domingo, 7 de dezembro de 2014

A noite é sede


Melhor dormir se o tempo se faz sem ti e guardar-te em sonho até tu mesmo seres noite.
(Mia Couto)
 
 
A noite é sede
e meus lábios estão secos
meus braços são espera
meus passos esqueceram os caminhos
meu sonho ficou em ti
ficou na tua noite meu sonho
ficaram meus dias na rua avessa
e molhada de chuva e vagar
derramei teu nome em cada flor do jardim
chorei
entre soluços pensei vislumbrar o poeta
dos versos, dos gestos,
do nada em que adormeço
desfolhei flores na despedida
cego, pisei o destino como quem pisa a serpente
curei minhas dores com o sal das minhas lágrimas
quando a noite veio de novo
sopesando com parcimônia os indeléveis caminhos escuros
já não chorava
a noite floriu com ímpeto
apagando o rio,
as casas
a letra cansada do poeta
o verso dorido do poeta
o amor apagou-se antes da noite
o amor apagou-se com o crepúsculo
e o pó que subia dos caminhos
a lua, suavemente, adormeceu sobre a papoula
as estrelas cantaram elegias da criação
a noite girou,
emprestou vozes e silhuetas ao sonho
entonteceu-me
recostei minha cabeça na saudade
e dormi
junto ao recordo de ti
para que tudo o que sonhei e o que vivi
não fujam de mim

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