sábado, 20 de setembro de 2014

Centelhas

                                                                                        
                              
                                                                                                                          O fatal

"Ditoso o vegetal que é apenas sensitivo
Ou a pedra dura, esta ainda mais, porque não sente
Pois não há dor maior que a dor de ser vivo,
Nem mais fundo pesar que o da vida consciente.
Ser, e não saber nada, e ser sem rumo certo
E o medo de ter sido, e um futuro terror...
E a inquietação de imaginar a morte perto,
E sofrer pela vida e a sombra, no temor
Do que ignoramos e que apenas suspeitamos,
E a carne a seduzir com seus frescos racimos,
E o túmulo a esperar com seus fúnebres ramos...
E não saber para onde vamos,
Nem saber de onde vimos..."

(Manuel Bandeira. In Antologia Poética. Global, 2013)


O vento sopra misturando as cores que a noite esconde
Farfalha a incerteza dos tempos,
O engodo da consciência produz passado, presente e futuro
O lusco-fusco engendra em mim o equívoco do tempo
E mergulho no engano
A cicatriz de um pecado esquecido em alguma volta da vida
Traz uma sombra anuviando a minha face
Ao redor da noite a glauca luz dos vagalumes
Acende verdes lembranças, encantos e infâncias
Num pisca que pisca anunciando verões
E a promessa que levanta-se das águas
Agora escuras, agora insopitáveis,
Agora o sempre mesmo mistério
A inquirir-me
De não saber se tudo é destino
Nem atinar na febre arguta de menino
Para onde vamos
De onde vimos
Qual o sentido do bimbalhar do sino
A derrubar as horas?
Fazem-se os dias indolentes e infatigáveis,
Alheios ao emaranhado dos clamores e das preces
E um dia conclamando outro, que conclama outro...
Desde de o "Big Bang",
Desde a criação
Ou seja lá o que nos traz até aqui
Ad eternun
Sob a película azul de um céu de agosto
Sob o ar tremeluzente de janeiro
Sob o mistério das partes
Sob a centelha das partes
Que pensam a tessitura do inteiro

Os dias são estes barcos brancos sem porto,
sem rotas  que o levem à noite certa,
Sem timoneiro
Os dias nascem fundeados e expectantes
O sol, olhando por entre a neblina
Tremeluzente do horizonte,
Denota a sensação irreal do Tempo
E o Tempo a si ignora
E o homem de si se esconde
E caminha como se caminho houvesse
Caminha, mas não se sabe pra onde

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