Neste momento uma criança morre
sem alarido
como prova de sua morte
somente o choro de uma mãe
A manhã grita azuis em meus ouvidos
Ouço poemas
que berram em mim
palavras que ficam como uma mancha
Meus olhos não vêem a criança
morta
O mundo é vasto em seu fosso de densa luz
e morre-se de tudo nesta manhã de abril
onde o sol roça os telhados cheirando à maresia
e vive-se por nada
fingi-se que se vive
A fome,
a miséria,
o fim entrando inadivertidamente na vida,
as perguntas sem respostas,
nas bocas,
nos becos,
por onde passaram minuciosamente seus passos,
por onde pulsaram suas veias
em meio ao pó,
ocre lama,
nas tempestades de março,
em meio aos enganos da vida,
porejando lágrimas sobre os despojos da criança morta,
o delírio que se move em meio ao pus
Nunca mais lhe espancarão
Nunca mais o gosto amargo da bile na boca
Nem um lampejo sequer da dor que que só calava com o sono
na rede
este gemido queixoso
este soluço fingido oculto sob pálpebras
e punhais
nunca mais lhe espancarão
nunca mais
É mistério como de um segundo para outro a gente muda de mundo
Ligando uma vida na outra?
Assim,
na vida parca
dos seus tão poucos anos
transpondo-se por entre estampidos
por entre gestos e medos
da vida fúria lá fora
da vida zunindo aqui dentro
também se morre
de trizteza,
de miséria,
de inaniçao,
de esgotamento
deste jeito bom de criança
que os anjos do céu também têm
nesta alegria infindável,
que apesar da dor,
via-se inteira no teu sorriso
de pipa no céu,
de bola no gol,
de pião na roda
de bola de gude matadeira
Agora o beijo de Sirlene acabou
A tua voz se fez poema
a dar piruetas no branco do papel
longe de mim e de todos
que pintaremos de azul o teu céu
e a tua poesia de pedra,
cacos de vida
e de tristeza
que já não tem serventia
Imagem: Salvador Dalí
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