sábado, 14 de abril de 2012

Girassóis

A tarde chove sobre os telhados
trazida pelos ventos que arrastam
nuvens pra debaixo das telhas
manchadas pelos rios
debruçadas sobre a vida
escondendo constelações
que se amontoam
nas platibandas
no céu tingido de cinza
onde estrelas viajam a milhares de quilômetros por hora
expandindo o Universo
no mesmo instante em que uma criança morre
diante da minha indiferença
como um sonho que se acabou
como um aprendizado
sob a chuva passando por aqui
neste exato momento
apagando nos caminhos que andei
o som e o cheiro da poeira dos meus passos
tanto caminhei em direção ao mar
e mergulhei nas suas águas o amplo dissentir
que traçou tão fundo a minha vida
tantas mortes
tantas vidas
vividas diante dos espelhos
onde se calam os meus silêncios
e as vozes do que fui
a imagem no espelho não sou eu
nada diz dos momentos irrrefletidos
dos meus tormentos noturnos
nada diz dos ecos irrefletidos da minha alma
que ressoam na tarde
ressoam no tempo nu
em meio a um campo de flores
e gavetas repletas de imgens desbotadas
que molham o sol onde me vejo
em cada aurora canora
em que a flauta mói o rumor dos pássaros
vestindo a árvore de negro e marulhos
na eternidade que a manhã vaza em dourados
bibelôs de vento e bruma
e se acaso
na chuva da manhã o sol se apagasse
dentro da sua própria vertigem
dentro do labirinto de ferro das nuvens
negando a sua própria existência?
e se acaso
no tardar lento do dia a criança morresse
pelas ruas da sua vida pequena
de desamor
de abandono
um cão sem dono
sem palavras que a definam
o seu (des)gosto (asco?) pela vida
sem afeto?

Definham minhas palavras que nada dizem
diante de tanta dor
Minhas palavras almoçam e jantam
Minhas palavras riem com meus lábios
a matraquear em meio ao espanto da solidão
enquanto a criança morre
despida de vida
nas ruas a sua prisão
lenta
nos bueiros e vãos
da cidade de merda
ratos
baratas
e esta pústula a lhe cobrir o corpo
é o que lhe coube

No fim de tarde tendendo a dourados e vermelhos
olho da minha sacada
do alto dos meus oito andares
onde moro
e pressinto: a vida é uma roda morrente e inelutável!!!

Só sinto falta de girassóis para chorarem comigo

Imagem: Bernadette Triki

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