domingo, 29 de maio de 2016

Quem é você que me encanta?


quem é você
que me encanta?
quando entra
a porta aberta em gesto leve
a tarde te trazendo
como os rios trazem os barcos
repletos de ausências
e de distâncias até o mar
te vejo
infinitamente bela
indizivelmente meiga
meus olhos querendo te dizer poesias
dizer castas ilusões aos teus cabelos
assim como quem fala de amor
com os lábios ressumados de tantos sonhos profundos
não sei seu nome
nem sei se anjos têm nomes
não sei se vens
quando vens
e um instante é tão pouco
dentro dos dias tão sem sentido
que, sem você, fazem-se milênios
cada vez mais sem sentido
cada vez mais este mesmo devanear
não me canso de te olhar
mas, sei que não devo olhar pra você
é o que o silêncio me diz
então escrevo
ausências
e palavras que deveria te dar
palavras que são só tuas
por que meu coração só as diz quando me pego a te olhar
e as palavras não ditas sabem onde moram as saudades
saudades do que não vivi
saudade de não ter te dito
o quanto você me encanta
mas, sei que não devo dizer
o quanto me encanto por você
nada direi, então
apenas olho para a porta
por onde você entrará
como um sol inconsentido
há muito tempo a me aguardar
em tantas tardes
que poderiam ser versos tão antigos
como o sonho e o carinho ciciado da tua voz
em tantas tardes enternecidas de poemas e solidão
tecendo o tempo de te ver
e do querer na minha mão
dizer guardados carinhos à tua mão
nas tardes nas quais não perguntei o seu nome
apenas antevendo a porta que você abrirá
e por onde você sairá
levando o silêncio e o seu nome
deixando na nossa quietude, que é tanta
a pergunta que não te esquece
quem é você
que me encanta?

sexta-feira, 27 de maio de 2016

Caminhos


meus passos caminham sobre as promessas,
insolúveis
sobre os desejos indizíveis
as flores, secas, em meu coração
morrem intocadas
seculares
tombam, frágeis, despetaladas pela brisa
incomensuráveis
impiedosamente
esperando que a tarde chegue
confessando a tua meiguice
pensando o amor
e o perfume da tua presença

a tua presença
canta a canção de alento
canta a canção sem palavras do vento
passando como carícia pelo jardim
tu que és, agora, a absoluta meiguice
onde busco a flor dos teus olhos
tão longes
nesta distância tão perto de mim

meus lábios falam de ti mudamente
minhas mãos sonham as tuas sofregamente
meus sentidos te desejam em meio aos nossos silêncios
cada vez que te vejo
neste agora repleto de antigamente

meus passos caminham por entre as rosas
que são tuas
meus passos caminham as tuas ruas
tuas ruas que não têm fim
por onde as tardes sem dizer nada
ensimesmadas
caladas,
levam o teu nome de mim

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Talvez hoje,,, talvez amanhã

 
o tempo cisma e medita a manhã
que apagará a madrugada inconclusa,
as palavras interditas,
cheias de areia e de mar...
o ventre túrgido da noite ainda por se acabar
eu sinto a ausência doendo como uma seta em meu peito,
o coração pulsando antigas memórias
procurando na ânsia das distâncias
momentos do indeciso choro deste medo de ser só
nesta sempre imanente solidão humana e nestes ignaros destinos
que eram névoa flanando no vagaroso horizonte
que eram o canto dolente do vento
soprando silêncios na folhagem dos bosques
que eram tantas dúvidas
tantas vozes cativas
memórias sem rostos
tantos gestos a dizerem adeus
tantos abraços a dizerem saudades
todavia, ainda era amor
ainda a mesma insonte cantiga reverberando o passado
só esta mesma lembrança que dói ao me olhar em vão no espelho insolúvel
um só exilio me arrastando escondido,
envolto em si

há nesta vida a dor inerme dos desencontros
talvez a mão coerciva e inelutável do destino
trançada ao torvelinho do incomensurável lago do tempo
há na ausência e no desencontro esta nostalgia murmurante
enquanto o reencontro e as mãos enlaçadas mitigam saudades
há palavras e promessas e gestos esperando as mãos cheias de vertigens
mãos que embalam os sonhos e trazem folguedos, segredos e meiguices
trazem o momento no qual alguém dentro de mim depõe as armas
despe-se da sombra, e, desnudo,
sem nome,
chama-me qual um silêncio inocente
num tom murmurante e suave
e calado, soluço, mas não respondo
o longo suspiro indagando o denso medo
indagando o tempo agonizando na cicuta das horas
que apascenta o volátil aroma das madrugadas
o tempo ignoto das horas solitárias espera o reencontro
ressumando irremissíveis amores
nostálgicas amizades

talvez hoje...
talvez amanhã...
talvez nunca,
o amigo venha
e venha o amor
que a solidão burilou nesta morte inerte que é a ausência
e venham os olhos adornados pela lágrima
que teima em não se derramar nos brandos braços da melancolia
da eternidade impotente do exausto adeus
da imponderável volta
e na insofismável percepção de se estar vivo
engastado em tantas outras vidas
na vida do outro
e no sorriso de quem chega,
passos cansados,
molhados pelas chuvas cheias de sombras
colorindo as tardes com mentiras cinzentas
onde incriados poemas
fazem-se de inelutáveis esperas
e do oposto nu e dos cacos impiedosos da solidão
o mistério do encontro e a meiga alegria dos dialetos
esquecem-se em rondéis,
nos dias e nas noites em que se esteve só
e tudo se recria na inefável alegria,
na inaudita alegria
que soluça apaniguando a solidão e o sonho humano
e espera-me
entre/tantos des/encontros

sábado, 21 de maio de 2016

Teus olhos dormem


teus olhos dormem
não vêem a flor que te trago
enquanto a noite passeia nos jardins
e a lua molha de prata o mistério terno e sensual
do vento passando por entre as folhas das árvores

as sombras são só silêncios
acalentando o teu sono
que, agora, é todo o meu existir
semeando a noite de memórias
que não me deixam dormir

o céu é um ramalhete de amorosas estrelas
semelhante ao teu olhar
quando do sonho em que dormes
você por fim acordar
e apenas duas estrelas
fiquem no dia a brilhar

teus olhos dormem, amada
não vêem a agonia do poeta
e o amor que o poeta
soluça
em meio ao grito e à escuridão
das noites soltas e atônitas
procurando um sentido
na areia roçando o chão

teus olhos dormem, amor
não vêem as palavras que trago
são cânticos de solidão
insolúveis
indizíveis
palavras inefavelmente cantadas em vão
palavras...
palavras não dizem nada
amor, me dá tua mão
e deixa eu sentir todos os carinhos que já foram ditos
e todos os momentos em que, sozinho, te amei

teus olhos dormem
dormem
enquanto os pássaros
saindo da noite presa à espera
trazem a aurora e o canto idílico
de uma irreversível primavera
e as rosas, surgindo em meio à neblina,
pressupõem a manhã
nascendo por entre os teus seios
por entre colina e colina

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Impossível


impossível
não abrir a noite
com os barcos tocando as areias das praias
e interrogando a tessitura das águas enlaçadas
aos ventos embriagados e inconsentidos
repetindo nas velas o escuro dos sons que incendeiam a noite

impossível
não abrir a noite
com o silêncio branco dos copos dos lírios
desabrochados para o momento
do luar perfumando os caminhos
e o sono das estrelas

impossível
não abrir a noite
com o balançar do céu refletido nas águas do mar
brandamente encanecido pela espuma das ondas
desenhadas lentamente do sal das lágrimas
de quem se pôs a chorar

impossível
não abrir a noite
com a inquietação da solidão do tempo
transido de trêmulas lembranças gesticulando
e caindo docemente sobre as horas azuladas
pela penumbra da lua que dança no quarto

impossível
não abrir a noite
com as folhas sem nome
que o outono derrubou mansamente
em inescrutáveis quintais
encobertos pela pervagante neblina

impossível
não abrir a noite
sem a imponderável serenidade dos teus olhos
sem o pássaro da noite que canta com a tua voz
e adormece em meu corpo
a saudade intrínseca dos teu abraços

impossível
não abrir a noite
sem o cansaço do fogo nu
do depois
e do suor faminto e perene
dos nossos corpos
e da canção compassada da tua ausência

terça-feira, 17 de maio de 2016

Passado


sopram os ventos
a aurora acorda sobre as flores
                         [sobre as cores
a canção encontra lembranças
a alma suspira e recorda
tantos momentos da infância
todas aquelas crianças
que fui
em meio ao perfume doce de terra molhada
que sou
em meio ao inverno silencioso andando na madrugada

o amor...
quem sabe um dia
se derramará no deserto
                         [decerto
do meu coração
e ouvirá o silêncio
se desmanchando em perdão
e os sonhos abandonados
por tanto tempo guardados
em tantos lugares incertos
em meio à solidão
virão de lugares tão longe
e se deixarão ficar
níveas flores de algodão

a noite compassadamente fecha os olhos
                                                   [e dança
seus passos ritmados de escuro
a madrugada é a derreada lembrança
de um tempo infrangível e maduro

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Quano a palavra chegar


a janela começa ali
onde o horizonte junta-se ao mar
trazendo lágrimas salgadas
pra dentro do meu olhar
trazendo tanta promessa
e noites todas sem pressa
abrindo-se bem devagar

o sonho começa ali
onde o eterno ilumina os mundos
e o sonho tem os saberes
dos meus desejos profundos

a vida começa ali
onde o amor junta-se ao amar
e o sentimento parece
água que vai me afogar
trazendo a flor partilhada
entre o espinho e o nada
entre o escuro e o luar

a poesia começa ali
onde o tempo junta-se aos mundos
onde o eterno junta-se ao mar
onde os barcos deixam as velas
como inefáveis telas
abertas e soltas pra navegar
quando a palavra chegar

domingo, 15 de maio de 2016

A tolice dos medos


desnudo
caminho estradas de cinzas
com passos de ilusão
em noites de ausência e de solidão
o vento incerto traz o passado
põe nossos instantes ao meu lado
estremeço
espero a noite percorrer-me
dizendo teu nome
recordando teus gestos
dizendo do teu toque na minha pele
onde ainda habita os teus dedos
entre lembranças
segredos
sob insones sentidos
sob a tolice dos medos

sábado, 14 de maio de 2016

Nada detêm a fera


nada detêm a fera
nem o grito estrondoso
nem o soco vigoroso
nem a tocaia  da espera

nem o latejar da veia
nem o rosnar dos cães
nem a litania das mães
nem a nossa cara feia

nem a luta cotidiana
nem os muros que erguemos
nem toda a força que temos
nem o fio da durindana

nada detêm a fera
nem mesmo o asco do povo
nem mesmo a Verdade e o Novo
nem mesmo o fogo e a Quimera

nada detêm a fera
nada detêm a trapaça
do golpe no sonho da massa
ignorando o sol nas flores da praça

nada desata a mordaça
da estória e seu patrão
oprimindo os que não tem pão
com a verborragia e a farsa

nada detêm a fera
e a sua malta vadia
apagando a luz do dia
enquanto a manada espera

nada,
nada como esta lei do cão
que anda de traição em traição
neste mambembe país
onde tudo está por um triz

terça-feira, 10 de maio de 2016

Falo do tempo


falo do tempo
e do engodo do tempo
e da posse do tempo
e dos gestos do tempo
como se soubesse do momento do abandono
do minuto sedento
bebendo os dias vazios de canções
espiando as horas nas noites inúteis
devolutas

falo do tempo
como os homens falam de si
como os sussurros falam dos ventos nas madrugadas
como o cicio pensa músicas em minha boca
e a noite fala de tudo

falo do engodo do tempo
e do desespero incessante do tempo
agoniando a incontornável existência
enchendo de ânsia e mistério
os fragmentos esparsos da vida

falo da posse do tempo
e da distância esquecida nos caminhos
sinuosamente cansados
estertorantes e tristes caminhos
longos como os longos dias perpassados de solidão
e o lamento da vida passando incontida como os pensamentos

falo dos gestos do tempo
e aqui as flores nascem
a estrela cintila
a lua dança nos ventos
o amor semeia mundos
a ausência faz suspirar
o outono quer germinar
e o sentimento balança
como as ondas do mar

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Nascentes


vesti de ausências as noites
o avesso da lua
a lágrima derradeira

adormeci
sem nome que me acalentasse
sem palavra que me embalasse

apenas o escuro infatigável
é urgente
apenas o engano do tempo
mata-me
apenas o segredo e o silêncio dos nascentes
reverberam a ternura do orvalho nos lagos de águas magoadas
apenas o teu nome pergunta por mim
no meu poema
enquanto na folha de papel
misturo letras indecifráveis
garatujas doloridas
ajuntadas com as mãos trêmulas da madrugada
enquanto as velas dos barcos
esperando do vento o grito
dentro da névoa das manhãs
são sombras brancas
gravando de saudades o infinito

Imagem: Claude Monet

domingo, 8 de maio de 2016

Estrangeiro


e agora
que a vida lá fora
se compõe de palavras longas e vazias
e o tempo é só mais uma estória na estória falsa dos dias
guardo o nada que me diz respeito
estremeço com as manhãs nascendo em meu peito
penhoro o que me restou da vida
o poema fica
fica por inteiro
o poema
o papel
e esta sensação de eu ser em mim um estrangeiro