A cidade dorme
Os jardins da cidade dormem
Dormem as flores e as pragas
embalam-se no afeto do vento
envoltas pela luz da lua
Dormem os chafarizes
sob um arrepio de estrelas
e os olhos cerrados das palmeiras imperiais
Todas as varandas e terraços da cidade dormem
Dormitam reposteiros e janelas
Dorme, esvaída, a vadia vergonha
A cidade sonha
sonhos esconsos e desgarrados
A cidade ressona
imperceptíveis segredos
manietando palavras
e o silêncio tátil que não sai nem tenta
enchendo a noite de apreensões
ardendo dentro dos medos
Sombras caminham pelas ruas vazias
penetram pelos vãos das mentiras
pelos desvãos dos telhados
mancham a neblina
tocam as vitrines
a efêmera nudez dos manequins
trocam de lado
Um gato preto salta para dentro do escuro
que se desprende fortuitamente do ar
Em cada esquina assomam mistérios
pervagando os cruzamentos
A cidade recende a pressagos silêncios
lugares já esquecidos
ao gosto salobro do mar
ao perfume suave e intenso da luz da lua
a algo entre a melancolia e a mansidão
ao astros acordados
com medo da solidão
enquanto dorme nas esquinas
o nada em meio à escuridão
Os muros ao redor do homem não dormem
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