domingo, 17 de janeiro de 2016

Hoje


hoje
enquanto tudo caminhava
rotineiramente
para a sempre e mesma sorte
acordei tropeçando nos sonhos que a noite deixou cair
sonhando com o esplendor dos dias da minha infância
galos cantando
de dentro do dia demorando ser madrugada
o cão dormindo
entre calados e cativos buracos que fez pelo quintal
a semi sombra das luzes derramadas pouco e pouco
sobre as casas
sobre as coisas
ainda sonolentas
e as vidas
deixando entre o sonho e o olhar que acorda
num tanto de indecisão
entre o dia já rodeado de murmúrios
e a noite ainda falando de escuridão
as sedes, os passos, os caminhos
sedes indizíveis
vagos caminhos
passos em vão
a ilusão que não se esvanece
e fica como um murmúrio do vento nos galhos
derrubando flores no cotidiano
balançando ninhos
reverberando lentamente gorjeio de passarinhos
a caravela do tempo circunavegando a aurora
e tantos mares insabidos
vazados de marulhos
e tardias lembranças de gaivotas

hoje,
não acordei a tempo de ver
os instantes antigos e sincréticos que trariam a claridade
nem a sentença do destino
onde folhas
árvores
deuses
o firmamento
toda a vida do universo deveriam ungir
a tênue luz amarela/avermelhada
de mais um dia ferido de pequenas ilusões
de criança falando com passarinho
apontando lua ao meio-dia
como se fosse o entardecer
e a vida não fosse o mistério a se resolver

hoje,
graciosa e pequenina
a lua saiu dos minaretes da noite
e pôs-se, clandestina,
em pleno meio-dia
no céu de um azul bem fininho
por nada
por fortuita vadiação
num dia sem nome
num tempo sem data
numa época sem estação
num tempo em que vivo
deslinde após deslinde
a incompletude da Origem
um dia depois do outro
que é assim que me faço
pedaço após pedaço
o tempo breve
sem certezas
o amor pedindo
o beijo leve
um perfume alvíssimo
inunda meu dia
até o próximo céu se apagar
por pura vadiação

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