sábado, 9 de dezembro de 2017

Enquanto aprendo a morrer


ah! se houvesse uma noite
para descansar o cansaço de sempre ser
pensamento
eterna memória
passado
o grito na margem abandonado
o enredo ou soluço das naus sucumbidas
a luz acendendo o porto na tarde devagar
o silêncio e a sombra amoldável
tudo sufocado
sendo só

sendo só
enquanto se aprende a morrer
com o limo verde dos rios
com o gesto noturno da flor desfeita na espera
com a canção doída do mar a solfejar nos rochedos

ah! se houvesse uma noite
para descansar o cansaço de sempre ser
nuanças e sussurros das águas mastigadas

ah! se houvesse a noite inconsolável
o prelúdio do lamento de tudo que não esqueci
a tarde incendiada
pelos perfis amarelos e ardorosos dos girassóis
a lua nova num céu intrínseco e túrgido
o ritmo suave dos meus versos intocados
lembranças de quando eu era criança
as mudas inquietudes das noites tocando em mim
o choro e o soluço sufocante
os seios róseos de Pingo
duas rimas de poesia
me ensinando a morrer
dois versos a cada dia

ah! se houvesse a noite inconsolável
e depois do rumor da noite a morte se fazendo
redimida e arfante
quando eu aprender a morrer
e de tanta melancolia
a morte se faria
nua e vã
como se faz poesia
rascunho escrito no cerne da areia
palavras atravessando o destino
esperando o momento dilatado
do sonho do sonho de ser menino
desenhado no espelho
cubo de vento
caminhos gélidos de fogo
e segredos
estou só
nesta vida emprestada
o tempo passou
e o que é de meu é coisa alguma
é a trapaça do tempo dizendo nada

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Amor e poesia


sonho contigo
e a vida se faz
amor e poesia
suavemente
inventa as asas brancas do dia
faz-se as ilusões das noites encantadas
por onde caminham os meus passos
silentes
e esquecidos
rumo aos teus braços nus
e indefinidos
sonho contigo
e a vida se faz
amor e poesia
por onde olham os meus olhos
no doído segredo da tua ausência
inacabada e premente
em tempos indevassáveis
em sonhos acordados
momentos inelutáveis
efêmeros
como todo sonho que inventa
e embebeda nas horas das noites
atentas
vígis
trementes
os brandos poemas
reinos sem rei
poemas sem rimas
e que o amor seja só poesia
quando eu estiver só
junto ao mar
amor
junto ao mar
junto à sombra perecível
e vermelha da rosa
na qual me envolvo e me perco
e me pego, assim, encantado
a sonhar contigo
a vida tecendo gritos
coloridos de paixão
nas madrugadas de amor,
eternidades,
teu corpo, poema na minha mão

Imagem: Clovis Graciano

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Chove sobre os lirios

 
chove sobre os lírios

não a chuva que chovia
sobre tudo
sobre os círculos concêntricos
dos mamilos dos teus seios
sobre as ígneas gaiolas
dos pássaros abertos da tua infância
entoando no telhado
um som complacente e ritmado dos pingos
que vazavam sobre as bordas dos telhados
hoje a chuva não escorre em prantos
pelos caminhos incandescentes dos telhados acesos
não deixa no ar o olor ameno e quente
da terra molhada
não molha minhas mãos
enquanto em barro me multiplico
e me repito na angustia de ser a mesma sombra,
a mesma mágoa
não  molha os canteiros exauridos
não toca as cúmplices flores e seus tempos incertos
nem cria tramas e cores indevassáveis
onde vicejava a eternidade
onde plasmavam-se sonhos
e estrelas
acordando as vozes
com as quais ainda teço e digo teu nome
confessando a ambivalência das madrugadas

domingo, 29 de outubro de 2017

Vai


vai,
e pé ante pé,
deita-te como a manhã
sobre este tempo leve e quente
que tu és
tempo claro,
maduro,
brando como os pássaros
glauco como a grama do jardim

deita-te sobre este tempo assimétrico
gravado e recluso nas folhas das flores
que em folhas secas em tantos tempos se desfazem
e cobrem o chão
ancoradouro dos meus passos
que renascem minuciosos e breves
em rumores
pequenos atos ocultos
que assim se escrevem
na farsa dos caminhos que me levam

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Nada


nada
é tão negro quanto o negro inatingível  dos teus olhos
e esta sensação de encantamento que reverbera
pelo tempo efêmero e sincopado
do caminho todo escuro e contemplativo
quando olho no teu olhar
e, então, a densa noite nos teus olhos dança
e, coleante, põe-me a sonhar

domingo, 22 de outubro de 2017

Miséria e fome


 
 
Senhor,
viestes nos procurar
a mim e a este cão que atende pelo nome de Fome
trouxestes alento para as nossas lágrimas
trouxestes o cântaro cheio da Tua Verdade
e da Tua comiseração

da latência das Tuas palavras
inventa-se a paciência e/ou o desespero
escorrem os momentos para o fim
e o fim é a catedral onde a neblina apagará os círios
que consomem os dias e as noites
inelutavelmente

o homem deglutindo a fome
o cão salivando a fome
a criança aprendendo a fome
subsistem por imposição da vida

crianças faminta arrostando a vida
crianças no lixão mimetizando-se com os urubus
crianças carcomidas pela estultice dos discursos vãos
crianças apedrejadas pelo egoísmo inaudito
crianças pedindo nos semáforos
crianças na prostituição

Dizei, Oh! Senhores,
chefes das nações que sendo várias deveriam ser uma
que almoçam e que jantam e arrotam e jogam o sobejo fora
o campo semeado e a colheita são insuficientes?
a semente, se mente e não vinga e se vinga e se morre?
a miséria é algo tão distante, insólito e obscuro
sem direito sequer a um osso para o cão,
a um pão duro para o dono?

um dia, sentados diante da emoção incomensurável da mansidão de uma aurora
molhada pelo sereno que o vento traz e acordados pelo sussurro dos deuses,
olhando para o que acumulamos,
um dia pressentiremos (será)
que morrer de fome, na miséria é a quinta-essência da indiferença
açodando os círios acesos para que se apaguem mais celeremente todos os dias
sem atentar que tudo que é é eternidade

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Ideia

 
comove ouvir o rumor da brisa a soluçar nas flores
em tantos caminhos efêmeros,
em tantos amores pulsando,
a suspirar
inundando palavras que se compõem
em tantos traços
e com as quais se escrevem
e se denotam a vida e a morte
contrai-se o sonho na noite sem nome,
a opacidade do amor nos dias sem fim
dedilhados sílaba a sílaba
extasia o fim de tarde a beliscar as cores
que ressumam de um sol poente
vermelho cúprico
laranja
lilás
quilha e fronteira entre o dia e a noite
na surdez branda do vento
arrancando ao ventre túrgido da terra,
prenhe das noites,
a ideia,
onde se alarga o momento de ir embora
e nunca mais,
nunca mais voltar

sábado, 7 de outubro de 2017

Desalento


vem dos meus muitos eus o gosto esconso e devasso do abandono
o tempo tecido de instantes morosos
a dúvida levantando-se do medo das noites antigas
a agonia onividente
na clausura a tristeza cantando por entre os ferros da cela
o silêncio arrependido da culpa
o asco escorrendo pelas sombras embebidas do dia
a melancolia premente inventando vazios momentos
a esperança que espera e não chega
a distância que não começa e já cansa
a barca da solidão à deriva
barco a ser queimado
os ígneos passos dos meus caminhos sem volta
a lua cheia suspensa e estendida
prisioneira e esquecida na insolência dos astros
o desassossego dos cães latindo na madrugada
a madrugada acordada, emboscada, esperando pela manhã
a inércia observando e absorvendo a vida que morre em versos tímidos
a vida que dorme o sono inócuo
prostrada nos templos incandescentes
silogismos a me definir no nada que sou
e me assuntam na fluida lágrima
que liga a palavra à palavra
que me visitam embriagadas e trôpegas
num engano de eternidade
que me faz grito vago
noite outra vez

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Aniversário


mais um agosto
desmedido em dias e noites
ilusões e atalhos irreais
que me trouxeram até aqui
na batida surda de um tempo antigo
e que já pressentem-se
como amantes
ao início próximo da primavera

a alma despe-se dos enganos da vida
ainda traz na tessitura do ser a brisa inebriante
e o perfume das flores noturnas
e o plangente repicar dos sinos
meditando a imprecisão das horas
e a pulsação da vida

o campo florido do verde dos pirilampos
que se estende e ilumina a noite ditosa
vem da candeia
de um céu cintilante
rendilhado de flamantes
estrelinhas mergulhadas no ocaso

a lua traça no céu
um arco de linha nacarada
sobre o fundo negro que se
ergue dos montes adormecidos
na noite diáfana
-demora-se a chamar-me

fica no ar o som palpitante das palavras
e suas ausências doridas
se escondem
e tanto de melodia
se esvai
na armadilha derramada do dia

a poesia dorme, concisa,
no colo nu das folhas úmidas,
nos braços enrodilhados dos pingos da chuva,
que desenhavam arabescos nas janelas
e levavam a minha e a tua vida 
como o incansável dizer adeus

uma ave adeja na noite sem nome

solitária, atravessando os fios finos dos rios

chove
e o pássaro traça a hora carmim de um momento sem fim

hoje a chuva não cai sobre os telhados
e não junta seu som
ao som bom do barro das telhas

hoje a chuva não escorre
pelas ruas de terra
nem pela sombra negra,
indefinível,
áspera e sibilante do crepúsculo vermelho

não deixa no ar o olor quente
de terra molhada
e dos passos embriagados que caminham
sobre as águas inexequíveis

não há canteiros
nem flores
nem cores
onde vicejava a eternidade dos sonhos
e da vida
que a chuva, então, avivava

hoje a chuva é o instante
sem a cor do sonho
sem as memórias e as histórias
e as fábulas
interminavelmente azuis
da imaginação
que pasce num mundo
onde a semente espera latente
e longe dos segredos dos meninos
reprisados noite após noite

o momento passou
trazendo a obscura noite dos sóis
sobre os quintais

busco em mim
o que eu fui
o que eu era

esta não é a primeira primavera
nem a última lenta agonia
que os meus olhos soluçantes
vêem passar

busco-me entre as flores do passado
lá onde a vida nunca deixou de ser jardim
onde as flores balouçam, suaves,
aos pingos da chuva
e que balouçam, também, os labirintos do meu mundo

oh, doce flor do jasmineiro,
a tarde chora outra primavera
espargindo aromas voláteis,
derramando folhas e flores
levadas pelo vento
para além das palavras e dos signos
e do encantamento

outro mar
caminhando para as areias
outro tempo
desapegado e incomensurável
entre as mãos
molhadas de ventos e de cores
outra solidão
com a qual finda-se o dia
e começa outra poesia

sábado, 3 de junho de 2017

Noite de chuva


noite de chuva
o vento passa por entre o escuro mais profundo
e arrasta estrelas enternecidas entre os meus dedos
arrasta a lua, os astros, um deus do medo
o céu de infrangíveis segredos
arrasta a cor da pétala da flor
e a palavra inocultável
como  a dor
de nascer e viver morrendo

noite de chuva
as sombras dessentidas
geram a madrugada
no espaço fecundado pela sombra
inoculável
como a melancolia
de morrer e nascer todo dia

noite de chuva
esta chuva que persiste talhada
ressumando a lágrima que demora
seca em teu rosto
enquanto teus passos te levam nua
pelos caminhos dos rios,
intocáveis
como a pretensa palavra
que define o engodo do que seja a morte e a vida

noite de chuva
que amadurece o inverno
e prenuncia na chuva que ora cai
mais uma outra primavera
e burila no enigma do barro
o esboço
de uma lua crescente
em uma pequena noite,
jogo de cintilação e de espelhos,
suspensa nos astros
indecifrável
como a angústia do bem e do mal
e a panaceia da morte para a vida de medos
que se vive afinal

domingo, 30 de abril de 2017

Tempos

 
o que eu fui dorme nos tempos,
nas noites
sem respostas,
invento palavras,
espera-me no instante que me olha longamente
e tem a minha alma naufragada em sensações
na sucessão de sombras e gestos
no silêncio incriado dos cansaços
na fome do amor dado aos pedaços
no acalanto e na solidão de tantos braços
na vida sedenta
gritando renúncias
para uma imagem velha
num antigo e esquecido espelho
neste momento de ausência e de prenúncios
nestes dias transitórios
e macerados pelos quatro elementos
e pela melancolia devoluta e intocada
que ressumam os ébrios sortilégios das minhas noites

Imagem: The Sleeping Gypsy
Autor    : Henri Rousseau

sábado, 1 de abril de 2017

Busco versos


busco versos onde só há ausência e delírio
versos que se espreitam e se acabam
no colear das noites longas e contemplativas
versos esconsos que se desatam e em ânsias se elidem
antes que eu possa ouvir o grito latente
premente na boca da vida e da morte
versos silentes
endógenos
onde repousa a impostura dos sonhos
onde repousam segredos
medos
melodias
segredos inescrutáveis
minuciosos medos
momentos de uma densa tristeza
momentos de uma fascinante beleza
momentos de asfixiante loucura
impenetráveis eternidades
perfumes de ontem ao vento

solidão

onde repousa a essência do que sou
alma e memória do que tantas vezes já fui
recrudescendo em séculos atemporais
quando nas noites trepidantes e intempestivas
se escuta um soluço antigo e diluído
antes da lágrima indizível e sem voz
que o tempo possante e incriado
abandonou em meus olhos
deixando-me entre gestos silentes, a sós

quinta-feira, 23 de março de 2017

Tudo é ausência


tremeluz na noite o oscilar
lento e enganoso do tempo
o sonho dorme enquanto a noite espera

meus lábios bebem o destino
porém não pronunciam o teu nome
teu nome sonha enquanto a noite espera

o silêncio ilumina a noite
e arde na espera escura e clandestina
pelo incessante Eco escondido nas neblinas dos séculos

o vento levita e vela a mancha quieta e negra do céu imoto
e sopra estrelinhas que caem
riscando lembranças de mundos que vão na alma

folhas balouçam das árvores
e falam de sombras inapagáveis
soluços incomensuráveis

é primavera
nas folhas sanguíneas da rosa
nas fontes e seus chorosos caminhos
na angústia incognoscível e dolorosa de existir

a noite é espera
a noite é quimera
a noite é sombra silenciosa dos sentidos
a noite é estes muros inacabados de solidão

a brisa esvoaça e traz no ventre do mar
a agonia das terras das ilhas desgarradas
ato e destino
memórias acalentadas pelo ruflar das asas das aves noturnas
pela noite feito os gretados caminhos dos ventos
vigília e eternidade
sonolentos e indistintos rumores de fontes
compassos da aragem sussurrando
por entre ternuras e lírios

entre cansaços e exaustão
a vida se desvela, incidente,
como em tantas outras noites
como em tantas outras épocas

não obstante
para o homem sem verve
sem esperança que o leve
os olhos postos no chão
de quem já não pode chorar
tudo é ausência

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

A escravidão da razão


o homem embosca e deturpa sonhos
abre-os pela metade
passa os olhos viciados e soturnos
e deposita-os no chão
cego de tantas certezas
descarta-os
palmilha medos
enganos
bebe venenos
aspira gases
corre do tempo
preso ao destino
apega-se ao supérfluo
desintegra a matéria
e grita "Heureca!"
o homem perde o alento
no passo incerto e lento do vento
soçobrando nas areias
a andar por caminhos penosos
pelos tempos da memória ancestral
e indecomponível
como o Universo que une o verso
e o homem
siderando o passado
com infrangíveis amarras
com os olhos resignados no chão
e o engano ingente e coagente
da escravidão da razão
morre
entre cansadas certezas
e o grito estancado da solidão

sábado, 25 de fevereiro de 2017

O poema se diz sozinho

 
as minhas mãos espalmadas esperam outras mãos
que venham acariciando o silêncio que se levanta
da noite imensa e imprecisa
ecoando recordações
reminiscências deslindadas no tempo

espero outros olhos
que fitos no abismo que habita em mim
expressem peremptórios
a evidência inconteste de nada sermos
para além do pensamento e do tormento desta existência
onde a minha alma eterna espelha e reverbera os sentidos
a procurar pela liberdade dentre poemas inacabados
que já não sei escrever
dentre os sóis flutuando sobre tardes derradeiras
dentre o alarido da vida clamando vida e vida e vida
poemas que nascem como sílabas recusadas
de emoções ancoradas a um verso e a um tempo
onde as palavras e gestos incontidos e sem nome
dizem das distâncias e das solidões caindo
como tristezas sobre os meus olhos cansados de não te ver
caindo sobre o meu corpo cansado de não te ter
calando a minha voz numa incognoscível saudade

a poesia, tão tímida quanto os sentimentos pueris, silencia
e em silêncio condena de amores a minha alma
e faz voar borboletas num céu de elude tessitura
e de saudades insinuadas por tanta ilusão
decompondo sonhos
espreitando a tarde
que se demorava inextinguível nos teus peitinhos pequenos
colhidos pelas minhas mãos

hoje, com as mãos sobre o rosto, balbucio o teu nome
lentamente
enquanto as lembranças inventam carinhos que não te fiz
e que me dizem da inquietação que era te amar
hoje, balbucio o teu nome
como o dia balbucia a manhã e se despe do escuro
vestindo-se da nua luz ainda adormecida da aurora
e na manhã leitosa e insonte
voam pássaros em direção ao passado
para além da tua  ausência
e do meu medo

o poema, então, se diz sozinho
como uma voz no deserto
que a vastidão perpetua
em te querer, mas és lua
iluminando a ficção das noites inomináveis e cambiantes
que, deste nascer sem morrer,
não me deixam te esquecer

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

O silêncio quebrado


o pensamento esvoaça e inventa
o silêncio quebrado
pelo vento trazendo o passado
porejando antigas canções em lábios sem faces
abrindo as janelas indecifráveis de um mundo impronunciável
abrindo a voz da manhã florida de sons
onde as pétalas caídas das flores enternecem
a recordação dos teus lábios dizendo canduras e silêncios aos meus
dizendo dos tantos instantes imutáveis e imorredouros
que pode haver nos laivos da vida cruciante e translucida
no gesto encoberto por esta nostalgia precária e deambulante
por esta agonia e por este pranto
intocados anátemas modelando a minha alma
pelos níveos véus da neblina suspensa na manhã que acorda
e acende as cores nas flores
que sangram consumidas pela efemeridade de ser
e esmerilam incessantes o perfume frágil que a noite suavemente entornou
fazendo do aroma das flores a eternidade imponderável  de ser
desenham olores nas folhagens e coligem as manhãs
e os rios correndo para os abismos de tanta solidão
para tanto desassossego
e tudo, tudo, ofegando na plenitude desordenada e ambígua
do que pode vir a ser poesia
na imarcescível página em branco do dia
pergaminhos (pelos séculos)
minuciosamente lançados aos mares dos sonhos
trazidos no sono da noite súbita
embalados na cantiga das ondas em chamas
na ebulição irrevelada dos versos
na mansidão absoluta dos ventos
que trago mudas em meus braços
garrafas soçobradas no mar dos meus sentimentos

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Longe, longe, longe...


palavras...
as palavras de repente doem
carrego-as por que é noite
longe, longe, longe...
é noite
carrego-as por que o pranto é insuficiente
e as horas caminham acordadas
sem descanso
lentamente
e o tempo vem sangrar a minha alma

já não escuto teu nome quando olho para o silêncio e para a lua
já não me alcança o punhal pungente das tuas palavras
longe, longe, longe...
ainda é noite
já não carrego o engano das palavras
e a voz cega que os teus lábios diziam aos meus

longe, longe, longe..
no horizonte onde a tarde morreu sob o frêmito da luz
amadurece o pulsar circular do tempo
para nascer um outro dia
sem você

domingo, 1 de janeiro de 2017

O rítmo do tempo e das estaçõe e das chuvas


o ritmo do tempo e das estações e das chuvas
afligem meu coração
pois,
se é a mim que o tempo pastora e envelhece
se é em mim que as estações doem a falácia de serem
                                  flores, vozes de ventos, lassidão
se é em mim que as chuvas misturam-se à imponderável lágrima
e ao desalento que a existência imprecisa grita em agônica solidão
então,
o tempo, as estações e as chuvas
balbuciam presságios entre afetos e outroras
reavivando rumores arredios e histórias avessas
infiltrando-se por entre os nós vermelhos do madeirame do telhado a vista
enquanto a noite embebeda-se de ventanias lá fora
aqui dentro, ainda, a fumaça preta do lampião a querosene subindo
contorcendo-se conforme a brisa que trouxe a noite e se demora
por entre os sonhos e os pensares
por entre tantas sombras das minhas mãos e as de meus irmãos
e o cheiro do querosene cinzelando a noite
negando o farfalhar do tempo inconteste
subjugando-me
sobrepondo noites e dias
à antigas dores
e já não me compreendo quando a chuva cai das cumeeiras
como lágrimas chorando convulsas pelo chão do quintal
espargindo-se em redondas cismas de cristal
não sei em qual estação
me fiz flor narciso mentira jardim
passarinho em tantas vidas
metal pedra terra por fim
um ser imortal no que mais de mortal que há em mim
não sei de qual manhã soluçante
veio a borboleta
          o instante
e pousou na platibanda da janela
                            nos meus olhos
fascinando-se na vidraça onde se debateu
na enganosa transparência de um mundo que não era o seu