sábado, 25 de fevereiro de 2017

O poema se diz sozinho

 
as minhas mãos espalmadas esperam outras mãos
que venham acariciando o silêncio que se levanta
da noite imensa e imprecisa
ecoando recordações
reminiscências deslindadas no tempo

espero outros olhos
que fitos no abismo que habita em mim
expressem peremptórios
a evidência inconteste de nada sermos
para além do pensamento e do tormento desta existência
onde a minha alma eterna espelha e reverbera os sentidos
a procurar pela liberdade dentre poemas inacabados
que já não sei escrever
dentre os sóis flutuando sobre tardes derradeiras
dentre o alarido da vida clamando vida e vida e vida
poemas que nascem como sílabas recusadas
de emoções ancoradas a um verso e a um tempo
onde as palavras e gestos incontidos e sem nome
dizem das distâncias e das solidões caindo
como tristezas sobre os meus olhos cansados de não te ver
caindo sobre o meu corpo cansado de não te ter
calando a minha voz numa incognoscível saudade

a poesia, tão tímida quanto os sentimentos pueris, silencia
e em silêncio condena de amores a minha alma
e faz voar borboletas num céu de elude tessitura
e de saudades insinuadas por tanta ilusão
decompondo sonhos
espreitando a tarde
que se demorava inextinguível nos teus peitinhos pequenos
colhidos pelas minhas mãos

hoje, com as mãos sobre o rosto, balbucio o teu nome
lentamente
enquanto as lembranças inventam carinhos que não te fiz
e que me dizem da inquietação que era te amar
hoje, balbucio o teu nome
como o dia balbucia a manhã e se despe do escuro
vestindo-se da nua luz ainda adormecida da aurora
e na manhã leitosa e insonte
voam pássaros em direção ao passado
para além da tua  ausência
e do meu medo

o poema, então, se diz sozinho
como uma voz no deserto
que a vastidão perpetua
em te querer, mas és lua
iluminando a ficção das noites inomináveis e cambiantes
que, deste nascer sem morrer,
não me deixam te esquecer

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