sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Não sou nada


Nasci chorando

E desde cedo achei que o mundo era estranho
Não o mundo exatamente
As pessoas
As pessoas eram estranhas
Com seus sorrisos amarelos apesar dos dentes alvíssimos
Com suas certezas arraigadas
Com seus orgulhos contemplando a demência
Com seus deslumbramentos cansativos e fúteis lambendo enormes egos
Com seus medos inviolados
Com seus passados que não passam nunca
Com suas impiedades cheias de frustrações e segredos indizíveis
Com suas casas caiadas olhando o passar do tempo
Com suas noites inquietas admoestando a existência
Com suas vidas resignadas
Com suas religiões fretadas a um deus do escambo e da usura
Com seus anjos e demônios,
céus e infernos
Com medo de uma derradeira morte
Com suas vontades insofismáveis de irem para o céu,
mas não querendo morrer
Rezando repetidas ave marias e pai nossos para purgar o mal
dos seus corações expulsos de um paraíso que se perdeu lubricamente
Mas a reza é apenas pró forma
diante da irreprimível tendência de repetir sempre os mesmos erros,
vivendo da sempre mesma luxúria
da insinceridade da intenção de corrigir-se
que um padre ou pastor mendicante ouvirá em nome de um deus
oferecendo linimento e salvação: Ide e pecai,
que nada é o bastante para a renuncia de deus

e, então, tal como a pedra, já não lhes dói outro dia

Hoje, exausto de tanto morrer a morte de todos os dias,
sei que não sou nada
e não sendo nada sei e/ou intuo que o diverso e estranho sou eu
que, insolente, apontava-lhes o dedo
não vendo o lobo
só enxergando a manada
deambulando na jaula das aparências
Não encontro par entre meus semelhantes
Ninguém diz meu nome
Ninguém sabe da minha fome
Erro e não tenho a quem suplicar linimento e paz
Deito e levanto com meus demônios,
cansaços e remorsos a me fustigarem
Diante do rosto fragilizado da dor
sinto os olhos marejarem
O que restou das horas emigraram da terra,
tornaram-se vendavais dessangrando o destino
Meus gestos resvalam a vida
Vislumbro outras possibilidades para a vida e para a morte
porém meus olhos estão desatentos
exaustos de mim
minha vontade, complacente
A mesa está posta
Vencida a fome
no chão restará poeira e migalhas
quando eu acabar de comer e me for
e submergir nos labirintos das humilhações

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