domingo, 5 de outubro de 2014

O tempo está morto

Passou o tempo
Passei eu
Passamos todos nós
Passaram as árvores na estrada
que vai de lugar nenhum a nada
Passaram as minhas estórias nas noites que dormem nos livros,
na folha seca amarela-dourada do outono à espera das borboletas,
na folha cônsona ao sono,
na insidiosa e consabida agonia
Passou o aroma da flor na brisa azul da razia fria do dia
Passaram as cores do dia nas flores da cerejeira
Passou a essência do sândalo
nos lençóis postos de lado com os pés,
carinhos esquecidos sob fronhas de linho e organdi,
sussurros murmurados tão docemente,
miragens de um amor que já não comove
Passaram as pedras seculares dos caminhos,
das torres açodando os céus
que amanheciam entre a neblina e as gotas de orvalho
solitárias caindo com o vento no chão da manhã
Passaremos muitas vezes, sondando o que veio antes,
prenunciando a ilusão do futuro,
e nos perderemos ao nos percebermos sozinhos,
inelutavelmente sozinhos,
tentando descobrir da onde vimos
para onde vamos
Aonde estão as arcádias para nossa moradia?
Passou a vida,
pequena demais,
fugaz demais,
frívola demais
A caliça da existência pretensamente eterna,
incomensuravelmente friável
Passou o tempo,
criando séculos, histórias e estórias,
a adaga esquecida da memória
O tempo exaurido e asceta tartamudeia preces
aos Deuses silentes
criando e recriando pétreos mundos,
eis que basta o pó para que haja estrelas e planetas
e galáxias tão distantes para aonde irei pra me encontrar,
como o filho e a dor do filho ausente que um dia volta ao lar
O tempo avaro manquadra sobre o que te digo sem saber,
sobre o poeta que não sou,
conciso,
esboroado,
ausente e deposto
Lavo com as lágrimas o meu rosto
e rego a flor da melancolia
O tempo não passou...
                                   ...o tempo está morto
Donde vem esta agonia?

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