sábado, 3 de setembro de 2016

Final de outono

 
final de outono
final de tarde de outono
as tardes são estes afetos irredutíveis de poesia
que podes ver por entre a pétala e o orvalho
mudos
silenciosos
insofismáveis
são o inefável momento onde os rios e os mares se encontram lentamente
e o azul do céu tinge a saudade
e a chuva cai dos meus olhos

ao longe o pássaro canta em algum jardim
à fogueira do sol
às folhas amareladas
e ao inextinguível outono impregnado de transparências
dorme nos mares o vento
e teu nome
úmida ausência
esquecimento
sombra de um passado
e de uma canção insinuada pela memória
pela noite falaz
pelas tardes de intermináveis vermelhos e violetas
de aromas de jasmins levados pela brisa
e pelos suaves passos dos teus pés em meu corpo,
em minha alma
e no nume que a alimenta

os ventos derrubam as folhas que balançam no ar dourado
esbatido pelas sombras dos galhos vergados pela espera dos séculos
e pelas palavras que agonizam escondidas nos gestos
e na fragrância fugaz da lembrança do teu corpo

o ar se enche de cegos sussurros
tépidos segredos
nada aconteceu
o amor foi tão frágil
tão frágil como pode ser frágil o carinho desolado
como uma efêmera tarde
onde rosas brancas florescem por te recordar

quando tu te fostes andei caminhos incertos
vi teus olhos negros em cada céu que emoldurou as noites
ouvi teu riso
tão diferente das minhas emoções
que nestes dias de outono esperam
as cores plasmarem flores nos jardins
o vôo do pássaro despertando a praia
e a solidão sem destino
e tudo não foi mais que um amor sem nome
escrito todos os dias
pela ternura dos meus dedos afagando os teus cabelos
pela essência dos sentidos
pelo soluço que ficou
sem explicação na poesia

e tudo vivi como o menino sozinho
que ama o outono e seus sortilégios
e seus soluços evolados nos sonhos
ama
ama a noite e o bálsamo destas noites
silenciosas e frias
onde a minha alma ainda acaricia a liberdade dos versos
que ouço
sem princípio e sem fim
nas antigas vozes
que por entre as brumas
falam de amores
e cantam
como cantam os rios
como cantam as folhas que o vento derruba nos rios
e levam consigo cores de um dia resvalante
suave
amo a noite
em cujas margens em sonho me deito
e me imolo com o punhal azul do teu nome
e recito a dor do punhal azul do teu nome
como quem diz para o mar
das terras perdidas
e dos antigos poemas riscados
letra após letra no abandono das noites passadas
e nas estrelas imaginárias
onde a dor tinha morrido
enquanto na madrugada já se ouvia
o amanhecer por trás da neblina de outono
e o som das folhas secas que suavemente
enchiam o ar de nostalgia
e de manhãs com cheiro de terra recém molhada
pelo orvalho que os anjos espargiam
no mistério
nas palavras
e nas pétalas entreabertas
dos poemas

Nenhum comentário:

Postar um comentário