domingo, 19 de julho de 2015

Antes não era assim

 
Antes não era assim,
estes momentos indiscerníveis
tardios
espessos
cansados
só hoje é assim

antes não era o poema
não era o regato
não era a meiguice
não era o dilema
contido em tudo
não era a sombra da noite
a colecionar horas
não eram os olhos da Criação
e os redemoinhos prenhes dos quintais
só hoje

só hoje o regato escorre cúmplice das pedras
a meiguice afaga a face e o bulício dos meninos
emboscando lembranças que foi buscar no futuro
e no dilema singular onde crepitam labaredas
e os anos todos saindo de velhos baús submissos
acordando as madrugadas
bordando suspiros e imagens quiméricas
o dilema enrodilhando-se absoluto e desafiador
fecundando outro dilema
alaridos ondeando na cama
sem sono

só hoje
o silêncio alegórico das sombras
o tempo contemplando a solidão
os segredos
os medos
o pensamento,
mudo receio
despindo-se
dançando nu
na noite galopando rumo à claridade
portas
janelas
fechadas
namoro
o amor arfando
o beijo
o portão
a vertigem
acolhendo os corpos
seios e mamilos acariciando mãos
o jardim ondulando ao luar
emergindo da crisálida primavera
a rosa aberta em três versos
desmanchando a noite
manipulando perfumes
fascinando
inscrevendo sutilezas no ar
organizando a aurora sobre o mar

só hoje o poema se revela
e se arremessa como seta
como um tigre inefavelmente belo
incomensuravelmente ágil
emergindo furtivamente do meio da folhagem
antes que o vento o denuncie
salto
abandonado no ar
sonhos em fuga
para o tigre (ou o poema) não lhes pegar

antes não era assim...
não era...
só hoje

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