Na manhã sabendo a brasas e ao árido destino
desvelando as pedras soltas do sertão
mora a minha meninice
e os sonhos semeados na terra seca
e plangente da caatinga teimando
em ser seca e inundada de sóis
com o ar se dissovendo de quente
na iniludível sensação de que tudo, ao longe,
ondula sob a luz que alumia a casa de barro
e o terreiro crostoso
onde a vida morria silenciosa e triste
naqueles ermos de 1960
Eu comia nacos das paredes de barro da casa
e o gosto do barro esturricado
se impregnava no meu jeito de
ser menino com fome...
(e sede)
A terra rodopiando nos redemoinhos
As árvores nuas, incompreensíveis,
de mãos decepadas,
levadas pelo vento e pela poeira,
que sobe rumorejando de todos os cantos
O ar enfadado cuspindo siscos nos meus olhos
na minha pequenina sombra e vontade
avesso da vida sem arco-íris
Somente o ar ondulando
como quem se banha no fogo
pedindo às gotas salobras
de um rio que fosse, por compaixão,
saísse do seu leito
e viesse lamber o chão crestado
Ah, se um rio passasse por aqui...
pelos dias desgostosos de Itapetim...
sem serenos nem orvalhos
Destino de cada um
guardado na esperança que um dia chova
uma chuva igual à da minha imaginação
Meu irmão me chamava de "Zominho"
enquanto eu chorava, sem saber, a vida
que nem bem tinha começado
já se acabava impregnada por trás da poeira
Embaixo a poeira
em cima o solzão cavando covas com as unhas
nos dias que se arrastavam compridos
a morte marcando encontro com meu medo
Medo de que?
Medo de tudo!!!
Medo daquela casa
Cujo gosto eu levava na garganta
Medo da vida poeirenta que o tempo ia engolindo
Medo da solidão que doía e eu não sabia
porque ela não se mostrava
Éramos três sobreviventes daquela lenta agonia
minha mãe, Dema, e eu e mais uma que morreu
e que vive aqui no meu poema,
na minha voz da infância, cansada e transitória,
os dias ressequidos pela solidão...
Éramos três: minha mãe, Dema e eu...
e aqulela solidão que chorava em nossos olhos
No meio da noite a casa estalava e gemia
à passagem do vento
escorregando por debaixo da porta
acordando o silêncio
que só ouvi coisa igual quando conheci o mar
muito tempo depois
Depois de uns anos cansados e tristes
O mar virou amanhã
E cingiu-se aos meus sonhos
amagalmou-se à minha vida
como o pranto salgado que eu nem sabia chorar
e que confundia as imagens baças
do terreiro embraseado
mudando a aparência das coisas e das gentes
berço de fogo onde minguavam nossas vidas
sob nosso olhares e gestos fatigados
sem amanhãs
sem voz de sinos
sem pão
somente o tempo zanzando no nundo
tingindo de vermelho as manhãs
No fim de tarde
botando no céu um grão de lua branca,
estrelas tão sozinhas como os meus passos
descalços e vacilantes naquelas estradas sozinhas
Às vezes, adormecia chorando a fome inconsútil...
sempre aquela mesma fome que andava pelo sertão,
pelos pés de paus secos
que de noite se mostravam como espectros
se agitando nas ilusões que o vento cria
Mistério inaudito da vida e do mundo
são estas coisas do sertão,
e as lágrimas que derramei num tempo tão longe
e que como gota de vela noturna
derramam-se em meu coração
(...)
Ainda o gosto de barro seco e de ausência
Ainda a presença daquele sol urinando no sertão
em tantas manhãs sem orvalho
e tantos dias sem flor
e tantas noites
da onde saltavam infernos do chão deserto
onde só chovia os anos amarelados
pela poeira que transpassava a refração
das nuvens ígneas
que ficaram da minha infância
Imagem: Joan Miró
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