quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Ano novo? A gente é quem faz


O que há de novo no ano novo
se não o mesmo e velho desejo
de se ser inteiro mesmo depois da queda
de se achar no vazio dos caminhos escuros
tocar a vida com as pontas dos dedos
e dizer,
mais que dizer,
apossar-se do encanto infatigável
de que:
"Esta vida é a tua vida"

O que há de novo no ano novo
se não este sentimento indefinido e indefinível
que faz do instante o encontro imperceptível
ave sustentando ventos
vertigem
vestígios de passados
palavra se aproximando
e repousando entre os lábios
a dizer:
"Esta vida é a tua vida"

O que há de novo no ano novo
se não as águas em fuga do rio ausente
o gesto a afagar a solidão das faces
a luta de se procurar e de se inventar dia após dia
o amor desenhado em fogo
as noites esperando pelo silêncio dos grilos
a lágrima dizendo:
"Esta vida é a tua vida"

O que há de novo no ano novo
se não a vida nos dizendo:
"Esta vida é a tua vida"

*Como se as sílabas te queimassem os lábios. *(Mia Couto)


Que do ano que se inicia saibamos fazê-lo realmente novo!

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

O natal devia ser todos os dias


O natal devia ser todos os dias


No ano temos 365 dias

Todos os dias pedem carinho, afeto, amor, atenção, respeito a si e aos outros

Todos os dias a vida pulsa e a vida se move

Todos os dias a vida ri e a vida chora

Todos os dias há a fome e há a sede

Todos os dias há a incerteza lancinante da existência por cumprir

Todos os dias há um imenso necessitar do outro

Todos os dias os dias nascem trazendo consigo a luz e a possibilidade de se fazer diferente de como se fez ontem

Todos os dias os dias morrem desfazendo-se na canção lírica dos grilos emudecendo o silêncio

Todo dia a vida nos dá uma nova oportunidade de sermos HUMANOS


BOAS FESTAS A TODOS!!!

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Poesia, o amor posto entre aspas


na palavra que perdura
ou em outras se desfaz
desdizendo o silêncio
e esgueirando-se,
ardendo,
ou em cinzas já desfeitas
mimetizam-se sonhos imarcescíveis e voláteis
apartando a saudade do tempo que passa oscilante
na barra onde os barcos são velas que amanhecem
numa bêbada solidão
consumindo-se em incoercíveis lembranças e desvarios

nuvens,
mansas nuvens,
banidas e tangíveis,
contornam os montes vadios,
vazios,
conspurcando a realidade
os sonhos gritam ruínas
para a paisagem sem eco da eternidade
flanando como folhas ao vento do fim da tarde
ondeando em círculo nas águas
que se abrem nas cintilações translúcidas do lago
volteando o tempo que passa sem alarido nem medos
das madrugadas caminhando
para os arvoredos falando as mágoas dos ventos
cerrando os olhos inquisidores das janelas insones

despertar e sublevar dominados sentimentos
deslindar enigmas na compreensão lúdica do ser
esperar para ser flores
ou o passo esperando a ponte
ou a ausência do caminho
como esperam algumas palavras para serem poesia
opalescentes como serafins
ou uma justaposição de nefelibatos fonemas
sendo a poesia o amor posto entre aspas
o fator em evidência
sendo o leitor
a condição de dois seres
o silêncio
e o espelho desperto refletindo madrigais

no meio da noite insonte
poeta e leitor, então, se encontrarão?

domingo, 20 de dezembro de 2015

Fio e desfio


fio e desfio
e desconfio de tudo
procuro a ponta da meada
desmancho nós
atiro tramas ao vento
ruídos
que o vento derruba
contenho a fúria
calo-me
morro a morte mais silente
morro a  morte ressurgida
nos fios que fio
para a crisálida da minha vida

inquirem-me:
noites de chuva
dolentes
os girassóis
girando em meu peito
buscando um sol igual a ti
lembranças
a tua língua
o teu corpo nu
o sonho tátil
as noites longas e agônicas
os dias abrasados de sombras
confrangendo o peito
e a alma
a solidão irrompendo das imagens na janela
trazendo o marulho de um mar repetido e complacente

o barulho das figuras nas águas
cantarolando no telhado de telhas de barro
hoje parece somente um instante
que se desmanchou no opaco arquivo da memória
comoção
unção
mergulho
fluído
medos e segredos
a brisa lenta e fugaz
a mão estendida
dissolvida
esquecida no sentimento
num arder sem nome
oculto
no gesto que adormeceu
frágil e humano dentro de nós

escrevo, nesta tarde, por que é chuvas
e chuvas fazem sentir
e prescindem do pensamento
e assopram
e ateiam fogo a tanta palavra esquecida e ainda acesa
sob as cinzas de tudo que não te disse
e despencam águas de melancolia sobre mim

fio e desfio
e desconfio de tudo
procuro a ponta da meada
desmancho nós
embebedo-me de ceticismo

o que em mim pode ser de alguma serventia?
o que em mim é peleja e agonia
memória e solidão?
o que em mim ainda é possível
se tudo em mim é esta opalescente ilusão?

sábado, 19 de dezembro de 2015

O peregrino


o vento passa entre as eternidades abertas
tocando os adros de um tempo ecoante
rio dissipando a semovente bruma da aurora
no ar o perfume verde da relva molhada pelo orvalho
e trançado pela ausência calada e infinita dos pássaros
nos caminhos o silêncio insolente e infrangível
apascenta o dia macio

as horas nada sabem do firmamento
o giro incessante inventa o engano do tempo
segredos das palavras encantadas e esquecidas nos lábios
o assombro e o desassombro da vida
e a humildade atenta às verdades

um pássaro recorta a aurora
caminha no céu a última estrela
no rumor solene da metafísica dos astros

árduos e longos podem ser os caminhos
para se voltar ao lar
onde a inocência busca na elisão das flores
na metamorfose das crisálidas
na sapiência eloqüente das pedras
tantas outras possibilidades
sem um tempo inventado
a oprimir e massacrar o ser humano

o peregrino lê nas estrelas exílios e possíveis caminhos
para encandear a vida pela escuridão indefectível
até o inefável lar
não vê horas
vê sois brilhando
mares calcinados
tardes cansadas
reminiscências
figuras percorrendo o céu escuro
astros singrando o firmamento
figuras que a espera e a nódoa silenciam
sem que se diga dos caminhos percorridos
sem que se diga das trilhas pervagantes
que o farfalhar das folhas secas
dizem gravemente e devagar

Imagem: Fernando Figueiredo

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Estrelas de tule e organdi


aqui,
onde repousa a impermanência
nada é minimamente cognoscível
rugem vultos pressagos
uma alucinação inteligível
para se orientar
enquanto a dor semeia o tempo
dos rumores nas águas convulsas dos destinos

palavras ditas ou ouvidas ao acaso
acostando-se ao poema
para se recitar quando se estiver tomado
de metafóricas fantasias
incendiando o vento no ocaso de algum dia
e o mundo a tremer ao ser inquirido
a mente mentindo
tornando o mundo fuga e medos
falaciosos navios navegando
em mares de poeira, cinza e segredos
esfacelando os oceanos suspensos
criando ilhas purpúreas,
rochedos encantados
e melodias embriagadas que soarão
como o mergulhar de uma pedra atirada nas águas
fazendo das marolas concêntricas
a Idéia que pressinta a chegada e a partida dos ventos
tonteando os redemoinhos de tanto girar
em espirais navegando nas águas até se acabar
retorcendo o instante empíreo e absoluto
até que tudo que fica em pé
e tudo que se arrasta
e tudo que voa
e tudo que nada
prescindam do aqui e agora
antes de serem friáveis ao toque
pois tudo que É
é Uno
e fora do pensamento nada há

o final da tarde girando os girassóis
entre os vermelhos e os amarelos
nos quais se desfazem os dias
soa esta canção desmedida do vento que reverbera memórias
e traz a noite lentamente
girando o mundo mais uma vez

a lua sustentando a noite com sonhos e estórias
o dia desvanecendo por detrás das montanhas
acossando o abismo do tempo
e o plangente urdir das horas
engano dos homens
antepostas aos seus passos e ao que ele é
infinito e irrequieto segundo
sortilégio de sopro, suor e sêmen

estrelas de tule e organdi
acendem o céu
imenso e fugitivo dos pássaros
distendendo-se pela tarde opalescente
fazem a noite rediviva
para que eu durma acalentado em teu ombro
pelo marulho das ondas
roçagando um pequeno barco à deriva

domingo, 6 de dezembro de 2015

A vida é


A vida é este tolo lutar sem fim
Esta alegoria estóica
O mar à espera dos gregos
A poesia de Homero
Este fogo aceso e indômito queimando os barcos da volta
A pedra e a montanha de Sísifo
Ou a metáfora das sagradas escrituras
O crepúsculo sobre o mar
A tarde submergindo nas águas
Ou, simplesmente, a espera de um rio
tomando em seu leito a distância das manhãs
levado pelo Éon dos sentimentos
que viesse a molhar
as claras sombras das auroras
e envolvesse em névoas as pessoas
e a chama despida dos sonhos
e os fizesse vicejar
ondulando entre estrelas
da noite que ainda não se foi
e sóis exaustos e abrasadores
da manhã que ainda não é

A vida é o eterno amor inconsentido
centelha acesa dentro do agora
A carícia eterna e madura
dizendo silêncios
A ternura intocada da noite
Os lençóis
ao relento do cansaço no fim
O choro doce da água no deserto
A brisa amena e porosa
Uma janela entreaberta
entre os sonhos vagando no quarto
e as flores colorindo os quintais
Esta sensação doída e indistinta de finitude
A intuição da Liberdade
negada,
subjugada a cada instante
A vida é agora e avante
Os espaços vazios da Verdade
As covas vazias onde se semeia a morte
que nos vai levar um dia

Enquanto o homem semeia guerras
e vocifera aos quatro cantos
a sua indômita arrogância