terça-feira, 15 de maio de 2012

Monólogo


Há um silêncio monólogo
nesta tarde de céu pesado,
ar parado
tarde cerzida ao chão
o cinza embebendo as horas desordenadas
desenhando pensamentos
pedaços de caminhos
segundos de um passado
um jeito de abraçar
de segurar a mão
premonições
e segredos
a lembrarem de ontem
lembranças de um sorriso
de um amor que não foi amor
a tremer-me a fala
a secar-me a boca
a dissolver-me a alma
a me chamar pelo nome
a molhar-me os olhos
espelhos da permanente busca
seria melancolia
ou um desespero surdo?
superficialidade da vida?
o imponderável da vida?
talvez...
talvez
a madrugada do mundo
inscrita num céu negrocinzento
no mar represado no horizonte e
que torna-se um pouco de mim também
e deste "mar" onde mergulho
e ouço disparates e fragmentos de lucidez
posso pressupor o jardim de sons e cores
onde dormem as luas que vigiam os dias
debaixo das pétalas das flores,
no musgo verdinho das pedras,
no pólen das flores,
no vento deitando as hastes do capim,
entre as sombras das margaridas
e o sussurro das franjas do bambuzal
o outono nasce na primeira folha que cai
no dourado da tarde,
num luar perfumado
que queda-se num lago
pintalgado de estrelinhas
onde o dia bebe o pôr do sol
e os ventos de outono esbatem o dia pelas pelas pedras frias
ao longe arremata o farfalhar do céu uma lavandisca
o gesto da chuva fechou os olhos do dia
depois o vento cansou de andar
fêz-se este silêncio monólogo
o céu permaneceu pesado
e escuro
e depois a chuva que não veio
deixou a lua clara
em pleno ao dia
azul
puro azul
azul aceso de borda a borda do céu
e que guarda na manhã
o friozinho deste outono
o brilho intenso de um sol
soprando
e se encompridando
nos passos longos das areias das praias
atordoando o outono com os raios
que o rio arrasta
e finge cristais na luz muda das águas
E a manhã de outono
se debruça inteira sobre a janela
leve, como uma pluma,
com a leveza da transparência
da luz que acende o céu
que ia chover
e que, cansado de sono e de espera,
deixou de ser o que era
e resolveu não chover

Imagem: John Warburton-lee

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