terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Quanto amor

 
Na vida, não importa quantas coisas maravilhosas
Você é capaz de fazer,
Mas, sim, quanto amor você é capaz de pôr
Em cada pequena coisa que realiza.
 
Enio Burgos
In O Semeador de Imagens, pag. 15, Editora Bodigaya, 2005.
 
 
 
Quanto de amor está presente naquilo que a gente faz
se tudo se faz sem passado ou consequência
ou numa parvoíce desatenta?
Às vezes lembro-me de sorrir às pessoas
e pássaros voam e vão pousar nos pendões do trigo
que tremem ao sol e deixam cair sementes
Raramente as ouço
Olho-as, mas não as vejo
São as nuvens de ontem que passam
e apagam sóis e derramam chuvas
que os espantalhos bebem com suas sedes imóveis
O mundo é um grande alcobaça
encobrindo os insondáveis corações de tanto sentimento
O que cada um tem pra mim no íntimo da sua madrugada?
Não basta ter e/ou sentir amor, é preciso expressa-lo
É preciso amalgamar o amor aos átomos
Talhar com amor o dia-a-dia
Sem pressa
Suave/mente
Sútil/mente
E/terna/mente
Há um mundo diferente esperando gestos de amor
E a recordação do silêncio que ainda não aconteceu
E do grande amor que nos trouxe aqui
Apesar do nosso medo
 
O amor é um sopro morno
O instante quando o homem é singular e divino
O amor é essência
Premência
É o aroma das flores
É a eloquência dos sinos
Alforriando corações
É o vento passando, refrescando o momento
 
O amor é palavra antiga
mas o amor não está na palavra
a palavra é só palavra
signo
som articulado
Silenciosa
Despovoada e vazia
Fragmento das sombras e dos enganos
Que se locupletaram em meu peito
 
Tateio a vida, mas não a toca com amor
Falo de amor, escrevo sobre o amor, mas minto
Nem bem acorda o dia
Meu amor se comove, mas não se move
O amor em mim ficou ardendo na solidão
e no abandono
das cartas que nunca mandei
da poesia que não consigo escrever
do céu constelado pelo qual me encanto
e que só posso olhar e sentir sem tocar
da tua lágrima que eu nunca sequei
do choro dos sonhos e das sementes
da tua mão estendida que eu nunca afaguei
da tua dor e a tua nua pobreza cheias de resignação
desta sensação que me toma
e fecha meus olhos
e me enche de mundos e coisas possíveis
 
Esquecer a palavra
Desaprender a culpa e o medo
Manter os olhos abertos
O coração desperto
Despertas a compaixão e a ternura
Repetir o gesto e o gesto
Dar de beber aos Deuses
Que em nós habitam
Trazer o amor de volta pra casa
E fazê-lo acontecer na vida
Motivo soberano
Suave
Acontecendo entre o humano e o divino


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