sábado, 15 de novembro de 2014

Muros

Derrubaram "o" muro
com golpes de picareta,
histeria,
discursos propondo o "novo"
com cheiro de velharia
Derrubaram "o" muro após 28 anos de delírio e isolamento
"Caiu o muro" (dizem)
O homem,
este ser separatista e segregacionista,
é que parece nunca cair (em si)
E, "terminada" a guerra-fira
requenta o que sobrou
da nefasta hipocrisia
da sinistra tirania
da funesta vilania
da sopitável apatia
Requenta, em suas estranhas entranhas,
a mentira de uma pátria
a agonia dos jogos de poder
a piromania das guerras

"Caiu o muro" (é assim que falam)
Porém, antes que se dobre a esquina (murada, por sinal)
os homens, amnésicos, erguerão outros muros
tijolo a tijolo,
pedra a pedra
sobre a caliça do muro derreado sobe outro muro
engendrado em belos discursos
ambíguas intenções
 caiados de empedernida diplomacia e circunlóquios
e pleonasmos
muito bem articulados, no entanto
Muros separando a gram(n)a verde do próspero quintal
da miséria estiolada e purulenta que escorre pelos esgotos
que daqui não se enxergam, mas que, quando sopram os ventos,
sente-se o cheiro das cloacas e das pessoas abjetas do lado de lá

Agora escoram de todas as formas o muro que ameaça se esboroar
e de onde do outro lado escorre, das secreções humanas e da estupidez milenar, o ebola
que se enrola e se embola na baba viscosa e corriqueira da morte

Rebentam outros muros onde antes cresciam violetas e eldeweiss
Há rumores de que os muros da pobreza e da fome,
arquitetados com indiferença e descaso,
segregam, em suas mansardas, 790 milhões de pessoas,
enquanto 1/3 do alimento produzido no mundo vira lixo,
salvo erro ou salvo engano do homo sapiens sapiens,
1,3 bilhões de toneladas de comida são jogadas no lixo por ano

E os muros vão se somando às pedras do que caiu
Nas cidades os muros se sucedem tragando e calando os dias,
acoitando a escuridão,
caminhando com as sombras e os perfumes das meninas que logo chegarão
com seus sapatos despudorados,
vestidas de perfume barato,
sussurrando amores qual pura pucelas,
chegam e recostam-se aos muros negaceando suas preciosas bucetas cheirando à urina
Os muros apagaram o sol
e as paisagens dormiram,
os cães, do outro lado do muro, ladram para os pederastas e proxenetas
que contabilizam as trepadas e a mais-valia das bucetas cheirando à urinas das meninas

Somos 7 bilhões de habitantes no planeta
Sete bilhões de homos sapiens sapiens (homem sábio,
                                                               é assim que, pretensiosamente
                                                               nos denominamos)
persignando-se insontes diante dos muros,
Uns por desconhecimento, outros por malícia e astúcia,
enquanto Philae, o robô, pousa no cometa 67P/churyumov-Gerasikenko,
após uma viagem de 10 anos, 6 bilhões de quilômetros percorridos,
ao custo de 1 bilhão de dólares,
a espreitar segredos primevos que nos revelarão o pó e a pedra, a poeira e o gás
Os cientistas, no centro de controle (murado), vibraram com a façanha como se tivessem servido
um prato de comida a quem tem fome,
ou como se tivessem feito pousar em pleno deserto um copo d'agua para o viajante sedento
Aonde nos levará tanta ciência?

Há outros, ainda, que por tédio
aborrecimento
fastio
intransigência
egoísmo
mesquinhez
medo de sentir medo
erguem seus muros em volta das casas,
dos quintais,
dos rios para que não cheguem ao mar e libertem as terras roídas às margens
da brisa para que não desate no ar o lirismo inteiro da poesia
de tanta manhã e de tantas tarde inefáveis
da folhagem que o vento levaria
dos sonhos que se poderia sonhar
dos conceitos nos quais se poderia pensar
da voz do povo para que não se possa escutá-la
do ateísmo
do fanatismo em nome da fé
Erguem muros
sobre a palavra
que poderia nos resgatar
Erguem muros de sevícia e ódio
de ciência e dor
aprimorando e açulando a Bomba que, um belo dia,
servirá o cogumelo
em nossas mesas de jantar

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