domingo, 21 de dezembro de 2014

Pingo


A noite insone e sozinha não me deixa dormir,
busca entre as sombras dolentes um confidente
que possa ouvir tanto silêncio
Me acorda na madrugada
Quem sabe o que quer comigo?
Vou à sacada
Acendo um cigarro
Acendo lembranças,
abrindo o sonho com as mãos
Sinto a brisa arrepiando-me o corpo como faziam
a mulher amada e a volúpia dos seus orgasmos
Na noite insonte tudo que vive cicia a carícia de um nome
Teu nome que não termina e retorna e me acha e me chama
e me deixa nostálgico por demais
Sentamos, meu coração e eu, na beirada da noite para te ver chegar
e repaginar tanto sentimento
Penso em você e borboletas voam no rastro da imaginação
Abraço a lembrança como abraçava você
Escuto a tua voz de menina dizendo no meu ouvido:
"vem, anda beijar meus peitinhos"
Teus seios castos que cabiam inteirinhos nas minhas mãos,
na minha boca e que couberam pra sempre na minha vida
Cabiam exatamente nos beijos que eu só tinha pra você
Teus peitinhos despontando na saliva morna das tardes de um tempo
que pôs você em mim e nunca mais você foi embora
Tua nudez melodiosa deslizava na minha nudez ávida de ti,
montava em mim,
me engolia,
sem pressa,
se derramava em mim
indecente como a cama no chão
como o desejo que vai da boca pra mão
Tua nudez esquecida do vestido e da calcinha,
com lacinho na frente e bichinhos estampados,
tatuou os meus sentidos com a brasa incandescente
do teu corpo fogoso,
do teu desejo enchendo de súplicas os nossos dias,
do teu beijo rubro que murmurava o passado irreversível
latente dentro de mim

Na noite fica este aroma de nostalgia
Todos os ventos silenciam e a folhagem estanca
É tempo de solidão
Tempo de eternidades revolutas
É tempo de escrever novamente o teu nome nos muros
das casas do bairro
Psiu, psiu, menina dos olhos que apagam a luz,
meu coração precisa urgentemente
pegar, afagar, beijar tuas mãos,
como eu fazia, borboleta amarela namorando o jardim em plena primavera,
enquanto a vida tecia, à sorrelfa, a saudade
que ali adiante me esperaria

Um aperto no peito soa
e se esparrama como o teu cheiro se esparramava em mim
A lua dorme na relva de nuvens e não vem espiar os meus olhos lacrimejantes
Mas, eu canto
Cantarolo, só pra mim, a canção que te despia e te absolvia de todo pecado
Não importa se a canção traz de tão longe tanto beijo,
tanto latejo,
tanto roçar,
tanto desejo
tanta luta,
tanto suor,
tanto dedo,
tanta mão,
tantos ais,
tanta inocência
Eu canto pra tua ausência presente dentro de mim
Eu canto mesmo assim

O ar é só brincadeira dos pássaros meditando a manhã
Os pássaros trinam segredos azuis e brancas formosuras
Tudo como na primeira vez
Se houvesse o tempo

A cidade ressona
Um carro, boquirroto, se repete em seu som modorrento,
segue exausto o seu curso,
sem eira, nem beira,
doendo nas curvas metuendas e rascantes

Há plenitude no quase silêncio que alumbra
No indistinto silêncio efêmero estremunhando o mundo
No quase poema
No eterno dilema
entre pintar ou bordar com você
Com você, no nosso mundo, eu pintava e despintava
bordava e desbordava
beijava e desbeijava sua nudez de menina
e vadiava contigo até nossos desejos ficarem quietos e calados
e a taça borbulhante transbordasse de tesão
e o amor trouxesse o cansaço
e você dormisse em meu braço
o sono sem pecado da criação

Meu mundo,
assim percebido entre a noite elementar e o nada absoluto,
quieto como um furacão que se arma na vã placidez do passado,
pergunta, gesto ou tremor subentendido,
escondido
meu mundo, arquétipo involuído dos meus medos,
por um instante inebria-se em rumores e em travessos segredos
que confabulam palpitantes o que fui:
menino sem razão,
transido de liberdade,
que nunca vai morrer de coisa à toa
apaixonado pela menina da rua
embriagado pelos seus pulsares
e a noite que dorme nos teus olhos negros
Confabulam palpitantes o que sou:
um homem sonhando amores adolescentes na madrugada silente
buscando em meio ao negro da noite os olhos negros de Pingo
Pingo d'água, Pingo de amor, Pingo de fogo
Seria Pingo só por ser pingo de gente?

Pingo, passaram-se dias e noites,
alguns ficaram em retratos,
outros aos poucos enlouquecem,
andam em círculos,
escrevem cartas com canetas de tinta invisível
bebem saudades,
deglutem o tempo...
não sabem, querida, que o tempo não passa para o amor

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