terça-feira, 6 de outubro de 2015

O passado todo está aqui


o passado todo está aqui,
neste momento,
o antigo desejo desperto
a flor que se abre
e que esteve sempre aberta
nas coisas visíveis e invisíveis
nos cheiros resvalando à melancolia
na desordem das estações
na neblina adormecida sobre os campos
adormecidos
na solidão eternizada
dos anacoretas
e as descobertas
e os segredos
dos seus solitários mundos
naquela dor olvidada
e que renasce e nos consome
na face tranquila das lágrimas

o passado está todo aqui
em cada escolha que faço
desmanchando o homem que sou
e seus ideais
e dos retalhos finais
refaço-me
percorro novos caminhos
tão antigos
pressentidos e antigos caminhos

ainda habita em mim o menino que fui
(que sou e sempre serei)
que sonha no passado
e fala no presente
dentro do futuro do homem que sou
e nos sonhos vislumbra o porquê
que me anulam
e lanham-me
e, lanhado, entro no mar
e banho-me longamente de água e sal
enquanto a vida vai dissipando-se ante o engano
dos percursos nos quais me enredo
e me dissolvo como a pedra se dissolve
lenta e inexoravelmente
deixando na vida esta poeira
onde os pássaros vêm banhar-se
nos finais de tarde
espojando-se na mansidão da escuridão
que se desce tépida e lentamente sobre a vida
que vai trespassando e escondendo o mundo
a mostrar-nos a meiguice da noite cálida
tão antiga
e tão presente nos pulsares e nos quasares
nos astros que não dormem jamais
e que vão dizendo a vida
aqui e agora
de todos os anos pra trás

Imagem: Claude Theberge

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