"O mundo é feito de esperas inconclusas"
(Marco Lucchesi in Poemas Reunidos)
A noite fala a um canto,
alheia às rodas do tempo,
das velas abertas dos sonhos
imanentes
e dos mares insones
a refletir estrelas
e o murmúrio dos lagos
Segredos,
sons perdidos entre as cores
e o silêncio das flores
prateadas por uma lua fúlgida
A noite se esconde na praia deserta,
exílio inelutável do que fui,
e da dor entressonhada,
insondável e nua
calcinante como o primeiro espasmo,
inconsútil como o manto negro
que a contém para além da vida
e da morte
Séculos crepusculares reconciliam
Tempo e erternidade
É noite!!!
Acordam os medos inexaustos
As horas caminham para a madrugada
O vento traz de longe o aroma das cinzas
dos mares e de sua solidão prateada
Ninguém ouviu o ocaso vermelho
nas ilhas convulsas,
no labirinto de estrelas que orna o céu
e ressoa a nostalgia ignara do Destino
que tece com suas mãos de artesão
os dias tisnados pela fuligem das sombras
Ninguém ouviu o queixume dos ventos
passeando na escuridão insciente,
levando nas mãos a areia das longas horas
criadas pela velha solitária,
indormida,
perene,
como os passos para a morte
Ninguém ouviu as vozes cantando barcarolas
enquanto os barcos desvaneciam-se
na fragrância da saudade que nasce
dentro do espelho aberto no abismo
como este severo rosto evanescente que trago
desde o fluxo escuro do rio e os mistérios
emaranhados onde me tenho prisioneiro
de um passado e de seus olhos tristes
e plangentes
Como dormir nesta noite suspirosa?
Como recusar a madrugada?
Como fugir destes meus sonhos
se é de ti que eles vêm e falam?
Como apagar a hora que agoniza
mal termina o dia
e começa o meu desaviso?
Como fazer da lágrima o orvalho
que freme na folha verde do dia?
Como não se encantar com o curso
das estrelas e suas vozes de um passado
onde há a insofismável prosa das origens?
Ó, honolável amiguinha,
são tantas as perguntas
tão grande o medo
diante dos jardins e vergéis
aonde brotam as flores que não dormem,
mas que convidam meus olhos noturnos
a sonhar com suas pétalas,
a beber nos seus rizomas,
a verter a lágrima com a qual a noite
mergulha na consumação inexorável
da dor que se depura
na noite que fala
e vaza pelas minhas janelas
abertas para ti
e por onde eu busco teu rosto
no rosto angelical das estrelas
O pensamento, insone,
vasculha a casa dentro de mim
e vê na escuridão que flutua
sinuosa e espessa
um passado escrito em
impertubada memória
cuja melodia infinda
cantam os séculos noite afora,
Um toco de vela aceso traça
a minha sombra na parede muda
Pedaços de luar vazam
e sibilam entre as telhas,
quietamente escorrem pelas paredes
roubando de mim a solidão
e o mundo onde eu guardava o teu nome
entre as rosas da rua e a primavera
grudada nos muros inermes
onde as flores teimam em brotar
a tua lembrança
Ergo os olhos na penumbra,
a casa,
a vida,
a alma,
estão vazias
Amanhã,
quando um outro sol entrar pela janela
e apagar as sombras nas paredes e tudo
o que fui na tua vida,
a dor na minha alma será levada pelo vento
dolente incendiando o dia e a distância
E a tarde adormecerá nos rosais
e entre os meus braços
se calará o silêncio
Imagem: Fernanda Cordeiro
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