terça-feira, 9 de outubro de 2012

Caminha o homem sem passado

Caminha o homem sem passado
sem memória ancestral
sem a árvore solitária das saudades
tudo em volta é o novo
o tempo não se contrai
nem se distende
a linha do tempo interrompida
o essencial contido na alma
atemporal
no pôr do sol
no mar candente
no aroma exuberante
da flor recém-nascida
a essência que subsiste
ao engano
à palavra
e ao ato
aos navios que usamos
nas nossas guerras pessoais
tão ausentes de sonhos
tão repletos de enganos

Caminha o homem sem passado

"Todos os dias atravessamos a mesma rua ou o mesmo jardim; todas as tardes nossos olhos batem no mesmo muro avermelhado, feito de tijolos e termpo urbano. [coisas do primeiro olho!] De repente, num dia qualquer , a rua dá para um outro mundo, o jardim acaba de nascer, o mundo fatigado se cobre de signos. [o segundo olho!]
Nunca os tinhamos visto e agora ficamos espantados por eles serem assim: tanto e tão esmagadoramente reais. Sua própria realidade compacta nos faz duvidar: são assim as coisas ou são de outro modo? Não, isso que estamos vendo pela primeira vez já havíamos visto antes. Em algum lugar, no qual nunca estivemos, já estavam o muro, a rua, o jardim. E à surpresa segue-se a nostalgia. Parece que nos recordamos e quereríamos voltar para esse lugar onde as coisas são sempre assim, banhadas por uma luz antiquíssima e ao mesmo tempo acabada de nascer. Nós também somos de lá. Um sopro nos golpeia a fronte. Estamos encantados, suspensos no meio da tarde imóvel.Advinhamos que somos de outro mundo. É lá que nasce o amor: nesse lugar onde nunca estivemos."

(Octavio Paz - no livro "O arco e a lira")


Caminha o homem na imprecisão dos dias
caminha rumo aos mares
que nunca viu
e atravessa os rios, vagarosamente,
a solidão do caminho lhe fere a alma
pela primeira vez
o múrmurio da água
apascenta seus passos
fica conhecendo a magia
que reside no singelo
de uma noite de lua cheia
enquanto a chuva cai, nova,
sempre nova aos seus olhos
a ternura acompanha
o homem sem passado
tateia o seu presente
constrói o agora
eleva estrelas a um céu plangente
e se farta de vasculhar o Universo
em busca de uma reposta que está em si
tudo o que há um dia foi Idéia
sem Verdades
se há Verdade ela está
na manhã que nasce
no riacho que corre bem cedinho
no vento tangendo a nuvem
no azul do céu
na floração das árvores e das flores
no resplandecer do belo
numa tarde anterior à sua dúvida
no ato que toca o ser: Felicidade?
na possibilidade de não fazer
e estar atento aos desejos
o que é seu e o que é do outro
na água bebida nas conchas das mãos
e as mãos pendendo ao longo do corpo,
sozinhas, com seu bocado de razão
a desviar-se do toque na flor
que se abre aos olhos tristes,
marejados,
como um céu recoberto pela névoa
e pela dúvida da beleza dos dias
que não são iguais
e têm a sua essência e o seu devir

Caminha o homem sem passado
os seus passos inúteis
e demora o seu olhar
sobre tudo aquilo que nunca viu
e ouve a música primeva
e ouve alguém a recitar o poema
e ouvindo o poema
chora

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