sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Como entender os rumores das águas?

 
Como entender os rumores das águas
entornadas sob os barcos que trazem os ventos e as areias
trazem as tempestades e a sede dos desertos
águas procurando os prados em meio a bruma?

Como entender que apunhalam-me
em silêncio
com seus punhais enferrujados
comovidamente impiedosos
lanhando-me em nome de um mundo prosaico?

Tudo é tão volátil quando a gente chora
e as manhãs, escorrendo das madrugadas,
sobrepõem aurora após aurora

A vida é tão singular:
nascer, puxar a ponta do fio,
ir desembaraçando o fio,
desmanchando os nós,
sentindo, amando, sofrendo, perdendo-se
desesperada e incompetentemente
perdendo-se no giro da roca
pretensa e arrogantemente
achando que se achou
morrendo por que se vive
dentro do engodo do instante
sufocado pelas coisa mais ínfimas
pelas coisas mais íntimas
e quando se vê a hora já é distante
a vida adormeceu em meio ao burburinho
dos passos que subiam as escadas
tropeçando nos rumores das sombras
no murmurar da poeira

Como entender e desvelar esta alma sutil?
se a vida vagueia
ignara, amoral e estilhaçada
diletante e cega
por entre jardins que florescem
as tantas flores dos vícios
e manhãs que se fazem orvalho
com as lágrimas tangíveis dos desejos
fazem-se
torrão de terra
semente
colheita
premência
dissolução
mistério a pender do galho
onde a ferrugem corrói as horas
onde pousam pássaros
fugidos das arapucas
gaiolas
pousam na liberdade
das grades
da vida por divagar

Imagem: Christian Schloe

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