domingo, 8 de abril de 2012

Sob a noite

O olhar encantado
sonhando estrelas
dentro das noites
beslicando a vida
que bem longe demora
é assim que uns dias vêm
e outros vão embora
tudo que vem depois
entre um escuro
e uma aurora
são imagens que daqui de dentro
são as pressagas das daí de fora
Os finais de tarde
naquela rua Maria eram
o colo onde Deus dormia
e dos seus sonhos
bebia-se a água da sede
de vida e de poesia
deste fim de tarde
pousado neste fim de dia
onde os girassóis,
sufocados pela noite,
esbatem as cores das horas
deste sol primevo
das flores deste regaço de abril
Onde deixei minha infância?
Onde deixei os meus passos?
E a lama...
Onde deixei?
E a lama dos meus passos?
Meus passos de menino,
um sonho de Deus
O sonho de um final de tarde
com seu vermelho hermeneuta,
sua palavra sem excedentes
Brilha no olhar do homem
a primeira estrelinha
Brilha sobre a miséria do homem
a estrela que sai do hálito azul da tarde
e pulsa confundindo o coração do homem
Sob a noite,
o olhar encantado,
o homem sonha estrelas
sem saber que a estrela já brilhou
fora da Caverna de Platão,
onde alheio à vida só se vive de ilusão
Já brilhou e brilhará
para reis e generais,
proxenetas,
miseráveis,
banqueiros e
prostitutas
Brilha, levemente, no fundo da taça
onde bebemos, felizes,
a cicuta nossa de cada dia
Brilha a estrela na noite dos
teus esplendentes olhos negros
reverberando no arfar do mundo
a alegria das flores abertas
Agora,
enquanto a constelação,
pássaro azul,
faz-se em poesia
ronda a tua sombra quente,
o teu corpo nu,
nus os teus olhos negros,
a tua fome nua,
Maria

Imagem: Julius Bissier

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