terça-feira, 26 de junho de 2012

O gesto perdura

O gesto perdura
nas mãos abertas à terra do poeta
a noite não dorme
na insone madrugada
arrebanhando o dia
o passado afunda
e farfalha a tua ausência
o momento aguarda
o vento vermelho
a porta entreaberta
olha para o dia
que já vai embora,
dormir?
o sol se deita
deixando o frio trançado
ao ódio nas imprecações
com as quais calou seus gemidos,
gritou suas palavras
matando-as ao final
com seu punhal magenta
de indiferença
empoada
foram-se as palavras,
mas
o gesto perdura
no escopo do poeta
no tênue sibilar
do vento passando pela janela
assobiando pelos espelhos
baços
balançando as rendas
e as memórias
incrustadas nas frinchas
das paredes silenciosas
e estreitas
ressonando o barulho da chuva
prisioneira de um céu lento,
pendente da noite
escrita nas garatujas escuras
do imenso escoar que é o tempo nanquim
e seus graves passos negros,
e sua sombra imponderável
suspiro dos astros
vento de estrelas
arcadas ondejantes
onde a amplidão escura guarda
segredos e sons que o meu
coração reconhece e anseia

A flor no vaso volteia
na translúcida miragem do ar
a noite não dorme
ainda sinto em mim
um sol de fevereiro
num outro verão
onde a ausência se esconde
nesta distância ano-luz,
invisível
na seda dos meus dias
nas noites e seus cantares
borrando o passado
enchendo o mundo deste silêncio
que me acompanha
desde a infância
nesta antiga solidão
que me ficou entre a semente
e a flor
que no vaso volteia
ao sopro da brisa que bruxuleia
a luz da vela
e desliza nas cortinas azuis
da neblina,
na renda ígnea da imaginação
onde o Amor enche cântaros desta flor
que a Alma, prisioneira, chamou de saudade

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