quinta-feira, 28 de junho de 2012

Maria

Maria, 
na folha branca da lua
escrevia o teu nome
você brincando, Maria
com a minha infância
teu gosto pulsava
na noite que entrava pela janela
e por onde você entrava
trazendo a brisa sussurante em seu cabelos,
trazendo teus lábios
e o teu cheiro para as noites repousarem o
poema do teu corpo nos
farfalhantes lençóis despidos da cambiante cantiga
vestidos da nossa nudez,
das nossas carícias
na noite quente
quieta
rompendo farta de estrelas
se espreguiçando desnuda
subitamente se fazendo amor
Da janela vinha a madrugada
junto com meus sonhos de menino
e este canto que era o meu amor por você,
Maria
os versos que eu não sabia, Maria
estavam dentro dos teus olhos,
na tua pela morena,
na tua boca pequena onde o beijo
sabia coisas demais
sabia mordiscar os meus lábios,
beijar a minha nuca,
o pescoço,
sugar-me os dedos com vagar
soprar-me o rosto com seus desejos cúpidos
na noite distraída e singela
onde a janela aberta se esparramava
esperando pelas tuas pernas
que a pulavam tranzendo o teu verão
para me envolver
trazendo o teu mar
a tua ilha
trazendo a praia de tarde
e um sol vermelho dizendo obscenidades
para os meus quatorze anos
teus seios pedindo agoras
beijos
demoras
os bicos duros
delicados
o teu desejo na minha boca
A noite dormia e acordava e dormia...
e no meio da madrugada sininhos
dobravam as palavras que eu não te disse
não por que eu não quisesse, Maria
mas era por que eu não sabia,
eu nada sabia, além do beijo,
além dos nossos corpos deslisando nos suores
das noites de verão e de janela aberta
para o sonho e para o céu,
depois do amor as estrelas sortidas,
curiosas,
se confundiam à tua cabeça em meu ombro
Nas madrugadas a poesia se fazia, Maria
mas eu não sabia ler a tua mão na minha,
o calor bom do teu corpo,
o enredo no teu olhar
e a perna que resvalava sobre a minha
numa carícia de menina
dizendo poemas
hoje eu sei: tuas pernas declamavam poemas
enquanto uma pequenina lágrima
gritava para ti o meu amor
escorrendo pela face com este gosto de sal
com este gosto de beijo entre as pernas,
gosto de afeto e mimo,
gosto de afago e saudade
do segundo que mal acabou de passar
Como te amar, Maria,
aos quatorze anos?
Se pelo menos eu me perdesse de mim
em tudo que não te digo
se eu soubesse o teu cheiro a me encantar
se eu soubesse dos caminhos da névoa que evolam poemas
Maria,
naquele dia te perdi para a síntese do "não"
ah! se eu soubesse, Maria
que o amor vale muito,
muito mais que um milhão de palavras ditas sem o respectivo ato
que mais que você queria, Maria?
além do tempo que não chegou,
além da emboscada refestelada,
da página em branco onde pode-se escrever qualquer coisa,
inclusive o enredo da tarde esfarelada do "não"
Maria, depois de ti ainda abro as janelas,
mas não tem mais madrugadas
nem o possível  pecado de entrares por elas,
e me abraçar
e deitar minha cabeça em teu colo
e docemente me amar,
Maria


Imagem: Bruno Bruni

terça-feira, 26 de junho de 2012

O gesto perdura

O gesto perdura
nas mãos abertas à terra do poeta
a noite não dorme
na insone madrugada
arrebanhando o dia
o passado afunda
e farfalha a tua ausência
o momento aguarda
o vento vermelho
a porta entreaberta
olha para o dia
que já vai embora,
dormir?
o sol se deita
deixando o frio trançado
ao ódio nas imprecações
com as quais calou seus gemidos,
gritou suas palavras
matando-as ao final
com seu punhal magenta
de indiferença
empoada
foram-se as palavras,
mas
o gesto perdura
no escopo do poeta
no tênue sibilar
do vento passando pela janela
assobiando pelos espelhos
baços
balançando as rendas
e as memórias
incrustadas nas frinchas
das paredes silenciosas
e estreitas
ressonando o barulho da chuva
prisioneira de um céu lento,
pendente da noite
escrita nas garatujas escuras
do imenso escoar que é o tempo nanquim
e seus graves passos negros,
e sua sombra imponderável
suspiro dos astros
vento de estrelas
arcadas ondejantes
onde a amplidão escura guarda
segredos e sons que o meu
coração reconhece e anseia

A flor no vaso volteia
na translúcida miragem do ar
a noite não dorme
ainda sinto em mim
um sol de fevereiro
num outro verão
onde a ausência se esconde
nesta distância ano-luz,
invisível
na seda dos meus dias
nas noites e seus cantares
borrando o passado
enchendo o mundo deste silêncio
que me acompanha
desde a infância
nesta antiga solidão
que me ficou entre a semente
e a flor
que no vaso volteia
ao sopro da brisa que bruxuleia
a luz da vela
e desliza nas cortinas azuis
da neblina,
na renda ígnea da imaginação
onde o Amor enche cântaros desta flor
que a Alma, prisioneira, chamou de saudade

domingo, 24 de junho de 2012

Silêncios adormecidos

"Além da estrela"

"Além daquela estrela o que é que existe?
Será que existe alguém assim tão triste,
será tão triste, assim, o céu de alguém?"

(Ronaldo Cunha Lima - Breves e Leves Poemas)


 
A tarde doura os montes, as árvores e as casas
em seus passos derramando-se para a noite
que em versos é a sombra das minhas lembranças
é a tua presença no sinete do esquecimento,
nos meus sonhos,
na saudade.
A tarde, quieta e calada, doura os instantes
dos pássaros no arvoredo
doura os meus sonhos absortos no meu medo. 
A vida brinca de infância no dourado da tarde.
Na tarde inalcançável dos teus olhos
a primeira estrela caminha para a minha noite
A primeira estrela acende a minha noite
e as casinhas, esquecidas no ouro de um sol plangente,
vão se apagando da visão
em seus silêncios adormecidos no
canto dos pássaros que se calaram
e já não dizem o teu nome
e nem destas tantas coisas que, talvez, sejam poemas.
A lua nova e a ternura,
o sol mergulhando no ocaso,
já não trazem tua boca orvalhada de manhãs para eu beijar
Os fios dourados da tarde  douram
as curvas do horizonte
e vão povoando os céus,
vão dando nomes às palavras antigas
que o crepúsculo dita à emoção,
num tanto de eternidade,
num tanto de solidão
A estrela, trêmula e triste, detém
meus olhos no espelho de esmaecidos tempos,
de luas que me comovem,
onde meus abraços eram mortes tão banais
na insustentabilidade infatigável do Tempo,
ávido punhal,
argênteo fogo,
entre as cinzas da noite
que o vento sopra dissoluto
nas vazas sutis que se desfazem
em fragrantes vermelhos

Na tarde molhada por sigilosa tristeza
as palavras tiritaram silenciosas.
A indiferença disse, um a uma, as palavras
que viveram nos teus lábios
e que no tempo, inexorável e incognoscível,
misturaram-se à garoa de gotas frias e solitárias
de um retalho de primavera oscilando no horizonte.
A poesia me ouvindo,
entre palavras cravadas na pele 
de um novembro sem memória, 
inventou o lamento onde te procurei,
inventou com vento e bruma um céu triste
e de ilusórios segredos morosos
para um amor que não resistiu
à passagem dos dias
e dos versos caidos nas páginas em branco,
comovidamente
mudos

Imagem: Wassily Kandinsky

quarta-feira, 20 de junho de 2012

À noite

À noite a palavra pode ter outro sentido
um pouco mais pungente
um pouco mais doído
e lentamente ir mortificando a vida

À noite a palavra pode ter outra certeza
um pouco mais convicta
um pouco mais aguda
e lentamente ir recriando velhos segredos

A palavra me consome
e se é triste talvez não diga tudo
deste silêncio dorido,
destes versos pueris,
poema mudo
como uma madrugada sem mar
como uma lua minguante
sem vontade de terminar

À noite a palavra pode ter outro perfume
um pouco mais amaro
um pouco mais de ardume
e lentamente ir espargindo velhos medos

À noite a palavra pode ter outro roteiro
um pouco mais talvez
um pouco mais era uma vez
e lentamente ir esquecendo o tempo que não veio
              [abro a porta,
              [vem o passado, tão antigo, em seu lugar

Imagem: Joan Miró

terça-feira, 19 de junho de 2012

Desenhei a noite


Desenhei a noite
com sonhos usados
velhas palavras
ruínas de um velho dia

Desenhei a noite
com dobres de sinos
versos sonoros e desnudos
e o vôo de andorinhas rumo aos ninhos

Com as (poucas) roupas da meretriz
eu desenhei a noite
toda cheia de cores,
sonhos,
perfume barato,
uma lua carmim,
e com as lágrimas que se escondiam
nos olhos nus da poesia
que o corpo da meretriz declamava quando nu
desenhei a noite
e os cenários infindáveis da solidão

Desenhei a noite
com um gosto de passado,
de tempo perdido,
com gosto de engano

Desenhei a noite
com o sentimento morrido
com teu nome sussurrado pelo mar
e as lembranças adormecidas esperando o teu olhar

Com o pranto a me chamar
eu desenhei a noite
toda cheia dos teus olhares,
desencanto,
quieta loucura,
e com o desespero que se escondia
na hora sozinha do escuro adeus
na fuga dos passos andarilhos do amor
desenhei a noite
e os cenários indecifráveis de uma dor

Imagem: Joan Miró

domingo, 17 de junho de 2012

Palavras miúdas

A noite lembra um verso exilado em um
deserto evaporando em demoradas gotas de tempo
em delicados azuis se remontando
caminhando para a tua ausência que se faz
dia após dia,
noite após noite,
madrugada após madrugada,
gesto após gesto,
lembrança após lembrança,
figuras,
origamis,
constelações de papel
evolam-se na maciez da lua
e perguntam pelo teu nome nas noites de não
tudo poesia imorrível
tudo a inevitável dor
que vai rabiscando no medo e no vento
palavras miúdas
versos deixados por um beijo antigo
mas não menos doce que o beijo que vive em mim
tão antigo quanto Pingo pingando dentro do sonho
olhando dentro do espelho os ciscos do passado descalço
aflorando em seus peitinhos
duas estrelinhas para eu beijar de mansinho
num pedacinho de céu molhado
pela nossa saliva
(...)
As tardes tinham o teu cheiro de lolita
e eu te amava (te amo)
como eu te achava (te acho) bonita
teus cabelos negros como a tessitura da noite
teus olhos negros me convidando pra brincar
o teu sorriso que compõe todos os versos
o teu vestido perdido entre os lençóis
nossos corpos perdidos entre nossos braços
teu jeito menina de querer ser mulher
sem tempo
e sem hora
só o perfume que o sol deixava na tua pele
cheiro de sândalo e madeira
teu cheiro bom de menina
poesia...
poesia é teu cheiro
que exala-se nos meus sonhos
que põe estrelas num céu
que é teu em algum canto de mim
na noite que amanhece na tua poesia
(...)
Despe-se o dia das suas flores
dos seus caminhos sem nome
veste-se o dia da sua roupa de inverno
das suas folhas secas,
sorrateiras
Ah, se neste dia que nasce
eu soubesse qual o verso que me aliviaria
qual o verso que se esquiva e se afasta e me dói
por estar escrito na alma
com a tua caligrafia
Ah, se neste dia, olhando pra solidão,
eu avistasse você
sem nos separar
esta distância dos anos
que habita a memória da nossa infância
e este reino de fantasias
todo o impossível se explicaria
na concha dos teus segredos
e no teu colo
onde eu repousava o meu cansaço
e onde semeei o meu amor
de menino
semente que o vento levou
e o tempo teceu absorta saudade
diante dos meus olhos negros dos teus
retintos dos teus
sôfregos dos teus
(...)
Em ritmos antigos ainda te escuto
naquela música que você gostava
e cantarolava nua pela casa
canção que se movia com o teu corpo
entornando sobre mim tua nudez
abrindo os lábios para o outro beijo
que desvelava o amor
e que de amor se faz até agora
meu rumo
meu refúgio
minha vertigem
minha eternidade
neste sonhar consigo
lágrima a me dizer: é por aqui
que a noite se une ao mundo
trazendo em seus olhos negros
o soluço profundo
de um anjo

Imagem: Claude Monet

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Do tempo e das estações

O inverno vem e inunda as manhãs sonolentas
o céu de junho derrama os seus azuis
nos olhos indecifráveis do mar
as tardes trazem o canto submerso
das estrelas azulando o horizonte
pelas janelas entra a brisa úmida de sonhos
o Tempo ondula em suas vestes de cetim e infinitude
o silêncio é um poema guardado sob as folhas
que cairam e secaram no chão pisado pelo outono
o dia se esconde nos olhos do tempo
a tarde vem no vento desenhando a noite
encobrindo com ternura o mesmo sol sob o qual eu te amava
folhas amarelas ainda caem nos lentos caminhos do crepúsculo
enquanto a noite adormece placidamente sobre os quintais

O ritmo do tempo e das estações e das chuvas
afligem meu coração
Pois
se é a mim que o tempo ignora
se é em mim que as estações doem a falacia do amor
se é em mim que as chuvas misturam-se à possível lágrima
e ao sal que o vento impreciso derrama em espirais lentas de solidão
então,
o tempo, as estações e as chuvas
vertem-se em mistérios nas pequeninas vidraças onde a borboleta se debateu
na enganosa transparência de um mundo que não era o seu 

Murmúrio lento
A noite é uma fogueira azul e prata
me chamando
Nesta noite posso ouvir o mar
e me embalar no mar
e me embebedar do mar
e sentir a candura das espumas das ondas
e morrer-se o pouquinho que se morre a cada dia
ouvindo o mar que murmura em quebrados rochedos
a água e o sal escorrem pela pedra dos meus olhos encantados
com o anjo que trouxe a noite silenciosa e plena
No silêncio da tua ausência as palavras inventam perguntas
Quem é esta que ficou no retrato?
Quem é esta cujo nome ondula como miragem no calor do deserto?
De quem são estes olhos que contemplam a flor?
Já não sei
Já não sei de quem são os passos tristes na inquietação dos meus caminhos
se tudo foi ilusão

Agora ficam as entrelinhas
fica esta saudade mendiga
ficam os poemas a escrever
e esta tristeza que inicia tão quieta
gotejando os momentos de te esquecer

Imagem: Jårg Geismar

domingo, 10 de junho de 2012

Outro dia

Entre uma palavra e outra, há (a) poesia
Entre o mar e a onda, a (há) poesia
Entre o beijo e o arrepio, há (a) poesia
Entre a dor e os que estão sofrendo, a (há) poesia
Entre o sonho e a madrugada, há (a) poesia
Entre o vento e a areia, a (há) poesia
Entre as estrelas e o céu nu, há (a) poesia
A poesia abre as janelas úmidas das manhãs
ainda encobertas de véus e neblina
exala seu perfume nas flores
que balançam ao vento
e a vida inteira é poesia na página em branco
pergaminho na garrafa trazida pelo mar da alma na noite súbita
e a poesia é vida inteira nesta ilha
que declama seus versos onde há só ausência
versos que jamais escrevi
versos sôfregos sobre o balcão
onde repousam os livros que não li
livros onde entre uma linha e outra
entre uma frase e outra a (há) toda a poesia encantada
a me fazer feliz no instante antigo e quedo
as minhas mãos espalmadas esperam outras mãos
nos olhos cinzas de um minuto calcinado no tempo
vivos em mim
como nos quintais de minha infância
eu ficava esperando o céu se desmanchar em vermelhos
entre o céu e o vermelho, há (a) poesia
e a noite se iniciava insurreta
por sobre as montanhas ao longe
e os telhados das casas da minha infância
e espalhava-se pelo instante inefável dos meus olhos
a procurar por você dentre os poemas inacabados
dentre as estrelas
que já nasciam como sílabas de um verso e de um tempo
onde as palavras buscavam-te tontas de beleza e de sentidos vários
a poesia, tão antiga quanto a palavra, silenciava
e em silêncio acolhia minha alma e fazia voar borboletas
decompondo as cores dos jardins onde sonhava a lua
entre o lamento e o desenho da lágrima, a (há) poesia
há (a) poesia quando estou só
e a tarde se demora
e com as mãos sobre o rosto balbucio teu nome
lentamente
voam os pássaros em direção às arvores onde dormirão
os teus carinhos
voam os passáros em direção ao passado
para além da tua ausência
e do meu medo
e o poema se diz sozinho
como uma voz no deserto
que a vastidão perpetua
tatuado nas longas noites que inventei para te esquecer
(...)
Palavras...
as palavras doem
carrego-as por que é noite
longe, longe, longe...
é noite
já não escuto teu nome quando olho para o silêncio e a lua
já não me alcança o punhal pungente das tuas palavras
longe, longe, longe...
no horizonte que morreu e que voltou
amadurece o tempo
para nascer um outro dia

sábado, 9 de junho de 2012

Sensação

adormece o dia num entardecer calado
deitando amorosamente a sombra na árvore
os castelos de neblina a sufocar o rio
que nada para a noite azulada de estrelas
enquanto encanta-se da lua
e seus anéis de arco-íris
as cores imersas na solidão do lago de rotas estrelas refletidas
a saudade passeia silenciosa
e vem de muito longe embebedar-me
com o vento onde soletro teu nome
que é o mesmo da cantiga de infância
que demorou a chegar
e quando chegou já era hora
de findar a brincadeira
de partir
deixando a estrela mais linda
na noite que te esperou
e se escondeu aos pouquinhos
no adeus que não foi dito
a palavra que ficou entre os lábios
as que não deviam ter sido ditas
tornando triste a poesia
e a vida rude
ocre vento desnudo
sibilando no silêncio prolongado
e essencial
onde antes havia o meu carinho
e o meu amor por ti
agora reinvento os segundos
tempo poroso
prisão circular da alma incendiada
como um sol vermelho
nos finais de tarde
morrendo para as noites
suspensas nos colos das colinas
um dia isto tudo vira não
e nada esqueceremos
nem o abraço e o beijinho de esquimó
nem o delicado beijo na mão

(poesia é beijo na boca)

um dia isto tudo vira imagens distorcidas
num espelho embaçado de ilusões

Imagem: Paul Klee

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Campo de estrelas

O céu era este campo de estrelas
onde os anjos quedavam-se ao eco
dos cânticos que o vento sussurrava
e derramava docemente por sobre os homens
A noite era fria
Final de outono nos olhos esquecidos no encanto das noites
mansamente claras
nos caminhos que a lua desenhava
Feitas de coloridos ninhos de nuvens onde o menino guardava seus sonhos
lembranças de outros olhos
de eternos braços vazios
a caminho da aurora de um velho mundo
Silêncio!
O dia nasce acordando os passarinhos
e riscando arabescos num céu mosqueado de azuis e lilases
Agora resta esta manhã nascida do mar
e da saudade
fragores de um mundo que só existe em mim
e no menino
pássaro azul
na sua alma sem céu e sem flores
mas com seu riso e sua meiguice
encanto da infância
de infinitos amores
não os que tive,
mas os que sonhei
e pelos quais a cada dia morri por não ser você
que estivesse aqui
O sonho eu guardei em alguma nuvem da infância
em algum canto longe de mim
onde o tempo cresce em dor e em solidão
Ainda espero teus olhos
Meus braços são só espera e gesto
dentro dos ninhos de nuvens da noite fria de um outono
sonhado do jeito terno do amor
A noite é meu canto soprado nas tramas do vento
que passou jogando espuma das ondas em meus olhos
levando a tarde para o girassól
abrindo as janelas e portas para que a poesia entrasse e,
de novo, desse sentido à vida e às madrugadas
grão que viu o menino crescer e dentro do que sou inoculou seu tanto de dor
nas frias noites de outono
nas febres do inverno que não dorme
nos dias acesos e coloridos florescendo primaveras
na brisa cálida que envolve as sombras e o azul das hastes do verão
Ainda guardo a ternura do beijo na tua mão
dos meus dedos aquecendo-se nos teus
em um inverno tão nosso
com gosto de encantamento
Reinventamos o sol nos nossos dedos enlaçados
O amor era tão fácil
andando com a gente pelas ruas caladas
por onde o menino agora anda sozinho contando os passos
entre o sonho que foi e a primeira estrela que servirá de poema
para dizer o quanto gostei de ti
Sei que ainda há momentos e cantigas para não se morrer
da indiferença hipócrita de uma primavera que não floresceu 
Sei que ainda há momentos
e cantigas
e esta sensação de que o campo de estrelas entrará janela a dentro
e solfejará cançoes devagarinho
que é pro corpo todo saber da despedida do amor
Ai, ai...
Sei que ainda há momentos onde o orvalho e a lágrima
nos ajudarão a saciar a vida sonhada
nos regatos onde solto meus barquinhos de papel
e invento que a ternura existe
como um luar em pleno dia
como uma estrela coruscante
como a palavra faiscada no que deveria ser eu
e nas saudades que me chamam pelo nome da infância 
O orvalho ondula suavemente na pétala da flor
A lágrima leva meus olhos silenciosamente
para ver a flor que desabrocha definitivamente
trazendo teu nome à memória
às janelas abertas
às manhãs que descem insuspeitavelmente
sobre o cântico do rio
e sobre todas as coisas suas que ficaram em mim
garatujando a vida
e o sonho deste instante
                                    (eternidade)
                                       (ciranda) 
onde a minha alma habita
                                   (e onde ficou nosso amor)

terça-feira, 5 de junho de 2012

Final de outono

Final de outono
final de tarde de outono
as tardes são estes afetos de poesia
que podes ver por entrte a pétala e o orvalho
mudos
silenciosos
um sopro onde os caminhos e os mares se encontram
o azul do céu tinge a saudade
dos teus olhos
lá longe o pássaro canta no jardim
à fogueira do sol
às folhas amareladas
e ao inextinguível outono
dorme nos mares o vento
e teu nome
úmida ausência
esquecimento
sombra de um passado
nas tardes de intermináveis vermelhos e violetas
de aromas de jasmins levados pela brisa
e pelos suaves passos dos teus pés em meu corpo
e em minha alma
e no nume que a alimenta
a tarde derrubava as folhas que balançavam no ar dourado
esbatido pelas sombras dos galhos
e pelas palavras que agonizavam escondidas nos gestos
e na fragrância fugaz do teu corpo
nada aconteceu
o amor foi tão frágil
como pode ser frágil o carinho
como uma efêmera tarde
onde rosas brancas florescem por te recordar
quando tu te fostes andei caminhos incertos
vi teus olhos em cada céu que emoldurou os dias de então
ouvi teu riso
tão diferente das minhas emoções
que nestes dias de outono esperam
a brisa que beija as flores nos jardins
o vôo do pássaro despertando a praia
e a solidão
e tudo não foi mais que um amor sem nome
escrito todos os dias
pela ternura dos dedos
sem explicação da poesia


E tudo vivi como o menino sozinho
que ama o outono e seus sortilégios
e seus soluços evolados nos sonhos
ama
ama a noite e o bálsamo destas noites
silênciosas e frias
onde a minha alma ainda acaricia versos
que ouço
sem princípio e sem fim
nas velhas vozes
que por entre as brumas
falam de amores
e cantam
como cantam os rios
e as pedrinhas do leito do rio
como cantam as folhas que o vento derruba no rio
e levam consigo cores de um dia resvalante
suave
amo a noite
e o canto das folhas
úmidas de poesia que desce também com o rio
em cujas margens em sonho me deito
e recito o punhal azul do teu nome
como quem diz para o mar
das horas perdidas
e dos velhos poemas riscados
letra após letra no abandono das noites passadas
e nas estrelas imaginárias
onde a dor tinha morrido
enquanto na madrugada já se ouvia
o amanhecer por trás da neblina de outono
e o som das folhas secas que suavemente
enchiam o ar de nostalgia
e de manhãs com cheiro de terra recém molhada
pelo orvalho que os anjos espargiram
nas palavras
e nas mãos a recolher
poemas
velas ao vento
sonhos e violetas
estrelas e mar
nas noites cochilando sob a sombra
escura do céu
sob as parecenças de amor
que a lua, andarilha, esqueceu
numa manhã assim de outono
como eu

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Há que se ter tempo

Há que se ter tempo
para voltar-se à poeira das ruas de terra
voltar-se às manhãs emolduradas pela neblina
voltar-se de pés descalços aos campinhos de futebol
ao suor
à vertigem
à eternidade do gol
Há que se ter tempo
para voltar-se à janela e ver a flor que soluça canções de amor
para voltar-se a se escutar a resposta do eco
para voltar-se à luz da lua esbatida na rua de terra nácar
para voltar-se ao circo de lona rasgada
Há que se ter tempo
para voltar-se a ouvir o vento passando pelo poema
para voltar aos vagares das ruas e seus passos brancos
para voltar-se aos beijos do primeiro amor
para voltar-se às noites quentes e aos vagalumes
para se voltar ao jardim e ao seu aroma de felicidade
para voltar-se ao mar e às areias onde as tardes são o retrato (pra sempre) da vida
para voltar-se a assobiar para chamar o vento adejo
para voltar-se ao silêncio
voltar-se à ternura
para rir-se do passado
ou chorar as madrugadas
do hoje vago que teima em se desfazer em horas, minutos, segundos
Há que se ter tempo
para voltar-se a ouvir a canção da infância
para voltar-se a ouvir a chuva tamborilando no telhado
para voltar-se a se encantar com a primavera
para voltar-se  a navegar os sonhos à luz do sol
com o canto das sílabas da noite
voltar-se aos lábios molhados em chamas da primeira namorada
Há que se ter tempo
para ver a tarde germinar
o pássaro fazer o seu ninho
a vida dormir sob a luz da lua
e sonhar gotas de vinho e mel
Há que se ter tempo
para fazer-se da vida Alma
                                        ponderação e arte