te espera calado
se nem se quer respirar
o celular derramado sobre a escrivaninha
ao meu lado
a negra tela me fazendo companhia
faz-se deserto onde os ventos demoram-se
o tempo parado
entorna melancolias
esperando a noite que demora-se a entrar pela porta da sacada
lentamente a tarde que arde modorrenta
entra a dizer um poema lancinante
que agora escrevo para que saibas o quanto te amo

um áudio que te mandei, há tempo, ainda não carregou
tu me dissestes outro dia que a tua internet é ruim
e quando chove
ou sopra este vento voraz e preguiçoso
incapaz de ouvir as minhas saudades
as coisa ficam assim, assim...
o outro áudio carregou
porém tu ainda não ouvistes
já não importa o que te digo?
as palavras perderam o sorriso?
ou será que já esqueceste de mim?

enfim
é sábado
de uma primavera crescendo em nossos corpos
depois de um inverno rigoroso, chuvoso e chinfrim
agora
o sol lá fora
caindo sobre as águas inocentes e afogadas
em um mar aonde navegam meus sentimentos
traz o moreno e o bronze das gentes das praias
faz promessas redivivas ao verão
um dia destes ainda te pego pela mão
e te levo para um mar senciente
aonde a tarde recitando versos antigos
que inventei só pra nós dois
aonde a brisa inocente
gravando sal e areia em nossas peles
há de colocar-me devagarinho dentro do teu coração
e, então, o silêncio do WhatsApp nada dirá
já não ouvirá o respirar das palavras desatadas
que colho em jardins de poeira e neve para te dar
a tocar-te a pele molhada pelo sol
com as vozes do meu olhar te dizendo amizade
quando puerilmente só te querem dizer amor

o final de tarde dirá em alarido
sílaba a sílaba
o que os meus áudios, mensagens e emojis
até agora, não conseguiram te dizer: te amo!
e não sei se você não quer entender
ou faz de conta que quem disse amor foram as aves
que voam em direção ao sul dos teus cabelos
aves que por aqui voam carregando o anoitecer
que despe-se rindo por detrás da luz dourada
morrendo sobre os morros e o mar
úmidos os lábios
aonde teu nome entontece a tarde cor de vinho
e conta-me sonhos fragrantes de encanto
os silêncios, escutando a noite, me roubam o sono
as madrugadas sempre trazem uns versos para ti
e, nestes momentos, o poema dilata-se irremissivelmente
inquieto e grande como o amor que te tenho
e as palavras diáfanas com as quais te acaricio
atravessam a noite insonte da tela escura do celular
o WhatsApp ainda calado
o sinal da internet não volta
o vento ainda queima-se a soprar
as minhas lágrimas que querem chorar

quando o rubro de todas as vogais e consoantes
caídas nas folhas onde cantam os pássaros
te disserem das carícias que guardei só pra você
e sentires o meu amor te tocar como um sol de seda
e os meus beijos aninharem-se no teu corpo
como os versos aninham-se nos poemas
o WhatsApp, então,
se calará de vez na minha voz antiga e insonte
calará o medo que regressa devagar
o medo de não te ter
sabendo que eu vou te amar para sempre
nos meus sonhos pueris
e calará este vento eloquente
que com langor
te chama de amiga
sem saber que para o sal da minha pele
tens um gosto de carícia
posto que tu és minha browzita
teus olhos verdes tal qual a folha de uma flor
cantam sorrisos para o meu enlevado coração
olha dentro das minhas madrugadas insones
acordam palavras que te digo com ardor
sem saberes que na minha poesia
tu já és meu grande amor

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Vamos dar tempo ao tempo

 
Demos tiempo al tiempo:
para que ele vaso rebose
hay que elenarlo primero.
 
António Machado
 
a tarde suspensa e ardente
transborda em sombras azuis
o silêncio arde
escorre em direção aos rios
lentamente
penso em você
sei que vais partir
as palavras estão gastas
as lágrimas,
as apertamos inúteis
as mãos, antigas, já não se tocam
o afeto era no tempo dos segredos
e ficou decepado entre os gerânios
e os meus medos
a ternura é palavra deserta
não nos afeta mais
nossos olhos olham a sombra
que rasteja pelo chão
queimam as noites devagar
enquanto a primavera demora fatigada
derramam-se os caminhos entre os álamos
vamos dar tempo ao tempo
de sílaba em sílaba diremos
às golfadas
da indiferença e do adeus
já não nos dizemos,
vacilantes e exaustos
o deserto cresce
é tempo de colher o aroma das tristes palavras
a brancura da voz quebrou-se
o silêncio arde nos ventos
dizendo tantos ais ao firmamento
e os dias caminham assim:
redemoinhos de emoções
a girar dentro de mim
chove,
e as janelas estão nuas e inacabadas
os pássaros pousam entre a poeira e o sono
em plena hora da aurora
e o desconsolo já não é suficiente
para carregar os dias pela ausência
hoje já não colho flores para te dar
a vida ficou sozinha
colho gotas da chuva
que cai lambendo as lembranças
bebo a solidão em cálice pequeno
apaga-se a luz da vela
crianças cantam cantigas
numa tarde que está tão longe
as violetas dizem o teu nome
o amor se parecia com o mar
agora é um perfume derramado
dos lírios esculpidos no ar
o silêncio esquecido nos lábios
os medos e os muros dentro dos instantes
vamos dar tempo ao tempo
é noite agora
o escuro deambula lá fora
e ficou no tempo este exílio
onde começam os jardins sem flores
da tua ausência

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Que vamos a hablar ahora, hombre?


que vamos a hablar ahora, hombre
mientras miramos las rosas
mientras las lágrimas se despiertan
y en los ojos la soledad se abre?
las palabras estan sucias
la ternura cosechando lluvias
me llevó el canto en las aguas
y el silencio, sin prisa,
se va desprendiendo del mar

que vamos a hablar ahora, hombre
si ahora la noche se esconde en su concha mojada
si nuestros lábios ya no saben cantar más?
la alegría ahora vacila cuando decimos primavera
y el sol camina entre las flores y el rocio
mientras que las nubes en el cielo son frágiles flores de cristal

estamos lejos de casa
se quemaron los barcos de la inocencia
um pajáro canta en un bosque cercano
un canto azul como una luna abierta sobre las arenas del desierto
y ahora cuando amanece y el viento canta secretos
y los barcos caen despacio
mientras el viento sopla sobre el fuego del mar
despierta la mañana, pétalo a pétalo
el viento cantó tanto dolor para el silencio de la madrugada
las gaviotas regresan enternecidas
el dia extiende sus ojos maduros
sobre el aroma de la brisa y la bruma
se abren las ventanas
ya la vida entra, muy antiga,
terna y breve

Madrugada


acordei em meio à noite
tenho medo
chora lá fora a  madrugada
não sei bem o que fazer
está tão desamparada
longe o dia por nascer
vou cantar pra madrugada
até ela adormecer

domingo, 11 de novembro de 2018

A vida


a vida apreendo ao atirar a pedra
estilhaçando a luz do sol
vendo o escuro que a noite medra
vendo a cor vermelha do arrebol
vendo o poema que escorre
como o canto que morre
no mais escuro de mim
escorre sem não ter fim

a vida apreendo imerso nesta ingente solidão
quando a noite faz-se outro dia
das areias da escuridão
numa infindável alegoria
como se o sol em seu trono
acordasse de um longo sono
dissolvendo a mais densa madrugada
onde uma gaivota passa voando para o nada

a vida apreendo numa ignota solidão
como se tudo estivesse fugindo
como se tudo dissesse não
para um tempo que vai sumindo
escoando num antigo labirinto
é tão antigo tudo que sinto
tão antiga minha emoção
somente é mais antigo o meu roto coração

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Preciso te dizer


preciso te dizer da manhã que nasce em tons de laranja
por detrás dos morros verdes
o céu cinza escorre em sombras
por sobre os jardins bebendo as sedes
por sobre o povo que caminha ao longe
seus passos soluçantes e sangrando
seguidos pela própria sombra
atirada contra o nevoeiro

preciso te dizer dos pássaros que passam em voo leve
parecem tão livres
mas tu sabes
a noite ainda dorme dentro de mim
meus olhos embaraçam-se ao dia
dizem brisas transparentes
sonham versos
respiram fantasia

preciso te dizer da minha  melancolia
para que saibas que cada palavra tem seu rumor
cada palavra tem sua dor
ou seu riso
e correm sôfregas do sentimento à mão
impiedosas com um rio que se vai
por não poder ficar

preciso te dizer do sonho procurando um grão de areia
para dormir
para que saibas
da impossibilidade do silêncio
que não há
nunca existiu
e do segredo
contido nas palavras ouvidas na madrugada
hesitante e álgida

preciso te dizer da solidão flutuando na cidade
na areia branca das praias
nas esquinas
nos meus olhos povoados de neve
e de uma lágrima
que não cai por ser tão leve

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Cativos mundos


sou vulcão de lábios roxos
por vezes lago silente
o vento sibila premente
como o piar escuro dos mochos

lágrima que ainda vai nascer
nos olhos cinzas da neblina
o tempo passa mofina
carregando o anoitecer

trazendo de cativos mundos
os olhos negros das flores
o aroma rosa de amores
amores, os mais profundos

O vento sibila segredos


o vento sibila segredos
esconsas memórias
neste inverno infrangível
a bruma ingente da manhã
cobre a vida de mistérios
enche o dia de degredos
medos
o dia teima em ser escuro
modorrando sua luz
por detrás do muro
onde verdes ramos brotam
alheios à insone espera
meus olhos
que já não sabem chorar
as lágrimas dessentidas
secas em meu rosto
são dois sóis mansos
caminhando para a tarde
no crepúsculo que vem do mar
trazendo histórias soltas
que apanhou em terras muito distantes
no silêncio de algum lugar

domingo, 2 de setembro de 2018

A casa dorme


a casa dorme
a madrugada
caminhando para o dia
é fria
a mulher dorme
confessando sua meiguice
o filho dorme em seu quarto
confessando sua presença
dormem os teus olhos
dentro do meu olhar
confessando todos os teus segredos
os barcos dormem
na tessitura das águas insontes
pássaros passam
levando sossegos e estrelas
dizendo nostalgias
a noite dança lá fora
por sob o céu e os penhascos
as sombras perfumam os copos dos lírios
a lua passa
por entre os seios da mulher sozinha
eu me inquieto
buscando-me no pânico da noite
sopram os ventos
a canção encontra lembranças
encanta sonhos e momentos
na madrugada em meu peito
tudo é abandono e silêncio

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Enternece

 
enternece ouvir o amanhecer do dia
escorrendo pela janela
a luz devoluta e intocada,
morosa,
levantando-se da noite onividente
rompendo o escuro do mundo inocultável
lançando instantes
sombras nitentes
e gestos concisos
incendiando o ar frio e surdo do inverno

enternece ouvir os pássaros cantando
na manhã que se levanta retentiva
lentamente
inconclusa
intangível
encharcando o ar repleto de perguntas

enternece ouvir o silêncio dormindo junto ao teu corpo
recitando a madrugada
acalentando a solidão que invento
para os teus olhos escuros
como a noite que saciou o nosso amor
morte desfeita no inconsolável gozo
prelúdio da vida nascida entre as tuas coxas
rumor de pele arfante
o beijo aquietado em teus lábios
o desejo derramado
em tuas mãos espalmadas

enternece ver o amor
dormitando em teus braços nus
poemas sem rimas
reinos sem rei
tecendo eternidades
entrelaçando o cansaço dos amantes
falando sussurros ao teu ouvido
despindo o perfume dos nossos instantes

sábado, 25 de agosto de 2018

Vem


vem,
e traz contigo as folhas caídas
traz contigo esta saudade que acabou de acontecer
traz os teus olhos para eu ver
a noite clarear o mundo
as rosas acordarem os passos ledos da madrugada
traz o silêncio
e a quietude das nossas mãos enlaçadas
no instante do amor

vem,
e deixa escorrer tua seiva
em minha boca cativa do teu gosto
amiga, amante, poente
deixa-me beijar o teu rosto
e dizer sempre e tanto que te amo
um te gostar tão contente
pássaro sem destino que sou

vem,
dormir sonhos profundos
depois de misturar os nossos gozos
depois de misturar nossos mundos
depois de repousada a madrugada
vem secar a lágrima que nunca se derrama
posto que a vida é trama
e esta paixão que é tão pura
deita-se conosco na cama
beija teu corpo e jura
carícias e silêncios
soluços cravados em tantos ais
sem nome
em tanta sede sem fim
do que de ti há em mim

vem...

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

59 anos


venho de tantos agostos
venho de tantos desgostos
de tantos sonhos insondáveis
o tempo passou, imponderável
são inescrutáveis os caminhos pelos quais caminho
procuro-me nos dias e nas noites de angústia e solidão
e, então, não sei quem sou
perco-me diante desta vontade de partir
sem ter lugar para ir
sem ter um lar para aonde eu pudesse voltar
este desejo impossível de ser além do que sou
este sentir-me miserável na voz imperceptível de um anjo caído
não sei quem sou
tenho um tédio enorme da vida

o tempo passou, inelutavelmente
sibilando saudades
melancolias
derrubando as folhas das árvores tardias
levando-me, rio caudaloso,
em busca de um mar portentoso
são inescrutáveis as palavras indizíveis
e misteriosas do destino

trago em mim este olhar de melancolia
este costume de amar de repente
esta inquietude temente
diante dos véus da alma
este desassossego dentro das noites rumo à aurora
que se arremessa dizendo tanta melancolia
este chorar tardiamente diante da angústia
e da agonia que estremecem em meu peito
esta saudade inefável do que foi ontem um menino

o tempo passou, senciente
o tempo passou inocente
deixando lágrimas e risos
deixando caminhos concisos
deixou, ao passar devagarinho,
o meu olhar triste e sozinho
deixou esta vontade incontida
de chorar por tanta vida
que passou sem eu notar

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

A ti, amor

 
faz frio
chove
a noite dorme
enquanto a madrugada espera o teu riso
o murmúrio da chuva lá fora declama silêncios
o amor fugiu com as estrelas
penso em ti
ainda te amo
ainda amo teus olhos negros como esta noite
negros como a espera do impossível tempo de te amar
e te ter em meus braços
nas noites que dormem pensando em ti
nas noites que doem pensando em ti
nas lembranças mastigando sonhos
e te ter em minha boca
e me escorrer lentamente
no eterno jardim dos teus mamilos
enquanto a madrugada roça o dia
e a corda da noite ainda diz para mim eternidades

tu és a mulher impressentida
a espera semeando esperanças
diz segredos para os meus medos
diz tanta poesia antiga
nos versos dos teus cabelos
e, então,
cantam os pássaros entre o sol e a neblina
escorregam os sonhos nos teus olhos de menina
bebo de ti a língua
entumecem as muralhas doces dos bicos dos teus seios

ah!, amada
para ti fiz o poente
antigo como a consumação da tua ausência
como a miragem de uma lua cheia no deserto
para ti fiz os astros silentes
fiz a luxúria do sol
fiz uma lua nitente
fiz flores das minhas dores
no teu amor fiz-me presente

domingo, 22 de julho de 2018

Caminhos sem faces


e tudo era o escuro ardente e místico
na casa enlaçada ao entardecer
onde as sombras caminhavam silentes
trazendo pela mão o marulho do anoitecer
momentos de melancolia
ou de enleado e manso desencanto
úmidos de lenta monotonia seminua
talvez de um inconsútil pranto

retalhos de lágrimas
ondas de enganos e medos
escalavrando o véu de um céu imoto
como espinhos cintilantes
costurando alegóricas estrelas

antes era o sonho
onde meus olhos envelheciam
como as flores num vaso
raso
como os dias da vida
envelheciam nus,
ao acaso

antes era o sonho
não mais as noites inquebrantáveis
inesperadas e densas
espiando o sono indefensável
feito de saudades trincadas
feito de lembranças retentivas

hoje quando a vida se ausenta
e me contempla de repente
com os seus olhos de flor
perco-me em rios dissolutos
ando caminhos sem faces
procuro em madrugadas o amor

sou versos impingidos
peroração
sou um homem inconcluso
alheio aos passos da sorte
espero,
em silêncio,
na porta atemporal
o que me trama a morte
gesto e pretexto final

sábado, 16 de junho de 2018

Caem as flores


caem as flores,
lentamente,
sobre os caminhos do outono
sobre lembranças e sonhos

lá fora há um sol alegre

digo ternuras
para os teus cabelos
há tanto silêncio nas palavras que lhes digo

o mundo sonhava triste antes de ti
o azul esperava
os versos suspiravam
e esperavam
sementes

dormiam na noite acesa
tempos distantes
solitários barcos
ilhas cansadas
frágeis oceanos
mares sem nome

depois de ti
as ondas quebravam entre as tuas pernas
e era em teu corpo que eu navegava
naufrago insaciável
enquanto as flores caiam
sobre os caminhos do outono
sobre lembranças e sonhos

quarta-feira, 13 de junho de 2018

Versos insontes


a tarde faz-se escura...
...chove
e terna e exilada
contempla mares entediados e distantes
limites de terras solitárias
como o pássaro pousado nos meus sonhos
eternos silêncios e cansaços
me chama devagar
tão lentamente
me leva pelos caminhos deslindados da memória
há momentos onde tudo é só saudades
e, então, já não é suficiente o deserto que se estende
diante da tela do computador
onde o nada permanece transparente e intangível
onde as palavras navegam
incertas rumo aos rochedos da infância
e tudo que tenho para dizer são só enganos
miragens
ausências
melancolias
vento triste
versos insontes
sombra invisíveis plasmadas
nas criptas das madrugadas insondáveis
sedes cansadas
saliva e beijos que guardei para ti
não digo amor,
esta palavra e seu fogo inquebrantável
a chuva molhando lembranças de cartas de amor
encharcando o inocente outono
volteando e escalavrando dentro de mim
incendiando o instante cinza do céu imoto
resvalando na tua voz
declamando o poema no tim-tim-tim do telhado
trazendo docemente a noite furtiva
no ventre de uma lua amarela
tecendo os olhos com os quais velarei o teu sono,
solidão

domingo, 10 de junho de 2018

Desabafo

 
enojei-me
enojei-me de mim mesmo
da minha falsa candura
da minha real covardia
enojei-me da minha fuga
e dos meus medos
da minha sombra escura
pássaro negro nas nesgas claras do ar
flanando como os meus sonhos sem rimas
que nem consigo entrever
que não consigo atinar
um sem sentido me espiando
do sempre mesmo lugar

enojei-me dos pretenciosos
e os encantados com o poder
enojei-me dos homens
enojei-me das gentes
vendilhões de tristes madrugadas
de tantas noites sonhadas
dos laivos de tantas manhãs rasgadas
pelos passos falhos do vento
pelas rimas de um velho e doce poema
deixado para se declamar num junho inundado de azul

o que serei quando esquecer este mundo?
outra vida?
passado em chamas?
vento suave?
tufão?
um anjo à deriva e alado?
desdita?
saudades?
ou o vazio atávico e inominado caindo das minhas mãos?
a vida incompleta
que escorre, ressuma e grita?
pouco importa
não vejo nem a luz nem a porta
que me tire desta cava
onde, inelutavelmente, o tempo cai sobre mim em descompasso
não sou um homem do meu tempo
"meu tempo" nada tem de meu, nada tem de mim
meu tempo é só os momentos que me levam até o meu fim

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Há um silêncio


há um silêncio oculto nas perguntas
e nos gestos dentro das palavras tão sem sentido
enlaçadas ao escuro incendiando os caminhos das noites
há um silêncio oculto nos poemas recitados nas madrugadas
perfumadas pelo sono das estrelas
e acalentadas pela solidão trêmula dos dias redundantes
há em você e há em mim este silêncio
das lágrimas dos sonhos que invento
e este gosto de tardes e ternuras
que trazem a saudade de uma canção antiga
que canto só pra você e para a sua ausência
há um silêncio oculto no choro convulso que a noite traz
há um silêncio oculto nas flores
e nas cores das flores
que já não são as mesmas de ontem para hoje
há um silêncio oculto no tempo
frívola e inútil mentira que invento
para guardar nossos momentos
e garatujar o sentimento
meu primeiro esboço de você
há um silêncio oculto neste amor  que é passo a passo
e que me leva até você
há um silêncio oculto no cansaço e na queda
há um silêncio oculto nos rascunhos que escrevo
ilusões cativas e indizíveis
momentos e labirintos
sonhos adormecidos na essência da vida
punhais afiados sibilando no vento que passa
e traz luas tão antigas quanto este canto que canto
só pra você e para a sua ausência

domingo, 4 de março de 2018

O que eu fui dorme nos tempos


o que eu fui dorme nos tempos,
sem respostas,
espera no instante despojado e entristecido que me olha longamente
e tem a minha alma naufragada em sensações
na sucessão de sombras
e gestos
e medos
que os olhos escuros da noite traz
no silêncio incriado dos cansaços
no acalanto e na solidão de tantos braços
na vida sedenta
gritando renúncias
neste momento de ausência e de prenúncios
nestes dias insaciáveis e transitórios
lentamente intermináveis
de intocados silêncios quebradiços
e macerados pelo labirinto do tempo machucado
e pela melancolia devoluta e intocada
que ressuma as memórias dos meus dias
de repente