domingo, 9 de setembro de 2012

O dia nasce

A manhã despe-se da névoa
que lhe cobre de saudades
e níveas histórias
ternas como os lagos
diante dos primeiros raios de sol,
deixa cair a névoa sobre a relva,
ofegantes lábios de linho roçando as flores.
No horizonte os primeiros raios dourados
brincam com as hastes dos sonhos
e o lusco-fusco da noite
que se esquecem à passagem do vento.
O céu mergulha num rio de águas acesas.
Cantam, como um mistério das manhãs,
os pássaros pretos desta ilha
e suas dunas serpenteando
bêbadas de brisa e de cor 
e seus silêncios balbuciando poesia
e desta solidão cativa
que une minha alma ao mar.
Cantam os pássaros pretos
enquanto o rosto rubro do dia
surge por entre a copa das árvores
e as primeiras letras de um poema
pousam nas asas da borboleta.
Dobra o sino o agora,
que o vento leva embora,
leva as desinências da noite
e os versos de amor que te fiz
sem tu quereres,
sem tu saberes,
que o amor que eu te tinha
acalentará a lembrança do teu nome
e o teu não.
Escuta!
é a voz do vento lá fora
é a manhã e seu estro
na qual eu me vejo
para a qual estou vivo
e pela qual faz-se imperativo
a opção inelutável pela vida.
E cantarolo o momento
de lilases feitos de outroras,
de azuis feitos de agoras,
de laranjas leves como
os sonhos
eternos como os caminhos,
como a alma das palavras
e a meiguice do silêncio,
como este segredo conducente,
ardente,
de inefáveis vermelhos
guardados.
Goteja o dia a sua inocência
em dulcissímas fragrâncias.
Goteja a luz ao transpassar a janela,
amontoando minutos pelo chão,
indeléveis como "nunca mais".
E o passado,
sem destinatário,
sem certeza,
sem gemido
e sem canto,
sem espelho que reflita a minha alma
meus sonhos,
meus mistérios,
meus caminhos,
meus versos (vozes) em mim mesmo
espelhado(a)s,
meus medos da vida,
que já não servem pra nada
meus ro(e)stos de solidão,
que nesta manhã,
tem sabor e cores
de eternidade,
o  passado é como esta ilha
no inverno
e as aparas do sol
que as aves trazem do mar...
para um céu azul e eterno.
Eternidade onde as  lembranças
fiam as Vidas ensimesmadas
e fluem rios e cascatas
de fontes oscilando
entre nuvens de algodão
e o sol clamando por ser fogo, 
entre as miríades do tempo
(que tudo cura)
e a poesia vagando
rumo ao mar inexorável da ausência.
Tão sutís se fazem as manhãs
na esteira das noites que morrem
tantas vezes quantas eu morri
indagando a mim mesmo
sobre a criança que espia à distância
o humano que em mim perece.
As horas se mostram tardias,
definitivas.
Há solidão na flor,
no crepúsculo,
no avesso do meu destino,
há solidão nas minhas mãos,
nos meus passos,
em plena rua.
Plausível poder tocá-la,
sentir seu acre perfume,
vê-la brotar nos campos
onde o orvalho veste de rendas
a alba dos curtos dias de inverno
e molha o canto que o vento traz
junto com a primavera,
que chega devagar
aragem nos ramos,
como se respondesse a mim.
Estou só...
em um campo verde entrecortado
pela poesia sempre terna,
que brinca noite e dia
sob a minha janela caiada,
de silêncios atados ao nada.
A aurora faz das estrelas quietude
O dia nasce...
fazendo da senda mais um dia
diante da eternidade dos dias
Longe da vida toca um sino
A noite em cores se transforma
O dia nasce...
Estou só


Imagem: Joan Miró

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