sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Imagino


Senhor,
imagino campos de flores florescendo
colorindo e perfumando os caminhos
espraiados e sozinhos
apascentando a terra incriada
pela inescrutável iniquidade da chuva

Imagino, Senhor,
a pujança incendiada pelas águas
a roça quebrando milho
sob a dicotomia de um sol afogueado e noturno
fingindo passos perdidos num perdido caminhar
a colheita vagem a vagem do feijão
as galinhas e a serenidade ciscando
na inocência dos quintais
a vaquinha para dar a oferenda do leite

Senhor,
imagino crianças brincando
vendo o vento arrastar as nuvens
túrgidas de águas e imagens cognoscíveis
meninos de pés descalços pisando o barro
e a inflexão do silêncio acordado pelo sonho
crianças inventando mundos atemporais
e impalpáveis
e crianças comendo
e crianças estudando
os dentes todos, tolos... sorrindo
lembrando o antigo futuro
que se ergueu do chão sedento
angustiadamente crestado
e rachado pela soberba e a indiferença
esquecido pela sorte
onde pastavam agonicamente
a inanição e a morte

Lembro, Senhor,
das inocentes brincadeiras
(às vezes nem tão inocentes assim)
irremediavelmente irresistíveis
insuportavelmente inadiáveis
um pulo no abismo que mora em cada ser
em cada mão
que colhe estrelas
sonhos chuvosos
num sem querer
num sem razão
como o gesto da flor que pendula...
pendula...
e sem poder conter-se derruba a gota d'água
e transborda o mistério
a promessa suave e crível
da vida vicejando em sonhos
em tantos outros sonhos possíveis

Imagem: Christian Schloe

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