quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Madrugada


as madrugadas modulam
lentas e plangentes
quando querem ser silêncios
o regaço passa breve e contente
sonhando a noite imprecisa
deixando o sussurro de sombras fragrantes
nos lilases da aurora
o vento passa e chora
e esconde-se nas folhas sonolentas e caladas
esconde-se no transmutável tempo
às vezes célere
às vezes vagaroso
sempre enganoso

sobre mim o céu escuro
sob o céu a madrugada
já não há quase ninguém nas ruas
nas ruas não há mais quase nada,
dormem,
à luz lenta e intermitente da vigília amarela que cai dos postes

sou o que sinto
minha alma não tem nome
nem imagem no espelho
minha alma tem todos os tempos
do que já fui
do que sou
do que serei
silêncio incendiado
urdido instante a instante

esqueço o sibilar coercitivo do vento
só o orvalho ressuma ternura nas flores
a aranha tece com sanha a sua teia
a noite arrasta a vida escuro a dentro
sustenta as cordas da rede
que geme inquieta

calo o livro
que já dormitava em minhas mãos
cesso a colheita
prescindo da escolha
a última palavra escorre da folha
e borra os meus dedos sempre inscientes

repousam a casa e o rio
só o desconhecer-me
devora a hora indescritível

fecho os olhos
a escuridão é uma canção
e, então,
danço a lonjura das palavras
tendo por dama a solidão

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