sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Abro a janela

Abro a janela da antiga casa
os olhos caminham demorados pelo quintal
as flores ainda estão no pequeno canteiro
cravos vermelhos e brancos,
rosas, antúrios,
os pequeninos pés de maria-sem-vergonha
sempre estiveram ali
desde a partida
desde as voltas dos anos
as dobras da vida
O mesmo sol machucado
espalhando-se do muro pra casa
para se acabar de vez pelos caminhos
dos telhados
desmaia a luz
morrendo lá pelo final da rua
deixando na vida este cheiro de noite
trazendo no abandono exausto
diferentes solidões
Volto à antiga casa
o murmúrio solto da chuva me chama
uma chuva fininha que desce e avoa
antes de chegar ao chão
como sonho de menino
como um sonho que eu perdi
como uma tristeza que caía assim,
à toa
infindável
uma tristeza tão quieta
tão insuspeitada
tão minha
Minha mãe cantava antigas canções
enquanto punha a roupa para quarar
depois da água com anil
Cançoes com o mesmo cheiro
de terra depois da ânsia das chuvas
de flores úmidas dos enredos das manhãs
acordando do sonho que se desprende da noite,
mansamente,
como o perfume bordado à aurora
que se esvaece ao sol,
diáfano casulo,
estrela flutuante,
brilhando num céu inventado
pela alegria dos meninos
O passado descansando
no gravetinho do ramo de uma outra vida
que logo se perderá de mim
levando as horas
com as quais te imaginei
todos estes anos
Me calo,
ensimesmado
Sonho-te,
menina das tranças negras
Linda,
te recrio,
como se eu soubesse
que na antiga casa
a poesia teria o teu nome
molhado nas flores da fantasia,
no eterno tempo do amor

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