segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A realidade é um vasto manicômio

A realidade é um vasto manicômio
desvelando os parvos e os tolos
e suas pequenas vidas
Tantas paisagens molhadas pelas chuvas
que só seus olhos não vêem
Tantos dias pulsando através das neblinas
flutuando no ar das manhãs,
escorrendo pelas últimas horas do entardecer
O perfume das flores entreondulando
nas sensações de um jardim
que não lhes consola
A alma lhes é como lento e baço rio
descontente com as pedras no caminho
Insípida sina remoer o tédio desta vida
e à inveja entregar a imensa farsa de viver
Velam as máscaras que lhes escondem
de si mesmos,
escondem seus rostos mortos
                                   [e queima-lhes
                                   [a sombra angustiada
Quanta melancolia têm estes reis eternos,
visto que o mundo lhes pertence
em seus delírios hediondos e tristes
Viverão milênios,
segundo as suas crenças embalsamadas,
segundo o que preconiza as suas matilhas
nas suas vozes ásperas e frias
reverberando em ecos de intolerância
A realidade é um vastissímo hospício, ó mana
onde príncipes bruxuleiam em seus estertores
de sons negros como os negros séculos
onde a espada interrompe o poema
O homem se repete, se repete...
Não vê as manhãs
lentas e cálidas que fazem os dias
nem vê o sonho
que há no casulo da borboleta
na gota de chuva que espreita o vento antigo
e na imperceptível poesia do silêncio
enquanto tange as tardes e as gentes...

Senhor,
Dai aos bardos o tempo inconsumível
e aos homens a possibilidade de amar
Amar o amor insuspeito,
incólume
e intenso
como se no fim das nossas ruas
nos esperasse a latência de um mar
neste início de primavera
e nesta lua crescente
que pende deste céu que não alcanço
e tropeço nas nuvens a cada instante
e me encanto ao avistar da janela as estrelas
dependuradas num céu de ébano passível,
também,
de um amor...
o meu amor, preclaro e infantil,
                     despido e casto

Alguém me disse outro dia: tens o olhar entristecido
Eu respondi: no princípio era uma solidão muito leve,
                     muito calma,
                     depois a solidão tornou-se prenúncio
                     sem data para passar,
                     sem limite pra doer,
                     impulso,
                     entranhas,
                     crisálida,
                     silêncio

Um grande sono se faz, estrepitoso
vigiado pelo vento e pela sombra
da memória dissonante de vidas passadas
e da primeira manhã
onde tudo era premissa,
onde a luz ofuscava a visão,
onde o amor não conhecia o mudo medo
e os sentidos inquietos
onde tudo era devir

Senhor,
dai aos bardos um retrato em branco e preto
e um poema, singelo que seja, mas um poema
uma dedicatória de amor
que enlace a noite e sua impermanência
e lavra-lhes o caminho em direção ao sol
da manhã que ainda dorme

Imagem: Wassily Kandinsky

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