Nasceu a primeira flor da primavera
em infinito silêncio
e claridade
nasceu a flor
numa manhã
pudica e nua
Uma flor na primavera
surgiu insuspeita
solitária
ante a certeza definitiva
de se ser só
ante ao vento que ondula
em um secreto dia
as palavras de um esquecido verso
Nasceu a primeira flor da primavera
sequiosa do orvalho roubado
às lágrimas da manhã
uníssonas em saudades
Nasceu a primeira flor
na primeira luz
da primeira manhã
do primeiro dia
eterno
como eterno é o instante
do sonho
e do devir perpéuto
do que vem a existir
e que dissolve e cria
e transforma a realidade
Uma flor que transpassa
a solidão
refetida no espelho
amarelado pela inconstância da prata
escrita em longas linhas
que não cicatrizam
nem silenciam
as palavras engendradas
na tarde inquieta
em uma rua qualquer
discreta e tácita
onde caminham os meus passos
incognoscíveis
meus passos são qualquer um
meus passos são o cansaço
das velas rumo ao porto
meus passos são a flor incendiada
são as quatro estações
e a rua de terra
pedaço da minha vida
onde vivi a vida insaciável
nas esquinas
dos dias trêmulos e azulados
das noites de barro e chuva
de veredas melancólicas
como os olhos negros de Pingo
a dizer do beijo a espera
a ouvir da voz o sonido
a sentir o perfume
da flor que o jardim sonhou
e que nasceu
em infinito silêncio
em claridade dissoluta
naquela manhã
e não em outra
por que demorar-se
seria morrer
Ao som dos sinos
esquecendo a noite
esgueira-se a manhã
nasce a flor
sob o silêncio
dos quintais
Teus olhos negros
e a primeira flor da primavera
são coisas de menino
e deste mistério
quedado em nossos corações
Como este sentimento de ausência
Nenhum comentário:
Postar um comentário