em apartamentos sofisticados
mansões
nas masmorras do descaso
nas três casinhas dos três porquinhos
em palafitas
em casas de alvenaria
em casas que "ave-maria!"
em barracos brotando dos morros
em barracos dentro do esgoto
em casas de barro
que, nos momentos da mais profunda penúria,
podem ser comidas
na casa nos fundos da casa da sogra
vivemos e/ou sobrevivemos
conforme os quinhões da vida
Em dias de chuva,
em algumas casas,
pode-se ouvir o barulhinho da chuva no telhado
desmanchando o silêncio
trazendo o sono pela mão
e, docemente, colocando-o em nossos olhos
em outras pode-se ouvir o barulho dos pingos da chuva
pingando dentro de latas e bacias
irritante
atormentador
um pote carreando a tortura
e quando a pobreza extrema se funde à chuva
pode-se ouvir a chuva entrando
pelas frestas todas de todos os espaços e cantos
escorrendo pelo corpo como se fosse um manto
puxado pela indiferença e o descaso
e, no entanto, chove
num interminável desencanto
como os olhos que esperam
chover nas noites o pranto
Do morro à mansão é só uma questão de "não"
não tem educação
não tem trabalho
não tem condição
não tem compreensão
não tem compromisso
não temos nada com isso
não tem caminho nem rota
não
não
não
não tem mundo que nos queira
não tem eira
não tem beira
não tem sonho que nos caiba
vivemos a vida de teimoso que somos
agarrados às sombras trôpegas
de uma vida em tudo morta
Vivemos e morremos
olhando pelas janelas
procurando a paisagem na solidão do firmamento
e o nome das cores no abandono das asas da última ave que passa
para nossos olhos sorrirem
e para que o pensamento seja a flor brotando de dentro dos mares
em desconhecidas madrugadas
em momentos onde as nuvens volitivas
são a suavidade nos ares
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