segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Final de primavera

Dezembro
As noites já pressentem
o final próximo da primavera
A brisa ainda traz o inebriante
perfume das flores noturnas
e o plangente repicar dos sinos
meditando a imprecisão das horas
e a pulsação da vida
O campo florido de pirilampos azuis
que ilumina a noite ditosa
vem da candeia
de um céu cintilante
rendilhado de flamantes
estrelinhas
A lua traça no céu
um arco de linha nacarada
sobre o fundo negro que se
ergue dos montes que dormem
na noite diáfana
No ar uma palavra pejada
de silêncios e ausências
doridas se esconde
e tonta de melancolia
se esvai com a primavera
e as areias que o vento leva
A poesia dorme
no colo nu da folha úmida
dos pingos da chuva
que desenha arabescos na vidraça
Uma ave adeja na noite
solitária
Chove
Não a chuva que chovia
nas gaiolas abertas da infância
entoando no telhado
o som ritmado dos pingos
Hoje a chuva não cai
sobre telhados
e não junta seu som
ao som do barro das telhas
Hoje a chuva não escorre
pelas ruas de terra
Não deixa no ar o cheiro quente
de terra molhada
Não há canteiros
nem flores
nem cores
onde vicejava a eternidade
dos sonhos
e das estrelas
que a chuva, então, avivava
Hoje a chuva é o instante
sem a cor do sonho
sem as memórias e as histórias
e as fábulas
interminavelmente azuis
da imaginação
que pasce num mundo
onde a semente espera latente
e longe dos segredos dos meninos
reprisados noite após noite
O momento passou
trazendo a obscura noite dos
sóis sobre os quintais
Busco em mim o que
o que eu fui
o que eu era
Esta não é a primeira
primavera
nem a útlima lenta agonia
que os meus olhos soluçantes
vêem passar
Busco-me entre as flores do passado
Lá onde a vida nunca deixou
de ser jardim
onde as flores balouçam, suaves,
aos pingos da chuva
e que balouçam, também,
os labirintos do meu mundo
Ó, doce flor do jasmineiro
a tarde chora
outra primavera
espargindo aromas voláteis,
derramando folhas e flores
levadas pelo vento
para além das palavras
e do encantamento
outro mar
caminhando para as areias
outro tempo
desapegado e incomensurável
Entre as mãos,
molhadas de ventos e de cores,
outra solidão
com a qual finda-se o dia
e começa a poesia

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