segunda-feira, 20 de outubro de 2014

MÃÃEEEEEEEE!

CANÇÃO
 
Tinha um cravo no meu balcão;
veio um rapaz e pediu-mo
- mãe, dou-lho ou não?
 
Sentada, bordava um lenço de mão;
veio um rapaz e pediu-mo
- mãe, dou-lho ou não?
 
Dei um cravo e dei um lenço,
só não dei o coração;
mas se o rapaz mo pedir
mãe, dou-lho ou não?

Eugénio de Andrade.
In Poesia.
Rosto Editora - Modo de ler, 2011.
 
 
Mãe, meu peito bebe o repentino silêncio
enquanto eu bordo o lenço,
enquanto o cravo enfeita o balcão
 
Mãe, quisera saber de ti
se uma vida basta para o amor,
se não basta diz porque não
 
Mãe, o outono despe-se para as tardes,
e os passos do rapaz avançam pelos caminhos
traz o cravo na lapela
o lenço traz numa mão
já o vejo da janela
deveras há de rogar-me
vem pedir meu coração
Mãe, dou-lho ou não?

Mãe, respondei ao meu senão
respondei à minha aflição
trazei a cesta com flores
apagai a escuridão
que ele é já na platibanda
mãe, dizei o que é que eu faço
dou-lho ou não meu coração?

Mãe, tua boca silencia
não me dizes nem sim nem não
o rapaz roubou-me um beijo
enlaçou a minha mão
mãe, avia com esta resposta
mãe, já tirei minha calcinha
abri o último botão
mãe, sinto que já desfaleço
MÃEEE, que merda, responde,
meu, Ahh! coração, Ahhh!, Ahhhh!
 dou-lho ou não?

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