É setembro nos tons
acobreados desta noite
de inicio de primavera
Um candeeiro acende
a madrugada
e o seu manto de opala
Lua cheia sob um céu
negro azulado,
cata-vento de estrelas,
olho de prata,
luzeiro de jaspe,
refletido neste
rio carmesim
As horas sopram
lembranças
das manhãs e seus
céus coloridos,
das tardes de pergaminho,
das noites prateadas
e azuis
feitas de saudades,
feitas deste crepitar
das árvores que a brisa toca
como uma fada das águas
As estrelas queimam
o cerne do benjoim
e enchem o ar de
uma poesia dolente
e perfumada
As luzes nos postes
acendem as sombras
nas ruas que caminham
levadas pelos ventos
e tecem canções
molhadas de segredos
Um beijo...
nos teus olhos negros que
fitavam os meus
e punham em mim
a quietude da noite
a mansietude dos sonhos
Quando ias embora
meu coração se perdia
no perfume da tua ausência
tatuado em minha alma
Quem é esta menina que
suspira nas minhas madrugadas
e caminha pelas ruas desertas
sozinhas como uma lua?
Ainda sonho seu olhos negros,
seu corpo de luz e sombra,
seus lábios mordiscados
por este amor que doía
quando eu enlaçava sua cintura
nas tardes que ficaram em mim
como um sinete
dos seus lábios nos meus
É primavera
e o silêncio transpira
o aroma das flores silvestres,
da terra molhada
Um pássaro voa
sobre a minha vida
e eu compreendo
a doce e triste voz
do trinar da ave
e o eco dos meus passos
tentando lhe acompanhar
pelas ruelas da minha vida,
da minha infância
Choro o grito
que vem no vento
entrelaçado de soluços
Ao longe os sinos dão as horas
A cidade desperta lentamente,
modorrenta,
ao bimbalhar do sino
que traz consigo a manhã
misturada com o horizonte
e o perfume sonolento
das flores que bailam
na aragem ébria
dos aromas dos jasmins
A luz nasce e se aproxima
como uma fábula
A vida introjeta as cores
de um novo dia
No céu o sol e a lua
são duas ninfas desnudas
Os versos de tez morena
não dormem jamais,
pululam na madrugada de nácar
Ficam a gotejar das estrelas
sobre a anágua dos rios,
entram pelas gretas do sonho
nestas manhãs de setembro
que não esquecem o menino
de pés descalços
e asas de pássaros
que um dia sonhou o amor
A manhã, muda e quieta,
abre os olhos
negros como os teus,
banha-se nas águas do rio
Rumores de águas das chuvas
onde barquinhos de papel
carregam as folhas verdinhas
de mais uma primavera
A aurora exibe o segredo
azul, lilás,
dos meus silêncios de menino,
da minha solidão,
náufraga desta ilha oculta
que se desnuda em mim
domingo, 30 de setembro de 2012
quinta-feira, 27 de setembro de 2012
A noite que toca o chão
A noite que toca o chão é fria
Lá fora suspira o vento,
oculto nas sombras antigas,
oculto nas asas dos pássaros,
revela o caminho pro mar
e tece um imenso manto
sonoro
e de infinitos dedilhados
criando os escuros
e as cores que a gente não vê
e os sons que tangem à noite
no espelho fulgurante do zimbório
A noite que toca o chão contempla o silêncio
e o movimento do poeta e sua pena
Contempla o traço paralelo ao sonho do Ser
reflexo dos horizonters rubros das tardes caladas,
sonho,
sóis,
velhos retratos,
as mãos cansadas...
As mãos cansadas dissolvendo os gestos,
folheando a noite em busca de você
A noite que toca o chão é solitária
como seu reflexo incerto e a paisagem
que agora é sombra
As folhas soltas das árvores esvoaçam
carregando lembranças e sussuros de uma infância
e de uma janela que dava para o jardim bordado,
arabesco tecido em cores do ontem adormecido
quando a noite tocou o chão
A noite que toca o chão conta histórias de "era uma vez"
como quem sabe que em cada sonho
há um poeta
como quem sabe que em cada trama
há um engodo
e que em cada vida há uma sina
A noite que toca o chão avança como negro pó,
negro cinzel talhando sílabas e sons no vazio,
na ausência transparente do mar violeta de agosto
e suas areias acesas na chama da candeia da lua cheia
As estrelas caminham seus caminhos azuis,
desmancham a possibilidade do vermelho das rosas,
do branco dos lírios,
das mãos postas em prece,
do grito pressuposto e infenso
dos olhos tateando no escuro
das portas por onde derramarão meus sonhos
enquanto as horas dormem,
exaustas
A noite toca o chão,
toca os rios,
onde mergulha
e dissipa-se no silêncio do verso,
âncora de um amor,
vogal faltante da minha fala
desinência da vida sem retorno
de que são feitos os nossos passos adejantes
A noite inominada desenha figuras indistintas
e fugazes
o poema fazendo-se sob a chuva
em rascunhos entremeados de trêmulas lembranças,
perguntas palpáveis,
esparsos versos
ainda úmidos das sombras azuís das estrelas
A noite que toca o chão toca a si mesma
na carícia lenta da escuridão do mar
refletindo a molhada luz da lua
dissolvendo-se ao ritmo da tessitura das marolas
imaginadas pelo vento
e pela saudade
contida na gota d'água que cai como uma lágrima
em fogo sobre a sombra aberta da tua ausência
Na noite que toca o chão
pétalas de flores oscilam no ar incendiado
pela lua
soluça o jardim
alguém dedilha as ondas de um mar dolente
outro alguém rascunha rimas e recollhe versos
num setembro que trouxe as flores
que derramaram-se perfumando a noite,
as ilusões,
os segredos,
os folguedos
A noite menina que toca o chão
é esta nostalgia
e esta inquietude
que se revelam nas gotas de orvalho,
pequenas poesias
que dizem-se ao silêncio
oculto nas ramagens,
no infinito dos campos,
na doce recordação dos teus olhos
enquanto a noite,
solitária como este ébano que envolve a vida,
caminha para a aurora azul e lilás que flutua
sobre o canto das meninas,
sobre o riso,
e sobre o vento muito fino que amanhece
na hora morena dos aromas
e que traz de muito...
muito longe este canto triste
como o soluço nos olhos de um fim de dia
Imagem: Joan Miró
Lá fora suspira o vento,
oculto nas sombras antigas,
oculto nas asas dos pássaros,
revela o caminho pro mar
e tece um imenso manto
sonoro
e de infinitos dedilhados
criando os escuros
e as cores que a gente não vê
e os sons que tangem à noite
no espelho fulgurante do zimbório
A noite que toca o chão contempla o silêncio
e o movimento do poeta e sua pena
Contempla o traço paralelo ao sonho do Ser
reflexo dos horizonters rubros das tardes caladas,
sonho,
sóis,
velhos retratos,
as mãos cansadas...
As mãos cansadas dissolvendo os gestos,
folheando a noite em busca de você
A noite que toca o chão é solitária
como seu reflexo incerto e a paisagem
que agora é sombra
As folhas soltas das árvores esvoaçam
carregando lembranças e sussuros de uma infância
e de uma janela que dava para o jardim bordado,
arabesco tecido em cores do ontem adormecido
quando a noite tocou o chão
A noite que toca o chão conta histórias de "era uma vez"
como quem sabe que em cada sonho
há um poeta
como quem sabe que em cada trama
há um engodo
e que em cada vida há uma sina
A noite que toca o chão avança como negro pó,
negro cinzel talhando sílabas e sons no vazio,
na ausência transparente do mar violeta de agosto
e suas areias acesas na chama da candeia da lua cheia
As estrelas caminham seus caminhos azuis,
desmancham a possibilidade do vermelho das rosas,
do branco dos lírios,
das mãos postas em prece,
do grito pressuposto e infenso
dos olhos tateando no escuro
das portas por onde derramarão meus sonhos
enquanto as horas dormem,
exaustas
A noite toca o chão,
toca os rios,
onde mergulha
e dissipa-se no silêncio do verso,
âncora de um amor,
vogal faltante da minha fala
desinência da vida sem retorno
de que são feitos os nossos passos adejantes
A noite inominada desenha figuras indistintas
e fugazes
o poema fazendo-se sob a chuva
em rascunhos entremeados de trêmulas lembranças,
perguntas palpáveis,
esparsos versos
ainda úmidos das sombras azuís das estrelas
A noite que toca o chão toca a si mesma
na carícia lenta da escuridão do mar
refletindo a molhada luz da lua
dissolvendo-se ao ritmo da tessitura das marolas
imaginadas pelo vento
e pela saudade
contida na gota d'água que cai como uma lágrima
em fogo sobre a sombra aberta da tua ausência
Na noite que toca o chão
pétalas de flores oscilam no ar incendiado
pela lua
soluça o jardim
alguém dedilha as ondas de um mar dolente
outro alguém rascunha rimas e recollhe versos
num setembro que trouxe as flores
que derramaram-se perfumando a noite,
as ilusões,
os segredos,
os folguedos
A noite menina que toca o chão
é esta nostalgia
e esta inquietude
que se revelam nas gotas de orvalho,
pequenas poesias
que dizem-se ao silêncio
oculto nas ramagens,
no infinito dos campos,
na doce recordação dos teus olhos
enquanto a noite,
solitária como este ébano que envolve a vida,
caminha para a aurora azul e lilás que flutua
sobre o canto das meninas,
sobre o riso,
e sobre o vento muito fino que amanhece
na hora morena dos aromas
e que traz de muito...
muito longe este canto triste
como o soluço nos olhos de um fim de dia
Imagem: Joan Miró
segunda-feira, 24 de setembro de 2012
A realidade é um vasto manicômio
A realidade é um vasto manicômio
desvelando os parvos e os tolos
e suas pequenas vidas
Tantas paisagens molhadas pelas chuvas
que só seus olhos não vêem
Tantos dias pulsando através das neblinas
flutuando no ar das manhãs,
escorrendo pelas últimas horas do entardecer
O perfume das flores entreondulando
nas sensações de um jardim
que não lhes consola
A alma lhes é como lento e baço rio
descontente com as pedras no caminho
Insípida sina remoer o tédio desta vida
e à inveja entregar a imensa farsa de viver
Velam as máscaras que lhes escondem
de si mesmos,
escondem seus rostos mortos
[e queima-lhes
[a sombra angustiada
Quanta melancolia têm estes reis eternos,
visto que o mundo lhes pertence
em seus delírios hediondos e tristes
Viverão milênios,
segundo as suas crenças embalsamadas,
segundo o que preconiza as suas matilhas
nas suas vozes ásperas e frias
reverberando em ecos de intolerância
A realidade é um vastissímo hospício, ó mana
onde príncipes bruxuleiam em seus estertores
de sons negros como os negros séculos
onde a espada interrompe o poema
O homem se repete, se repete...
Não vê as manhãs
lentas e cálidas que fazem os dias
nem vê o sonho
que há no casulo da borboleta
na gota de chuva que espreita o vento antigo
e na imperceptível poesia do silêncio
enquanto tange as tardes e as gentes...
Senhor,
Dai aos bardos o tempo inconsumível
e aos homens a possibilidade de amar
Amar o amor insuspeito,
incólume
e intenso
como se no fim das nossas ruas
nos esperasse a latência de um mar
neste início de primavera
e nesta lua crescente
que pende deste céu que não alcanço
e tropeço nas nuvens a cada instante
e me encanto ao avistar da janela as estrelas
dependuradas num céu de ébano passível,
também,
de um amor...
o meu amor, preclaro e infantil,
despido e casto
Alguém me disse outro dia: tens o olhar entristecido
Eu respondi: no princípio era uma solidão muito leve,
muito calma,
depois a solidão tornou-se prenúncio
sem data para passar,
sem limite pra doer,
impulso,
entranhas,
crisálida,
silêncio
Um grande sono se faz, estrepitoso
vigiado pelo vento e pela sombra
da memória dissonante de vidas passadas
e da primeira manhã
onde tudo era premissa,
onde a luz ofuscava a visão,
onde o amor não conhecia o mudo medo
e os sentidos inquietos
onde tudo era devir
Senhor,
dai aos bardos um retrato em branco e preto
e um poema, singelo que seja, mas um poema
uma dedicatória de amor
que enlace a noite e sua impermanência
e lavra-lhes o caminho em direção ao sol
da manhã que ainda dorme
Imagem: Wassily Kandinsky
desvelando os parvos e os tolos
e suas pequenas vidas
Tantas paisagens molhadas pelas chuvas
que só seus olhos não vêem
Tantos dias pulsando através das neblinas
flutuando no ar das manhãs,
escorrendo pelas últimas horas do entardecer
O perfume das flores entreondulando
nas sensações de um jardim
que não lhes consola
A alma lhes é como lento e baço rio
descontente com as pedras no caminho
Insípida sina remoer o tédio desta vida
e à inveja entregar a imensa farsa de viver
Velam as máscaras que lhes escondem
de si mesmos,
escondem seus rostos mortos
[e queima-lhes
[a sombra angustiada
Quanta melancolia têm estes reis eternos,
visto que o mundo lhes pertence
em seus delírios hediondos e tristes
Viverão milênios,
segundo as suas crenças embalsamadas,
segundo o que preconiza as suas matilhas
nas suas vozes ásperas e frias
reverberando em ecos de intolerância
A realidade é um vastissímo hospício, ó mana
onde príncipes bruxuleiam em seus estertores
de sons negros como os negros séculos
onde a espada interrompe o poema
O homem se repete, se repete...
Não vê as manhãs
lentas e cálidas que fazem os dias
nem vê o sonho
que há no casulo da borboleta
na gota de chuva que espreita o vento antigo
e na imperceptível poesia do silêncio
enquanto tange as tardes e as gentes...
Senhor,
Dai aos bardos o tempo inconsumível
e aos homens a possibilidade de amar
Amar o amor insuspeito,
incólume
e intenso
como se no fim das nossas ruas
nos esperasse a latência de um mar
neste início de primavera
e nesta lua crescente
que pende deste céu que não alcanço
e tropeço nas nuvens a cada instante
e me encanto ao avistar da janela as estrelas
dependuradas num céu de ébano passível,
também,
de um amor...
o meu amor, preclaro e infantil,
despido e casto
Alguém me disse outro dia: tens o olhar entristecido
Eu respondi: no princípio era uma solidão muito leve,
muito calma,
depois a solidão tornou-se prenúncio
sem data para passar,
sem limite pra doer,
impulso,
entranhas,
crisálida,
silêncio
Um grande sono se faz, estrepitoso
vigiado pelo vento e pela sombra
da memória dissonante de vidas passadas
e da primeira manhã
onde tudo era premissa,
onde a luz ofuscava a visão,
onde o amor não conhecia o mudo medo
e os sentidos inquietos
onde tudo era devir
Senhor,
dai aos bardos um retrato em branco e preto
e um poema, singelo que seja, mas um poema
uma dedicatória de amor
que enlace a noite e sua impermanência
e lavra-lhes o caminho em direção ao sol
da manhã que ainda dorme
Imagem: Wassily Kandinsky
domingo, 23 de setembro de 2012
Acordo
Acordo...
na madrugada bulha de pássaros
que gorjeiam enchendo a aurora
e os ramos de vento com o rumor
que se estende dos arbustos pelo
ar da primavera e parte da minha
vida que aos olhos da manhã tem
somente um sonho e os instantes
onde habita o passado, o inverno
acorda a manhã amarela e longa
os pássaros voaram, minha alma,
antiga, suave e translúcida foge
ao mundo onde os Deuses calam,
a brisa sopra e o dia nasce alheio
aos leves tons de vermelho como
ondas incendiadas pelo sol calmo
espelhado nas gotículas da chuva
que caiu brincando com a terra,
as flores e as crianças descalças
vivo os dias e os silêncios divinos
o momento guarda a beleza que
nasce junto com o dia sereno de
água refletindo os sons do vento
que entregará o dia à flor escura
da noite e fiará na luz dos astros
os véus de uma nova madrugada
sem você...
Imagem: Wassily Kandinsky
na madrugada bulha de pássaros
que gorjeiam enchendo a aurora
e os ramos de vento com o rumor
que se estende dos arbustos pelo
ar da primavera e parte da minha
vida que aos olhos da manhã tem
somente um sonho e os instantes
onde habita o passado, o inverno
acorda a manhã amarela e longa
os pássaros voaram, minha alma,
antiga, suave e translúcida foge
ao mundo onde os Deuses calam,
a brisa sopra e o dia nasce alheio
aos leves tons de vermelho como
ondas incendiadas pelo sol calmo
espelhado nas gotículas da chuva
que caiu brincando com a terra,
as flores e as crianças descalças
vivo os dias e os silêncios divinos
o momento guarda a beleza que
nasce junto com o dia sereno de
água refletindo os sons do vento
que entregará o dia à flor escura
da noite e fiará na luz dos astros
os véus de uma nova madrugada
sem você...
Imagem: Wassily Kandinsky
sábado, 22 de setembro de 2012
Ausência
Ouço na tarde o oscilar
lento do tempo
O silêncio ilumina
e arde na quietude da espera
O vento vela o sono
de um céu onde nuvens branquinhas
caminham pelo tapete dourado
que a tarde deixa no céu
O mar vem no segredo das vagas
que molham de sal e de ilusão
os meu olhos
transbordando ondas vermelhas
a cair como a garoa
que nos embebe
com candura e gestos de poesia
Folhas balouçam das árvores
As flores apascentam
o mistério das cores
É primavera
O pássaro voa
levando gravetos para o ninho
O rio soluça amalgamado
às margens, que o reprimem
A tarde vai se imiscuindo aos morros
O sol descreve um arco
refletindo-se nas águas do rio,
dourado como a tarde e os ventos
que sopram acalentando sonhos
e as flores noturnas da solidão
A vida se desvela como em tantas
outras tardes
Como em tantas outras épocas
Não obstante,
tudo é ausência
lento do tempo
O silêncio ilumina
e arde na quietude da espera
O vento vela o sono
de um céu onde nuvens branquinhas
caminham pelo tapete dourado
que a tarde deixa no céu
O mar vem no segredo das vagas
que molham de sal e de ilusão
os meu olhos
transbordando ondas vermelhas
a cair como a garoa
que nos embebe
com candura e gestos de poesia
Folhas balouçam das árvores
As flores apascentam
o mistério das cores
É primavera
O pássaro voa
levando gravetos para o ninho
O rio soluça amalgamado
às margens, que o reprimem
A tarde vai se imiscuindo aos morros
O sol descreve um arco
refletindo-se nas águas do rio,
dourado como a tarde e os ventos
que sopram acalentando sonhos
e as flores noturnas da solidão
A vida se desvela como em tantas
outras tardes
Como em tantas outras épocas
Não obstante,
tudo é ausência
sexta-feira, 21 de setembro de 2012
Dentro do espelho
A rua de terra também está dentro do espelho
no qual me olho
É a mesma rua que apascentava o meu destino
nas manhãs de amargo frio
de um tempo no qual as palavras
se evolavam ao vento
e ditavam aos raios de sol pouca coisa
ou quase nada
É a mesma rua que me olha
de dentro deste espelho bardo
embaçado pela garoa
nas manhãs onde a névoa ria-se de mim
menino que fui
e que chorei sem motivo
o que senti ser amor
na mansuetude orvalhada do mundo
que alvorecia na docilidade rubra do pôr do sol
e no encantamento das flores no jardim
no fim de tarde
Cravos,
rosas,
marias sem vergonha,
antúrios
a enfeitarem meu mundo dentro do espelho
a sussurrarem silêncios aos meus lábios,
a dizerem loas aos meus ouvidos,
a mostrarem-me a poesia por toda parte
Outro quintal,
outro jardim,
outro dia,
outra vida...
quem sabe outros versos,
que molhem meus olhos,
não os meus olhos de agora,
mas os meus olhos da infância
quando a tarde falava da Natureza
e eu, debruçado na janela,
olhava para o jardim
e para a sua simplicidade pueril
quando o eterno era o hierático mistério
que habita em mim,
habita a flor
e a pedra
que faz o castelo do rei
e apascenta os seus rebanhos de vento
e que estalam quando o murmúrio é saudade
E há nos castelos a noite esbatida pelo luar
há gretas onde vive a fria escuridão da ilusão
feito bolhas de sabão
que a minha alma se reconhece na sua
imponderabilidade
há, nos castelos, tanta dor
e tanto ódio
e tanto medo
nos olhos e nas mãos dos homens
Há a imagem da lua nas águas todas desta ilha
e da rua dentro do espelho
que se desmancham sob a névoa lacrimosa
da aurora que por mim chora todos os dias
o que fui
Lá fora as estaçoes se sucedem,
traçam os gestos que as palavras terão
ao dizer meu sentimento que é da mesma matéria
da qual meus sentidos fazem o mar
e as ondas
e a lembrança nítida de alguém
que passou há muito por aqui
Abro a janela
Sinto o cheiro suave da chuva que caiu de madrugada
fazendo do rio o seu silêncio
Murmuro teu nome às flores acordadas pela manhã
que suavemente vai delindo os sonhos
enquanto o vento passa trazendo consigo
o verde novo da primavera
entre os dias e seu devir
Pela janela a luz bruxuleia
como esta vida que arde dentro do espelho
e acende a rua da minha infância
e não sofro mais ou menos
pelas coisas terem sido como foram
ou como são
A rua da minha infância,
tal como a sinto,
só existe em mim
e a imagem dentro do espelho pulsa,
sem nome
que é assim que as coisas existem
No espelho baço olho para o ontem e o amanhã
O ontem me trouxe até aqui
onde este dia chuvoso e cinzento
entristece o meu medo
e erro por pensamentos e caminhos
pelos quais já passei
e que a luz do sol,
quando voltar a brilhar,
acenderá os círios nos finais de tarde
que antecedem as noites,
negação do dia
O amanhã construo agora,
neste momento
O amanhã não existe sem a minha interferência,
enlaço meu ato ao destino
que me entrega a vida dividida em quatro estaçoes,
sensações de uma realidade primeva
onde não cabe meu sonho e o sonho que tenho de mim
Amanhã não estarei mais aqui...
A noite tocará de leve os meus olhos...
A luz lassa apagará a imagem no espelho
Não é a minha morte o fim de tudo que existe
Antes de mim o Universo já se exprimia
e depois de mim se exprimirá independente
dos espelhos que interroguei
A noite tocará de leve os meus olhos
e a minha Alma, serena, recordará o que fui
enquanto o humano era usurpado de mim,
enquanto a voz do menino esquecia-se
na rua de terra
dentro do espelho no qual me olho
sem reparar na leveza do momento e do tempo
que fazem os olhos dentro do espelho
contemplarem a incerteza de existir
como um som que canta ao longe
e não se tem certeza de que o ouvimos
ou se é o murmúrio oculto no vento que passa
e dá vida e voz ao bosque
e dá vida e voz ao amor
e aos lírios que incendeiam os campos supernos
e tecem saudades com o branco regato do amanhã
cheio de eternidade
onde paira a névoa dourada de cada manhã
impulsionando o lento e imarcescível
carpir das horas
E de dentro do espelho sairão as canções
da infância recortando o passado
e a primavera que chegou
junto com as reminiscências de um inexorável destino
e o cheiro eterno da terra e da relva úmida
da chuva que caiu,
trazendo o pranto para a flor,
a alegria para o rio,
a sensação de ritmo para a vida,
o orvalho para a folha suave e só,
Só, sem ser abandonada
só, assim como o passar do vento
e a imagem no espelho haurida
não reflete a vida, mas, sim,
o que os meus olhos vêem
e o meu intelecto nomina
sufocando com a solidão das palavras
o encanto que nos espera ao mirarmos
a imagem intrigante no espelho refletida
A rua da minha infância está dentro do espelho
assim como a minha vida
e os momentos em que tudo dentro de mim
se dissolve
e a Alma chora esquecida
vagando entre as sombras de um mundo
antigo e difuso
Um mundo impalpável...
como o matraquear desmedido da mente
onde a vida implora, anônima,
o perdão que o Destino possa lhe conceder
em meio à dúvida que vive em mim
Imagem: Luna Lee Ray
no qual me olho
É a mesma rua que apascentava o meu destino
nas manhãs de amargo frio
de um tempo no qual as palavras
se evolavam ao vento
e ditavam aos raios de sol pouca coisa
ou quase nada
É a mesma rua que me olha
de dentro deste espelho bardo
embaçado pela garoa
nas manhãs onde a névoa ria-se de mim
menino que fui
e que chorei sem motivo
o que senti ser amor
na mansuetude orvalhada do mundo
que alvorecia na docilidade rubra do pôr do sol
e no encantamento das flores no jardim
no fim de tarde
Cravos,
rosas,
marias sem vergonha,
antúrios
a enfeitarem meu mundo dentro do espelho
a sussurrarem silêncios aos meus lábios,
a dizerem loas aos meus ouvidos,
a mostrarem-me a poesia por toda parte
Outro quintal,
outro jardim,
outro dia,
outra vida...
quem sabe outros versos,
que molhem meus olhos,
não os meus olhos de agora,
mas os meus olhos da infância
quando a tarde falava da Natureza
e eu, debruçado na janela,
olhava para o jardim
e para a sua simplicidade pueril
quando o eterno era o hierático mistério
que habita em mim,
habita a flor
e a pedra
que faz o castelo do rei
e apascenta os seus rebanhos de vento
e que estalam quando o murmúrio é saudade
E há nos castelos a noite esbatida pelo luar
há gretas onde vive a fria escuridão da ilusão
feito bolhas de sabão
que a minha alma se reconhece na sua
imponderabilidade
há, nos castelos, tanta dor
e tanto ódio
e tanto medo
nos olhos e nas mãos dos homens
Há a imagem da lua nas águas todas desta ilha
e da rua dentro do espelho
que se desmancham sob a névoa lacrimosa
da aurora que por mim chora todos os dias
o que fui
Lá fora as estaçoes se sucedem,
traçam os gestos que as palavras terão
ao dizer meu sentimento que é da mesma matéria
da qual meus sentidos fazem o mar
e as ondas
e a lembrança nítida de alguém
que passou há muito por aqui
Abro a janela
Sinto o cheiro suave da chuva que caiu de madrugada
fazendo do rio o seu silêncio
Murmuro teu nome às flores acordadas pela manhã
que suavemente vai delindo os sonhos
enquanto o vento passa trazendo consigo
o verde novo da primavera
entre os dias e seu devir
Pela janela a luz bruxuleia
como esta vida que arde dentro do espelho
e acende a rua da minha infância
e não sofro mais ou menos
pelas coisas terem sido como foram
ou como são
A rua da minha infância,
tal como a sinto,
só existe em mim
e a imagem dentro do espelho pulsa,
sem nome
que é assim que as coisas existem
No espelho baço olho para o ontem e o amanhã
O ontem me trouxe até aqui
onde este dia chuvoso e cinzento
entristece o meu medo
e erro por pensamentos e caminhos
pelos quais já passei
e que a luz do sol,
quando voltar a brilhar,
acenderá os círios nos finais de tarde
que antecedem as noites,
negação do dia
O amanhã construo agora,
neste momento
O amanhã não existe sem a minha interferência,
enlaço meu ato ao destino
que me entrega a vida dividida em quatro estaçoes,
sensações de uma realidade primeva
onde não cabe meu sonho e o sonho que tenho de mim
Amanhã não estarei mais aqui...
A noite tocará de leve os meus olhos...
A luz lassa apagará a imagem no espelho
Não é a minha morte o fim de tudo que existe
Antes de mim o Universo já se exprimia
e depois de mim se exprimirá independente
dos espelhos que interroguei
A noite tocará de leve os meus olhos
e a minha Alma, serena, recordará o que fui
enquanto o humano era usurpado de mim,
enquanto a voz do menino esquecia-se
na rua de terra
dentro do espelho no qual me olho
sem reparar na leveza do momento e do tempo
que fazem os olhos dentro do espelho
contemplarem a incerteza de existir
como um som que canta ao longe
e não se tem certeza de que o ouvimos
ou se é o murmúrio oculto no vento que passa
e dá vida e voz ao bosque
e dá vida e voz ao amor
e aos lírios que incendeiam os campos supernos
e tecem saudades com o branco regato do amanhã
cheio de eternidade
onde paira a névoa dourada de cada manhã
impulsionando o lento e imarcescível
carpir das horas
E de dentro do espelho sairão as canções
da infância recortando o passado
e a primavera que chegou
junto com as reminiscências de um inexorável destino
e o cheiro eterno da terra e da relva úmida
da chuva que caiu,
trazendo o pranto para a flor,
a alegria para o rio,
a sensação de ritmo para a vida,
o orvalho para a folha suave e só,
Só, sem ser abandonada
só, assim como o passar do vento
e a imagem no espelho haurida
não reflete a vida, mas, sim,
o que os meus olhos vêem
e o meu intelecto nomina
sufocando com a solidão das palavras
o encanto que nos espera ao mirarmos
a imagem intrigante no espelho refletida
A rua da minha infância está dentro do espelho
assim como a minha vida
e os momentos em que tudo dentro de mim
se dissolve
e a Alma chora esquecida
vagando entre as sombras de um mundo
antigo e difuso
Um mundo impalpável...
como o matraquear desmedido da mente
onde a vida implora, anônima,
o perdão que o Destino possa lhe conceder
em meio à dúvida que vive em mim
Imagem: Luna Lee Ray
quinta-feira, 20 de setembro de 2012
Nunca mais o amor teve onze anos
Saudade...
Velha pousada para antigos sonhos
doces amores
o corpo delicado de Pingo
tão ingênuo o amor
o beijo, assim, demorado
nossa infância sem relógio
só o beijo a nos dizer
da pureza e da impermanência do tempo
o desencontro das tardes
o infinito dos dias
molhando nossos corpos
e nossos segredos consumidos
na saliva
pela pele
onde eu traçava tuas rotas
com a ponta dos meus dedos
carícias
eternas de um acalanto...
devagar
desenhando arabescos no ventre de Pingo
meneios de suores a fugir para um céu
um Paraíso
boca
vulva
a vida: beijo esquecido entre sussurros
cálidos
inocentes soluços
de um gozo escondido em pétalas
nos lábios da flor túrgida de mel
inventando a morte imanente
o amor morrendo em completude
junto com as estrelas
da noite pequenina
com duas estrelinhas lá fora:
a minha
e a de Pingo
nunca mais o amor teve onze anos...
nunca mais...
Velha pousada para antigos sonhos
doces amores
o corpo delicado de Pingo
tão ingênuo o amor
o beijo, assim, demorado
nossa infância sem relógio
só o beijo a nos dizer
da pureza e da impermanência do tempo
o desencontro das tardes
o infinito dos dias
molhando nossos corpos
e nossos segredos consumidos
na saliva
pela pele
onde eu traçava tuas rotas
com a ponta dos meus dedos
carícias
eternas de um acalanto...
devagar
desenhando arabescos no ventre de Pingo
meneios de suores a fugir para um céu
um Paraíso
boca
vulva
a vida: beijo esquecido entre sussurros
cálidos
inocentes soluços
de um gozo escondido em pétalas
nos lábios da flor túrgida de mel
inventando a morte imanente
o amor morrendo em completude
junto com as estrelas
da noite pequenina
com duas estrelinhas lá fora:
a minha
e a de Pingo
nunca mais o amor teve onze anos...
nunca mais...
segunda-feira, 17 de setembro de 2012
Lembranças e pedras soltas
Na manhã sabendo a brasas e ao árido destino
desvelando as pedras soltas do sertão
mora a minha meninice
e os sonhos semeados na terra seca
e plangente da caatinga teimando
em ser seca e inundada de sóis
com o ar se dissovendo de quente
na iniludível sensação de que tudo, ao longe,
ondula sob a luz que alumia a casa de barro
e o terreiro crostoso
onde a vida morria silenciosa e triste
naqueles ermos de 1960
Eu comia nacos das paredes de barro da casa
e o gosto do barro esturricado
se impregnava no meu jeito de
ser menino com fome...
(e sede)
A terra rodopiando nos redemoinhos
As árvores nuas, incompreensíveis,
de mãos decepadas,
levadas pelo vento e pela poeira,
que sobe rumorejando de todos os cantos
O ar enfadado cuspindo siscos nos meus olhos
na minha pequenina sombra e vontade
avesso da vida sem arco-íris
Somente o ar ondulando
como quem se banha no fogo
pedindo às gotas salobras
de um rio que fosse, por compaixão,
saísse do seu leito
e viesse lamber o chão crestado
Ah, se um rio passasse por aqui...
pelos dias desgostosos de Itapetim...
sem serenos nem orvalhos
Destino de cada um
guardado na esperança que um dia chova
uma chuva igual à da minha imaginação
Meu irmão me chamava de "Zominho"
enquanto eu chorava, sem saber, a vida
que nem bem tinha começado
já se acabava impregnada por trás da poeira
Embaixo a poeira
em cima o solzão cavando covas com as unhas
nos dias que se arrastavam compridos
a morte marcando encontro com meu medo
Medo de que?
Medo de tudo!!!
Medo daquela casa
Cujo gosto eu levava na garganta
Medo da vida poeirenta que o tempo ia engolindo
Medo da solidão que doía e eu não sabia
porque ela não se mostrava
Éramos três sobreviventes daquela lenta agonia
minha mãe, Dema, e eu e mais uma que morreu
e que vive aqui no meu poema,
na minha voz da infância, cansada e transitória,
os dias ressequidos pela solidão...
Éramos três: minha mãe, Dema e eu...
e aqulela solidão que chorava em nossos olhos
No meio da noite a casa estalava e gemia
à passagem do vento
escorregando por debaixo da porta
acordando o silêncio
que só ouvi coisa igual quando conheci o mar
muito tempo depois
Depois de uns anos cansados e tristes
O mar virou amanhã
E cingiu-se aos meus sonhos
amagalmou-se à minha vida
como o pranto salgado que eu nem sabia chorar
e que confundia as imagens baças
do terreiro embraseado
mudando a aparência das coisas e das gentes
berço de fogo onde minguavam nossas vidas
sob nosso olhares e gestos fatigados
sem amanhãs
sem voz de sinos
sem pão
somente o tempo zanzando no nundo
tingindo de vermelho as manhãs
No fim de tarde
botando no céu um grão de lua branca,
estrelas tão sozinhas como os meus passos
descalços e vacilantes naquelas estradas sozinhas
Às vezes, adormecia chorando a fome inconsútil...
sempre aquela mesma fome que andava pelo sertão,
pelos pés de paus secos
que de noite se mostravam como espectros
se agitando nas ilusões que o vento cria
Mistério inaudito da vida e do mundo
são estas coisas do sertão,
e as lágrimas que derramei num tempo tão longe
e que como gota de vela noturna
derramam-se em meu coração
(...)
Ainda o gosto de barro seco e de ausência
Ainda a presença daquele sol urinando no sertão
em tantas manhãs sem orvalho
e tantos dias sem flor
e tantas noites
da onde saltavam infernos do chão deserto
onde só chovia os anos amarelados
pela poeira que transpassava a refração
das nuvens ígneas
que ficaram da minha infância
Imagem: Joan Miró
desvelando as pedras soltas do sertão
mora a minha meninice
e os sonhos semeados na terra seca
e plangente da caatinga teimando
em ser seca e inundada de sóis
com o ar se dissovendo de quente
na iniludível sensação de que tudo, ao longe,
ondula sob a luz que alumia a casa de barro
e o terreiro crostoso
onde a vida morria silenciosa e triste
naqueles ermos de 1960
Eu comia nacos das paredes de barro da casa
e o gosto do barro esturricado
se impregnava no meu jeito de
ser menino com fome...
(e sede)
A terra rodopiando nos redemoinhos
As árvores nuas, incompreensíveis,
de mãos decepadas,
levadas pelo vento e pela poeira,
que sobe rumorejando de todos os cantos
O ar enfadado cuspindo siscos nos meus olhos
na minha pequenina sombra e vontade
avesso da vida sem arco-íris
Somente o ar ondulando
como quem se banha no fogo
pedindo às gotas salobras
de um rio que fosse, por compaixão,
saísse do seu leito
e viesse lamber o chão crestado
Ah, se um rio passasse por aqui...
pelos dias desgostosos de Itapetim...
sem serenos nem orvalhos
Destino de cada um
guardado na esperança que um dia chova
uma chuva igual à da minha imaginação
Meu irmão me chamava de "Zominho"
enquanto eu chorava, sem saber, a vida
que nem bem tinha começado
já se acabava impregnada por trás da poeira
Embaixo a poeira
em cima o solzão cavando covas com as unhas
nos dias que se arrastavam compridos
a morte marcando encontro com meu medo
Medo de que?
Medo de tudo!!!
Medo daquela casa
Cujo gosto eu levava na garganta
Medo da vida poeirenta que o tempo ia engolindo
Medo da solidão que doía e eu não sabia
porque ela não se mostrava
Éramos três sobreviventes daquela lenta agonia
minha mãe, Dema, e eu e mais uma que morreu
e que vive aqui no meu poema,
na minha voz da infância, cansada e transitória,
os dias ressequidos pela solidão...
Éramos três: minha mãe, Dema e eu...
e aqulela solidão que chorava em nossos olhos
No meio da noite a casa estalava e gemia
à passagem do vento
escorregando por debaixo da porta
acordando o silêncio
que só ouvi coisa igual quando conheci o mar
muito tempo depois
Depois de uns anos cansados e tristes
O mar virou amanhã
E cingiu-se aos meus sonhos
amagalmou-se à minha vida
como o pranto salgado que eu nem sabia chorar
e que confundia as imagens baças
do terreiro embraseado
mudando a aparência das coisas e das gentes
berço de fogo onde minguavam nossas vidas
sob nosso olhares e gestos fatigados
sem amanhãs
sem voz de sinos
sem pão
somente o tempo zanzando no nundo
tingindo de vermelho as manhãs
No fim de tarde
botando no céu um grão de lua branca,
estrelas tão sozinhas como os meus passos
descalços e vacilantes naquelas estradas sozinhas
Às vezes, adormecia chorando a fome inconsútil...
sempre aquela mesma fome que andava pelo sertão,
pelos pés de paus secos
que de noite se mostravam como espectros
se agitando nas ilusões que o vento cria
Mistério inaudito da vida e do mundo
são estas coisas do sertão,
e as lágrimas que derramei num tempo tão longe
e que como gota de vela noturna
derramam-se em meu coração
(...)
Ainda o gosto de barro seco e de ausência
Ainda a presença daquele sol urinando no sertão
em tantas manhãs sem orvalho
e tantos dias sem flor
e tantas noites
da onde saltavam infernos do chão deserto
onde só chovia os anos amarelados
pela poeira que transpassava a refração
das nuvens ígneas
que ficaram da minha infância
Imagem: Joan Miró
domingo, 16 de setembro de 2012
Manhã
A manhã nasceu
por entre as nuvens branquinhas,
por entre gorjeios de passarinhos,
cheirando a cravos e rosas
que o vento roubou aos teus cabelos
É a primavera que se derrama
nos campos de mimosas flores
é o dia trazendo estórias
que um dia foram amores
e que se vão enquanto a vida queima-se
(em fria tristeza)
A manhã nasceu
em carícias azuis
cores afogadas em ilusão
dobrados em origamis
os pequenos barcos de solidão partindo dos cais
(ouves?
são as velas ao vento)
É a primavera que se derrama
no mar incerto
pressentido
de águas maduras
quando a brisa faz chorar as ondas
A manhã nasceu
calando os sonhos que falavam de ti
apagando as estrelas
num céu que sobreviverá a nós
nas noites ensimesmadas e andarilhas
É a primavera que se derrama
na terra do nunca
no tempo do era uma vez
sobre o jogo das cinco pedrinhas
girando, girando, como astros hieráticos
A manhã nasceu
A primavera se derrama
Gorjeiam os passarinhos
Nos campos de mimosas flores
Em carícias azuis
No mar incerto
Calando os sonhos que falavam de ti
Na terra do nunca
Mora a minha meninice
E os sonhos semeados na terra seca
E plangente da caatinga teimando
Em ser seca e inundada de sóis
Com o chão tremelicando de quente
Eu comia as paredes da casa
E o gosto do barro esturricado
Se espalhava no meu jeito de
Ser menino com fome...
(e sede)
Tudo, tudo...
é sonho e fantasia
(até a fome, até a sede)
por isso escrevo com a ponta do dedo
nas águas da lagoa
o lado avesso das palavras
e ponho-as a secarem ao vento
peregrino e ígneo
invisível
como esta farsa insofismável dos dias
que se sucedem em sombra e luz
em sim e não
andrajos da ilusão do tempo
que não existe partilhado
morrendo a cada segundo
cronometrando a loucura da vida
e das culpas inauditas
amalgamadas às lágrimas dos anos
A manhã nasceu
e pôs-se a passo no caminho
a arder em versos
a sussurrar o silêncio azul
que a aurora
despeja no som das palavras
determinando o que é flor
e o que é pedra
o que está vivo
o que é inevitavelmente morto
O impossível acorda em cada manhã...
insolente...
cândido...
onipotente...
eterno devir
Imagem: Luna Lee Ray
por entre as nuvens branquinhas,
por entre gorjeios de passarinhos,
cheirando a cravos e rosas
que o vento roubou aos teus cabelos
É a primavera que se derrama
nos campos de mimosas flores
é o dia trazendo estórias
que um dia foram amores
e que se vão enquanto a vida queima-se
(em fria tristeza)
A manhã nasceu
em carícias azuis
cores afogadas em ilusão
dobrados em origamis
os pequenos barcos de solidão partindo dos cais
(ouves?
são as velas ao vento)
É a primavera que se derrama
no mar incerto
pressentido
de águas maduras
quando a brisa faz chorar as ondas
A manhã nasceu
calando os sonhos que falavam de ti
apagando as estrelas
num céu que sobreviverá a nós
nas noites ensimesmadas e andarilhas
É a primavera que se derrama
na terra do nunca
no tempo do era uma vez
sobre o jogo das cinco pedrinhas
girando, girando, como astros hieráticos
A manhã nasceu
A primavera se derrama
Gorjeiam os passarinhos
Nos campos de mimosas flores
Em carícias azuis
No mar incerto
Calando os sonhos que falavam de ti
Na terra do nunca
Mora a minha meninice
E os sonhos semeados na terra seca
E plangente da caatinga teimando
Em ser seca e inundada de sóis
Com o chão tremelicando de quente
Eu comia as paredes da casa
E o gosto do barro esturricado
Se espalhava no meu jeito de
Ser menino com fome...
(e sede)
Tudo, tudo...
é sonho e fantasia
(até a fome, até a sede)
por isso escrevo com a ponta do dedo
nas águas da lagoa
o lado avesso das palavras
e ponho-as a secarem ao vento
peregrino e ígneo
invisível
como esta farsa insofismável dos dias
que se sucedem em sombra e luz
em sim e não
andrajos da ilusão do tempo
que não existe partilhado
morrendo a cada segundo
cronometrando a loucura da vida
e das culpas inauditas
amalgamadas às lágrimas dos anos
A manhã nasceu
e pôs-se a passo no caminho
a arder em versos
a sussurrar o silêncio azul
que a aurora
despeja no som das palavras
determinando o que é flor
e o que é pedra
o que está vivo
o que é inevitavelmente morto
O impossível acorda em cada manhã...
insolente...
cândido...
onipotente...
eterno devir
Imagem: Luna Lee Ray
sexta-feira, 14 de setembro de 2012
Metade sonho
As estrelas tremeluzem,
dolentes,
sob o sussurro da brisa que vem do mar
despertando lentamente entre dois silêncios,
entoando cantigas de ausência
levando consigo o que fui,
Plange o passado com sua voz de saudade
Onde está tudo aquilo que o tempo me tirou
transmudando em fantasia e soluço
o retrato que me devolvia ao ontem,
os meus livros de páginas branquinhas
aonde eu escondia os meus sonhos,
a luz pungente da tarde,
onde, os olhos negros de Pingo?
Nos fins de tarde adormecidos em puro ouro,
em azuis de solidão
murmuram os crepúsculos dos dias
aonde as flores choram
sob a chuva que enleia os brocados da tarde
envolvendo a vida em luz purpúrea,
embebido
na memória,
nas estórias
dos poetas,
na perenidade dos versos
nas estrelas,
na eternidade da lua
na palavra que escreve
o teu nome na aragem
A palavra é só som e signo
espalhados pelo vento
sobre os jardins silentes
se não embebe a emoção
e a encharca,
e a diz em voz ingênua e pueril,
dramática,
como quem diz o imenso "adeus",
como quem responde "vem"
Vem,
que os meus sonhos fazem
dos segundos incognoscíveis momentos
gotejando sobre o ondeante aroma da noite
e seus véus de névoas de linho rendados,
de ilhas que fogem embriagadas,
desta amplidão que ressoa os versos
nus que te ofereço
como a um círio iluminando
o teu silêncio...
enquanto a chuva cai
sobre as pétalas das flores que choram
murmurantes
como o suspiro do mar incontentado
como o ângelus murmurado pelo vento
nas praias desertas,
nas folhas da janela insone
como os versos de enternecida poesia
com aromas de madrugadas
e braços nus,
pele macia da ilusão,
sonho marchetado pela adaga da vida
talhando lua e estrela
na solidão da manhã tendendo a azul
que delicamente desponta
por entre retalhos de névoas e de nuvens
úmidas,
como úmidos são os olhos que não podem mais
olhar para o mar inconcluso
feito de "era uma vez",
dos papéis de seda,
de infância
e de poesia,
a mais flamante,
colhida na saudade dos teus olhos
esquecidos nas estrelas
das noites esculpidas em barro
e rimas
Suavemente a noite derrama-se sobre o poema
com seus véus de musselina
O dia não teve a menor pressa
de se fazer olvido,
passado de segredos tão sós
como as palavras antes de pousarem
em tessitura nos versos
do meu monólogo fremente
O ocaso inscreve seu traço negro
apagando flores e espinhos na terra
desvelando a lua no céu
como se fosse uma rosa branca
brincando de solidão
nas noites em que sou ilha,
pequeno mundo
inquieto,
rumores de poesia
metade sonho infantil,
metade o infinito aberto
sobre um átimo de vida...
que vem no vento brando e frio
deste final de inverno
molhando os lírios de orvalho,
sombras
e aliciante nostalgia
posta no ar de pelúcia
de um mundo de faz de conta
que só existe em mim
assim como a rosa só existe
para determinado jardim,
olente adorno para as letras
com as quais tento esquecer
a outra metade do sonho
que ainda trago dentro de mim
Imagem: Fernanda Cordeiro
dolentes,
sob o sussurro da brisa que vem do mar
despertando lentamente entre dois silêncios,
entoando cantigas de ausência
levando consigo o que fui,
Plange o passado com sua voz de saudade
Onde está tudo aquilo que o tempo me tirou
transmudando em fantasia e soluço
o retrato que me devolvia ao ontem,
os meus livros de páginas branquinhas
aonde eu escondia os meus sonhos,
a luz pungente da tarde,
onde, os olhos negros de Pingo?
Nos fins de tarde adormecidos em puro ouro,
em azuis de solidão
murmuram os crepúsculos dos dias
aonde as flores choram
sob a chuva que enleia os brocados da tarde
envolvendo a vida em luz purpúrea,
embebido
na memória,
nas estórias
dos poetas,
na perenidade dos versos
nas estrelas,
na eternidade da lua
na palavra que escreve
o teu nome na aragem
A palavra é só som e signo
espalhados pelo vento
sobre os jardins silentes
se não embebe a emoção
e a encharca,
e a diz em voz ingênua e pueril,
dramática,
como quem diz o imenso "adeus",
como quem responde "vem"
Vem,
que os meus sonhos fazem
dos segundos incognoscíveis momentos
gotejando sobre o ondeante aroma da noite
e seus véus de névoas de linho rendados,
de ilhas que fogem embriagadas,
desta amplidão que ressoa os versos
nus que te ofereço
como a um círio iluminando
o teu silêncio...
enquanto a chuva cai
sobre as pétalas das flores que choram
murmurantes
como o suspiro do mar incontentado
como o ângelus murmurado pelo vento
nas praias desertas,
nas folhas da janela insone
como os versos de enternecida poesia
com aromas de madrugadas
e braços nus,
pele macia da ilusão,
sonho marchetado pela adaga da vida
talhando lua e estrela
na solidão da manhã tendendo a azul
que delicamente desponta
por entre retalhos de névoas e de nuvens
úmidas,
como úmidos são os olhos que não podem mais
olhar para o mar inconcluso
feito de "era uma vez",
dos papéis de seda,
de infância
e de poesia,
a mais flamante,
colhida na saudade dos teus olhos
esquecidos nas estrelas
das noites esculpidas em barro
e rimas
Suavemente a noite derrama-se sobre o poema
com seus véus de musselina
O dia não teve a menor pressa
de se fazer olvido,
passado de segredos tão sós
como as palavras antes de pousarem
em tessitura nos versos
do meu monólogo fremente
O ocaso inscreve seu traço negro
apagando flores e espinhos na terra
desvelando a lua no céu
como se fosse uma rosa branca
brincando de solidão
nas noites em que sou ilha,
pequeno mundo
inquieto,
rumores de poesia
metade sonho infantil,
metade o infinito aberto
sobre um átimo de vida...
que vem no vento brando e frio
deste final de inverno
molhando os lírios de orvalho,
sombras
e aliciante nostalgia
posta no ar de pelúcia
de um mundo de faz de conta
que só existe em mim
assim como a rosa só existe
para determinado jardim,
olente adorno para as letras
com as quais tento esquecer
a outra metade do sonho
que ainda trago dentro de mim
Imagem: Fernanda Cordeiro
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