Hoje o meu retrato
é em branco e preto
e esqueceu meu nome
no fundo embaciado
de um espelho
vermelho
Hoje saio pra rua com
teu belo par de olhos
castanhos esverdeados
da cor do dia
tudo isto pra ver
se te via
Hoje escolhi a rima mais bobinha
sem saber ao certo
se a rima rima com tudo
se a rima não é ninguém
ontem te tinha ao meu lado
e você era meu bem
Hoje vasculho nos velhos baús
as palavras, os verbos, os pontos de exclamação
que guardei pra uma pessoa especial
como você
hoje coloco tudo na insônia do poema
e no suspiro que você lê
Ontem podia ser dois, quatro, dez ou dezoito,
não importava
o tempo era demorada nostalgia
quando eu te amava
e, agora, o amor é esta miragem vazia
our lifes and dreams
que a minha insegurança previa
Pressinto que a minha vida chegou um tanto antes de mim
e eu cheguei na tua vida quando já não era mais possível
tirar os pingos dos "is"
Se era pra ser assim...
Fim
Imagem: Peggy Miller
sábado, 31 de março de 2012
sexta-feira, 30 de março de 2012
Segredo
Meus olhos se aconchegam ao sonho
demorando a aprender o teu segredo,
na rosa que perfuma os teus caminhos
nas rútilas estrelas bordadas de prata
na seiva amara e nívea do teu pranto
ficaram a noite e a lua como encanto
Estranhos versos estes versos calados
feitos de saudades, de ontens ecoando
que de noite se alimentam dos medos
e de cheiros e de toques e da tua voz
quando choras e as lágrimas escorrem
pelo rosto pelo labirinto dos teus lábios
Quando meu medo enlaça meu segredo
me afogo em todos os cinco sentidos
e fico sozinho sonhando teus olhos no
castanho esverdeado do poema que tu
és sustentado por esta ausência que só
os momentos inocentes, entre a gente,
nas noites vem me ninar...
Hei!!!
você tá aí?
Por favor, olha pra mim!
me ouve!
Não devia te contar...
Eu tenho medo de amar.
Imagem: Barbara Burnside
demorando a aprender o teu segredo,
na rosa que perfuma os teus caminhos
nas rútilas estrelas bordadas de prata
na seiva amara e nívea do teu pranto
ficaram a noite e a lua como encanto
Estranhos versos estes versos calados
feitos de saudades, de ontens ecoando
que de noite se alimentam dos medos
e de cheiros e de toques e da tua voz
quando choras e as lágrimas escorrem
pelo rosto pelo labirinto dos teus lábios
Quando meu medo enlaça meu segredo
me afogo em todos os cinco sentidos
e fico sozinho sonhando teus olhos no
castanho esverdeado do poema que tu
és sustentado por esta ausência que só
os momentos inocentes, entre a gente,
nas noites vem me ninar...
Hei!!!
você tá aí?
Por favor, olha pra mim!
me ouve!
Não devia te contar...
Eu tenho medo de amar.
Imagem: Barbara Burnside
quinta-feira, 29 de março de 2012
Há um silêncio
Há um silêncio em tudo
na flor,
na noite,
na dor,
na sombra,
na vida,
nos olhos que erguem-se para olhar o mar
vagando em busca de palavras
que transformem o fim em rima
Há um silêncio em cada esquina
permeado de receios
e ternuras
escondidos no que não te disse
no que ficou por falar
e nossos olhos, poetas,
brincando no quadro-negro da noite ditosa
escreveram inicíos de versos em esperanto
"luno", "pace", "vojo", "vivi", "belega", "rigardi"
Enquanto no espaço imponderável do infinito dos versos
escrevemos, afinal, a palavra "fim"
na lenta manhã onde o azul doía dentro de mim
onde o gesto se exauria
Há um silêncio de trinta anos
numa praia de areias finas
num feriado qualquer
num fevereiro banal
carnaval
Há um silêncio retalhado no teu nome
no teu sobrenome polonês
que me ensinastes a dizer
quando te aninhavas em meu colo
e eu sussurrava ao teu ouvido
o amor que guardaria para o tempo impenetrável
sem desconfiar que somos personagens
nas auroras e nos crepúsculos da poesia que espera
e transforma o monólogo do destino em odes e barcarolas
Agora já não importa
o primeiro encontro
a surpresa
um mistério inopinado
silencioso
como esta ausência começada que bebi
junto com a formosura dos teus lábios
E tudo mais foi silêncio
quando o tempo engoliu o grito
na iniludível tarde
Houve um silêncio em tudo
resposta do eco ao qual me exponho
na seta inquebrantável do instante
entreabrindo
e fecundando o Infinito
na flor,
na noite,
na dor,
na sombra,
na vida,
nos olhos que erguem-se para olhar o mar
vagando em busca de palavras
que transformem o fim em rima
Há um silêncio em cada esquina
permeado de receios
e ternuras
escondidos no que não te disse
no que ficou por falar
e nossos olhos, poetas,
brincando no quadro-negro da noite ditosa
escreveram inicíos de versos em esperanto
"luno", "pace", "vojo", "vivi", "belega", "rigardi"
Enquanto no espaço imponderável do infinito dos versos
escrevemos, afinal, a palavra "fim"
na lenta manhã onde o azul doía dentro de mim
onde o gesto se exauria
Há um silêncio de trinta anos
numa praia de areias finas
num feriado qualquer
num fevereiro banal
carnaval
Há um silêncio retalhado no teu nome
no teu sobrenome polonês
que me ensinastes a dizer
quando te aninhavas em meu colo
e eu sussurrava ao teu ouvido
o amor que guardaria para o tempo impenetrável
sem desconfiar que somos personagens
nas auroras e nos crepúsculos da poesia que espera
e transforma o monólogo do destino em odes e barcarolas
Agora já não importa
o primeiro encontro
a surpresa
um mistério inopinado
silencioso
como esta ausência começada que bebi
junto com a formosura dos teus lábios
E tudo mais foi silêncio
quando o tempo engoliu o grito
na iniludível tarde
Houve um silêncio em tudo
resposta do eco ao qual me exponho
na seta inquebrantável do instante
entreabrindo
e fecundando o Infinito
terça-feira, 27 de março de 2012
Infinitude
É noite
A primeira noite de um outono ainda diáfano
de sensações inefáveis
pairando sobre os ruídos da rua
A solidão do friozinho vem quieta
na brisa
como pássaro migrando
O estridente silêncio da casa gira no ar
esvaído em ausência e infinitude
Há flores que desabrocham à noite
Eu nunca vi
Mas a centopéia do meu sentimento jura pelos céus
que há flores que desabrocham à noite
E eu fico me perguntando se na minha noite elas desabrocham também
Não sou nada e, no entanto,
quero flores desabrochando na minha noite
Imagem: Kristiana Pärn
A primeira noite de um outono ainda diáfano
de sensações inefáveis
pairando sobre os ruídos da rua
A solidão do friozinho vem quieta
na brisa
como pássaro migrando
O estridente silêncio da casa gira no ar
esvaído em ausência e infinitude
Há flores que desabrocham à noite
Eu nunca vi
Mas a centopéia do meu sentimento jura pelos céus
que há flores que desabrocham à noite
E eu fico me perguntando se na minha noite elas desabrocham também
Não sou nada e, no entanto,
quero flores desabrochando na minha noite
Imagem: Kristiana Pärn
Banal
Todos os séculos estão aqui, neste momento, com suas barbáries
e passam lentamente...
e se põem de pé
e se envenenam
dentro dos palacios
nas alcovas
sob o ar frio das manhãs geladas
sob os pinheiros ressequidos
da onde pendem os ninhos das raposas
Multidões aguardam sob os pinheiros cantando hinos às nações
Foi a revolução que não deu certo
ou foi o homem
que se fez inimigo diante da ignota
força humana sedimentada em glórias e ilusões?
Visões que espreitam nesta manhã de sol
silêncios imobilizados
da história
A revolução liberta ou só deambula entre os homens, nua,
cantando suavemente nas arcadas de uma "nova" submissão,
acendendo delírios, cegando o ardor funesto da paixão?
O homem, algoz disseminado num sucessivo matar desde a aurora,
definha entre entre a púrpura do tempo
e os desertos onde sempre há um rei para submetê-lo ao rogo
e a vassalagem
O frio aço da espada e, mais recôndito, o frio aço da palavra
domina-lhe o ânimo taciturno
E ao cair da noite a lua cheia permeia a vida e o engano
nisto que Dante brandamente chamou de "Inferno"
Em silêncio vislumbro a dor que dorme petrificado na neblina
que se escoa por entre as pedras do castelo dos milênios
A urdidura dos impérios aos domingos também vai às missas e cultos
Os Deuses confortam e oprimem, aqui e ali, conforme se ergam as mãos
em desespero, em gratidão ou em fria admoestação
É outono!!!
A natureza tende à perfeição
A praia move-se ao longe...
regressando sempre
trazendo consigo os barcos para ancorar em seus portos minimalistas
Os passáros, no céu, tendem à eternidade diante de meus olhos
numa cumplicidade azul
A vida que aninha-se sobre os versos que secaram com as folhas e que já cairam dos galhos
prepara, com os olhos desinteressados pelo passado, o templo do novo dia
enquanto os homens vão se dizimando num tédio
imponderável e inexorável
intolerantemente
A guerra diz o que somos?
Mata-se...
Mata-se desde sempre
Em nome de um Deus
Sob a estultice de uma idéia
Para defender a causa nobre
Retalho da pobreza e da dor que a chuva de ogivas recrudescerá
Mata-se com honras de heróis nas guerras
frias, quentes ou mornas
Nas guerras santas ou satanizadas
Guerra dos cem anos,
púnicas,
medicas
guerras, guerras, guerras...
guerras sem nome
No chão que eu piso cadáveres resfolegam,
me espreitam com seus olhos de milênios
soando seus arcabuzes e suas espadas
gritando imprecações contra a vida turva que se perdeu sem alarde,
sem adeus ou rituais
sem o vermelho de uma rosa
somente o cheiro do escuro queimado pela pólvora ou pelo aço
num estampido ressoando na manhã medieval,
impudica, sádica e insolente
Pobre homem para quem o grito não cessa,
não comove,
não ecoa do passado e,
sobretudo,
não o desperta do sono
onde ainda ouve-se a ira ensandecida
da sifonia macabra
da sua alma cega e surda,
triste refúgio do nada
Agora,
além do outono e seus sofismas,
é madrugada
A vida dorme
A natureza recende o encanto e o perfume das flores noturnas
O homem...
maquina o seu próximo crime
a próxima invasão
o próximo ataque
o próximo alvo
envolto pela bandeira nacional
A morte, assim, ufana
A morte, assim, faz menos males?
Morrer pela mão do tédio alheio é tão fácil,
tão triste
Morrer, assim, á tão banal
e passam lentamente...
e se põem de pé
e se envenenam
dentro dos palacios
nas alcovas
sob o ar frio das manhãs geladas
sob os pinheiros ressequidos
da onde pendem os ninhos das raposas
Multidões aguardam sob os pinheiros cantando hinos às nações
Foi a revolução que não deu certo
ou foi o homem
que se fez inimigo diante da ignota
força humana sedimentada em glórias e ilusões?
Visões que espreitam nesta manhã de sol
silêncios imobilizados
da história
A revolução liberta ou só deambula entre os homens, nua,
cantando suavemente nas arcadas de uma "nova" submissão,
acendendo delírios, cegando o ardor funesto da paixão?
O homem, algoz disseminado num sucessivo matar desde a aurora,
definha entre entre a púrpura do tempo
e os desertos onde sempre há um rei para submetê-lo ao rogo
e a vassalagem
O frio aço da espada e, mais recôndito, o frio aço da palavra
domina-lhe o ânimo taciturno
E ao cair da noite a lua cheia permeia a vida e o engano
nisto que Dante brandamente chamou de "Inferno"
Em silêncio vislumbro a dor que dorme petrificado na neblina
que se escoa por entre as pedras do castelo dos milênios
A urdidura dos impérios aos domingos também vai às missas e cultos
Os Deuses confortam e oprimem, aqui e ali, conforme se ergam as mãos
em desespero, em gratidão ou em fria admoestação
É outono!!!
A natureza tende à perfeição
A praia move-se ao longe...
regressando sempre
trazendo consigo os barcos para ancorar em seus portos minimalistas
Os passáros, no céu, tendem à eternidade diante de meus olhos
numa cumplicidade azul
A vida que aninha-se sobre os versos que secaram com as folhas e que já cairam dos galhos
prepara, com os olhos desinteressados pelo passado, o templo do novo dia
enquanto os homens vão se dizimando num tédio
imponderável e inexorável
intolerantemente
A guerra diz o que somos?
Mata-se...
Mata-se desde sempre
Em nome de um Deus
Sob a estultice de uma idéia
Para defender a causa nobre
Retalho da pobreza e da dor que a chuva de ogivas recrudescerá
Mata-se com honras de heróis nas guerras
frias, quentes ou mornas
Nas guerras santas ou satanizadas
Guerra dos cem anos,
púnicas,
medicas
guerras, guerras, guerras...
guerras sem nome
No chão que eu piso cadáveres resfolegam,
me espreitam com seus olhos de milênios
soando seus arcabuzes e suas espadas
gritando imprecações contra a vida turva que se perdeu sem alarde,
sem adeus ou rituais
sem o vermelho de uma rosa
somente o cheiro do escuro queimado pela pólvora ou pelo aço
num estampido ressoando na manhã medieval,
impudica, sádica e insolente
Pobre homem para quem o grito não cessa,
não comove,
não ecoa do passado e,
sobretudo,
não o desperta do sono
onde ainda ouve-se a ira ensandecida
da sifonia macabra
da sua alma cega e surda,
triste refúgio do nada
Agora,
além do outono e seus sofismas,
é madrugada
A vida dorme
A natureza recende o encanto e o perfume das flores noturnas
O homem...
maquina o seu próximo crime
a próxima invasão
o próximo ataque
o próximo alvo
envolto pela bandeira nacional
A morte, assim, ufana
A morte, assim, faz menos males?
Morrer pela mão do tédio alheio é tão fácil,
tão triste
Morrer, assim, á tão banal
segunda-feira, 26 de março de 2012
Ninguém
E se seu fosse outro
e não este
que cultiva na eternidade dos dias
perdas e danos tão banais
calúnias,
difamações,
desafetos,
sortilégios,
palavras nem sempre maduras,
as que me dizem,
as que não escrevo,
algumas de eternidade
poucas, bem poucas, as de eternidade
no mais das vezes é sempre o rame-rame rasteiro
o dá-me João a casinha
prelúdio para a canção estéril e monótona das cobiças corriqueiras
nunca,
nunca o que disseram de mim foi demais
E se eu fosse outro
e não este
que chora diante do poema
no qual me distraio e vejo Deus nas entrelinhas
e decomponho o céu
estrelinha por estrelinha
sentindo falta de uma noite na Rua que era Maria
onde a poesia não dormia
e entre os meus braços sonhava sonhos de heróis e vilões
com capas de gabardina roubada aos guarda-chuvas
e espadas de natais
E se eu fosse outro
e não este
que cala quando devia falar,
que fala quando devia calar,
a voz avara,
insaciável,
a voz desabitada,
orfã da verdade,
a voz,
encabulada,
se aquieta
morrendo dentro do que eu não escrevi
implora ante aos meus lábios
artes
fatos
sussuros
coisas outras que eu não vivi
pede a farsa
vestigio de estórias
se desfazendo e se refazendo na maledicência
das pedras dos séculos
E se eu não fosse outro
nem este
e se eu fosse ninguém
e ninguém tivesse razão
e ninguém morresse de tudo
morresse do enigma de estar vivo
numa ignorada direção onde os ventos
trouxessem tardes purpúreas
onde ninguém volta-se para si mesmo
esboroando-se tímido e compassivo
E se não fosse ninguém
nem um outro
se fosse só mascara e persona
dentro de algum espelho focal
imagem inacabada do amor
e da solidão quixotesca, insolente,
enfrentando moinhos de vento no meu quintal
Não,
não sei quem fui
ou quem sou
algo em mim ainda não nasceu
algo em mim espera (há anos, há décadas ou
séculos?)
alguém em mim me esqueceu
na infância
por entre o abacateiro e o galinheiro tão lentos
que ainda hoje passam na minha vida
olho para o céu e ainda vejo o mesmo céu de 1971
com suas estrelas do primeiro dia da criação
e os olhos negros de Pingo
e a sua doçura tão doce
que se arraigou em mim com seu carinho
de verão
e suas chuvas às quatro e meia da tarde
ficou em mim com seu jeitinho
e um inefável amor de verdade
Me esforço pra ser o que não sou
(pareço)
Procuro em mim algum fio de meada
(começo)
Com as mesmas palavras de um domingo de 1976
eu tento me iludir com esta voz antiga e longínqua
(recomeço)
Entre os meus versos falam de mim este e aquele outro
(desconheço)
Entro os sonhos, feitos de minúcias, a me devorar
(padeço)
De manhã levo meus folguedos de criança para tomar sol
como se a vida que tivesse passado não fosse a minha
(esmo(r)reço)
À tardinha o mundo me encara com duas pedras na mão
(mereço)
Não me interessa o mistério que permeia os aromas da minha falsa versâo
(esqueço)
Envolto no pasmo diante da vida que se acabará apascentada das minhas ilusões
(feneço)
Diante do imponderável do último dia ainda oponho resistência
(estremeço)
Aguardo...
Aguardo não o último dia, mas o próximo instante
e se ele vier
far-se-a luz na minha ignota escuridão
e me reinventarei num poema
serei outro
serei este
serei, intimamente, ninguém
Imagem: Alfred Gockel
e não este
que cultiva na eternidade dos dias
perdas e danos tão banais
calúnias,
difamações,
desafetos,
sortilégios,
palavras nem sempre maduras,
as que me dizem,
as que não escrevo,
algumas de eternidade
poucas, bem poucas, as de eternidade
no mais das vezes é sempre o rame-rame rasteiro
o dá-me João a casinha
prelúdio para a canção estéril e monótona das cobiças corriqueiras
nunca,
nunca o que disseram de mim foi demais
E se eu fosse outro
e não este
que chora diante do poema
no qual me distraio e vejo Deus nas entrelinhas
e decomponho o céu
estrelinha por estrelinha
sentindo falta de uma noite na Rua que era Maria
onde a poesia não dormia
e entre os meus braços sonhava sonhos de heróis e vilões
com capas de gabardina roubada aos guarda-chuvas
e espadas de natais
E se eu fosse outro
e não este
que cala quando devia falar,
que fala quando devia calar,
a voz avara,
insaciável,
a voz desabitada,
orfã da verdade,
a voz,
encabulada,
se aquieta
morrendo dentro do que eu não escrevi
implora ante aos meus lábios
artes
fatos
sussuros
coisas outras que eu não vivi
pede a farsa
vestigio de estórias
se desfazendo e se refazendo na maledicência
das pedras dos séculos
E se eu não fosse outro
nem este
e se eu fosse ninguém
e ninguém tivesse razão
e ninguém morresse de tudo
morresse do enigma de estar vivo
numa ignorada direção onde os ventos
trouxessem tardes purpúreas
onde ninguém volta-se para si mesmo
esboroando-se tímido e compassivo
E se não fosse ninguém
nem um outro
se fosse só mascara e persona
dentro de algum espelho focal
imagem inacabada do amor
e da solidão quixotesca, insolente,
enfrentando moinhos de vento no meu quintal
Não,
não sei quem fui
ou quem sou
algo em mim ainda não nasceu
algo em mim espera (há anos, há décadas ou
séculos?)
alguém em mim me esqueceu
na infância
por entre o abacateiro e o galinheiro tão lentos
que ainda hoje passam na minha vida
olho para o céu e ainda vejo o mesmo céu de 1971
com suas estrelas do primeiro dia da criação
e os olhos negros de Pingo
e a sua doçura tão doce
que se arraigou em mim com seu carinho
de verão
e suas chuvas às quatro e meia da tarde
ficou em mim com seu jeitinho
e um inefável amor de verdade
Me esforço pra ser o que não sou
(pareço)
Procuro em mim algum fio de meada
(começo)
Com as mesmas palavras de um domingo de 1976
eu tento me iludir com esta voz antiga e longínqua
(recomeço)
Entre os meus versos falam de mim este e aquele outro
(desconheço)
Entro os sonhos, feitos de minúcias, a me devorar
(padeço)
De manhã levo meus folguedos de criança para tomar sol
como se a vida que tivesse passado não fosse a minha
(esmo(r)reço)
À tardinha o mundo me encara com duas pedras na mão
(mereço)
Não me interessa o mistério que permeia os aromas da minha falsa versâo
(esqueço)
Envolto no pasmo diante da vida que se acabará apascentada das minhas ilusões
(feneço)
Diante do imponderável do último dia ainda oponho resistência
(estremeço)
Aguardo...
Aguardo não o último dia, mas o próximo instante
e se ele vier
far-se-a luz na minha ignota escuridão
e me reinventarei num poema
serei outro
serei este
serei, intimamente, ninguém
Imagem: Alfred Gockel
domingo, 25 de março de 2012
Chuva
De novo a chuva
miudinha
A chuva miudinha que quase nem faz barulho quando cai
A chuva miudinha que nem cai
Vem deslizando como mãos percorrem os corpos
Apenas carinhos onde me iludo
Por que não ouço
Sou surdo
À inaudível canção das ranhuras das gotículas nas janelas
Das gotículas dissolvendo-se no ar
Uma chuva de mentira
Uma chuva meretriz
Que cobra o michê da vida
Bordejando a lua cheia
Esgueirando-se pelas ameias
Chove a chuva miudinha sem som
Como quem ouve uma lembrança
Dos telhados da infância
Do quintal onde os antúrios
Namoravam as rosas
Fazendo ciúmes aos cravos
Molhando e misturando as cores
Para que o arco-íris se fizesse
Distraindo os meus olhos
Com cores quase de abril
Outonais
Utópicas
Desatentas
E, desatento,
Procuro um dogma que me diga
Que a chuva não cairá antes que
o sono me deite e me ponha a
assuntar a chuva miudinha a cair
Chuva miudinha que
com seu tlim-tlim-tlim sublime
umedece os olhos negros da noite
com ausência e versos de um poema
que nunca vai morrer
A chuva que não cai
Quieta
Enternecida
Arabescos transparentes
Rasura do dia
E da poesia
Que me espera
E/ter/na/mente
miudinha
A chuva miudinha que quase nem faz barulho quando cai
A chuva miudinha que nem cai
Vem deslizando como mãos percorrem os corpos
Apenas carinhos onde me iludo
Por que não ouço
Sou surdo
À inaudível canção das ranhuras das gotículas nas janelas
Das gotículas dissolvendo-se no ar
Uma chuva de mentira
Uma chuva meretriz
Que cobra o michê da vida
Bordejando a lua cheia
Esgueirando-se pelas ameias
Chove a chuva miudinha sem som
Como quem ouve uma lembrança
Dos telhados da infância
Do quintal onde os antúrios
Namoravam as rosas
Fazendo ciúmes aos cravos
Molhando e misturando as cores
Para que o arco-íris se fizesse
Distraindo os meus olhos
Com cores quase de abril
Outonais
Utópicas
Desatentas
E, desatento,
Procuro um dogma que me diga
Que a chuva não cairá antes que
o sono me deite e me ponha a
assuntar a chuva miudinha a cair
Chuva miudinha que
com seu tlim-tlim-tlim sublime
umedece os olhos negros da noite
com ausência e versos de um poema
que nunca vai morrer
A chuva que não cai
Quieta
Enternecida
Arabescos transparentes
Rasura do dia
E da poesia
Que me espera
E/ter/na/mente
sexta-feira, 23 de março de 2012
Independente de ti
Independente de ti (há) poesia
nos cantos aflitos da casa
na insensatez do tempo que simula passar desnudo
na noite que desconhece o tremor amorfo das minhas mãos
Independente de ti (a) poesia
dorme imberbe em praias verdes
em noites de rosas azuis tremeluzentes
e se derrama em auroras castas de medos e segredos
Independente de ti (sou) poesia
no afeto que ficou comigo quando soltei tua mão
no dia que fostes embora da poesia que eu li
sem uma palavra que sobrepujasse o sonho esquecido nas folhas soltas de nós
Independente de ti (fiz) poesia
com as emoções mais banais
com a dor que ainda doía
em branco e preto,
como o retrato de uma dor muito antiga
esquecida nos séculos
algaraviando o livro branco da vida
Independente de ti (quis) poesia
na sede do dia-a-dia
na minha palavra calada
quis a luz à escuridão
quis a poesia das mil e uma noites
nos olhos acesos de um oceano de Brueghel
nos velames e vazas da Nau Catarineta
quis a poesia sem volta e sem véu
quis a anacronia do céu
quis a vida tecida ao fio rubro das tardes
quis a saliva da vida
vislumbrei o hieróglifo dos poemas desfeitos
do que eu ainda diria
seria apenas mais um tremor entre os meus tantos tremores?
seria poesia?
seria o vermelho de um beijo no espelho frio...
...e mais nada?
Imagem: Peter Bell
nos cantos aflitos da casa
na insensatez do tempo que simula passar desnudo
na noite que desconhece o tremor amorfo das minhas mãos
Independente de ti (a) poesia
dorme imberbe em praias verdes
em noites de rosas azuis tremeluzentes
e se derrama em auroras castas de medos e segredos
Independente de ti (sou) poesia
no afeto que ficou comigo quando soltei tua mão
no dia que fostes embora da poesia que eu li
sem uma palavra que sobrepujasse o sonho esquecido nas folhas soltas de nós
Independente de ti (fiz) poesia
com as emoções mais banais
com a dor que ainda doía
em branco e preto,
como o retrato de uma dor muito antiga
esquecida nos séculos
algaraviando o livro branco da vida
Independente de ti (quis) poesia
na sede do dia-a-dia
na minha palavra calada
quis a luz à escuridão
quis a poesia das mil e uma noites
nos olhos acesos de um oceano de Brueghel
nos velames e vazas da Nau Catarineta
quis a poesia sem volta e sem véu
quis a anacronia do céu
quis a vida tecida ao fio rubro das tardes
quis a saliva da vida
vislumbrei o hieróglifo dos poemas desfeitos
do que eu ainda diria
seria apenas mais um tremor entre os meus tantos tremores?
seria poesia?
seria o vermelho de um beijo no espelho frio...
...e mais nada?
Imagem: Peter Bell
quarta-feira, 21 de março de 2012
Outono
Querida amiga,
aos ventos deste mês de março
neste primeiro e lindo dia de outono
onde a luz do sol colhe uma flor canora e bela pra te dar
neste primeiro e lindo dia de outono que não se pode aprisionar
entre azuis madrigais e arpejos de estações aladas
a poesia se sacia entre/mentes
Enquanto no final da tarde
os pássaros voltando pros ninhos
uns em bandos
outros sozinhos
fazem da vida solidão
um inverno
os fragmentos de uma noite
ou será mera ilusão?
folha seca
vento inerte
gesto mudo
em tua mão
Alguém pergunta se queres
viver as garatujas do passado?
se queres ser a personagem que alguém te atribuiu?
se queres arder na fogueira onde queima tua agonia?
A cadência rotineira das folhas caídas pela manhã acende os dias
acende as consciências
nas cúmplices madrugadas eloqüentes
de voz doce e macia
onde o trova/dor
em silêncio
solidário
cala
um poema solitário
pungente
prenhe
de sonhos
insone
insano
ingente
por mil razões escondido
sob pedras na correnteza
de um rio
que verseja silente
este outono poesia
que deita
folhas secas dentro da gente
aos ventos deste mês de março
neste primeiro e lindo dia de outono
onde a luz do sol colhe uma flor canora e bela pra te dar
neste primeiro e lindo dia de outono que não se pode aprisionar
entre azuis madrigais e arpejos de estações aladas
a poesia se sacia entre/mentes
Enquanto no final da tarde
os pássaros voltando pros ninhos
uns em bandos
outros sozinhos
fazem da vida solidão
um inverno
os fragmentos de uma noite
ou será mera ilusão?
folha seca
vento inerte
gesto mudo
em tua mão
Alguém pergunta se queres
viver as garatujas do passado?
se queres ser a personagem que alguém te atribuiu?
se queres arder na fogueira onde queima tua agonia?
A cadência rotineira das folhas caídas pela manhã acende os dias
acende as consciências
nas cúmplices madrugadas eloqüentes
de voz doce e macia
onde o trova/dor
em silêncio
solidário
cala
um poema solitário
pungente
prenhe
de sonhos
insone
insano
ingente
por mil razões escondido
sob pedras na correnteza
de um rio
que verseja silente
este outono poesia
que deita
folhas secas dentro da gente
domingo, 18 de março de 2012
Poema manuscrito
Semeia as tuas palavras
pequenos grãos
de uma poesia
tão só
tão tua
soando
a silêncio
de uns olhos castanhos
esverdeados
Ausentes
Noturnos
Ígneos
Amoráveis
Lindos
Estetas
Prismas
Poéticos
nuas
e úmidas
as palavras
matam
nossa sede
pendendo
uma
a
uma
da espuma
da nossa ânsia
onde
o tempo
cai
sem resposta
só
o
silêncio
a gota de orvalho
o acaso
entendem
o que eu não sei
te dizer
o abraço
singelo
e premente
que não te dei
o beijo
que se perdeu
nos campos
ingênuos
para além do rio
e do labirinto
inquieto
das lembranças
na tua cama
o silêncio
infindo
é
um poema
manuscrito
no teu corpo
não declamado
sem voz
um poema
que ficou
ecoando
no grito inócuo
ecoando
nos espelhos quebrados
do dia a dia
que nos traduzirá
dentro em breve
dizendo
o reflexo
aflito
do quanto não somos
inconscientes
que estamos
da nossa irredutível
evanescência
ígnea
Poetisa, lança teu poema à terra
deita teus olhos entre as estrelas
esvazia a tua taça
e embebeda de sonhos
a tua alma menina
Dá-me teu pé
para o beijo
disse à flor o jardim
flertando
com a incompletude
da evolação
da vida
e seu velho tema
pequenos grãos
de uma poesia
tão só
tão tua
soando
a silêncio
de uns olhos castanhos
esverdeados
Ausentes
Noturnos
Ígneos
Amoráveis
Lindos
Estetas
Prismas
Poéticos
nuas
e úmidas
as palavras
matam
nossa sede
pendendo
uma
a
uma
da espuma
da nossa ânsia
onde
o tempo
cai
sem resposta
só
o
silêncio
a gota de orvalho
o acaso
entendem
o que eu não sei
te dizer
o abraço
singelo
e premente
que não te dei
o beijo
que se perdeu
nos campos
ingênuos
para além do rio
e do labirinto
inquieto
das lembranças
na tua cama
o silêncio
infindo
é
um poema
manuscrito
no teu corpo
não declamado
sem voz
um poema
que ficou
ecoando
no grito inócuo
ecoando
nos espelhos quebrados
do dia a dia
que nos traduzirá
dentro em breve
dizendo
o reflexo
aflito
do quanto não somos
inconscientes
que estamos
da nossa irredutível
evanescência
ígnea
Poetisa, lança teu poema à terra
deita teus olhos entre as estrelas
esvazia a tua taça
e embebeda de sonhos
a tua alma menina
Dá-me teu pé
para o beijo
disse à flor o jardim
flertando
com a incompletude
da evolação
da vida
e seu velho tema
sábado, 17 de março de 2012
Silêncios
Ania, ouve
é o silêncio
estará sozinho?
pega o papel
a caneta
ouve
nas dobras
das horas
a quietude
da noite
desenha
tuas palavras
bonitas
pra eu ler
nosso silêncio
inefável
a nossa voz
incompleta
a ausêndia
queimando aos poucos
os nosso passos
que ainda não partiram
poemas são como
abraços
não precisam de voz
só precisam de nós
para afagar
c carícia esquecida
no gesto
nas palavras
mudas
fortes
delicadas
guardadas nos lábios
presas na escuridão
Ania,
escreve
tuas palavras
dentro
do meu coração?
é o silêncio
estará sozinho?
pega o papel
a caneta
ouve
nas dobras
das horas
a quietude
da noite
desenha
tuas palavras
bonitas
pra eu ler
nosso silêncio
inefável
a nossa voz
incompleta
a ausêndia
queimando aos poucos
os nosso passos
que ainda não partiram
poemas são como
abraços
não precisam de voz
só precisam de nós
para afagar
c carícia esquecida
no gesto
nas palavras
mudas
fortes
delicadas
guardadas nos lábios
presas na escuridão
escreve
tuas palavras
dentro
do meu coração?
quinta-feira, 15 de março de 2012
Poema aberto
Pela noite colorida
incendiada
pelos olhos verdes
da lua
pelo poema aberto
à deriva
pela fogueira rubra
da solidão
perpassa o perfume
do teu nome
o perfume distraído
do teu colo
pudesse eu olhar os
teus olhos
naus do antigo porto
indistinto
olhos que espero e que
não chegam
espero os teus lábios
doces de afeto
espero a manhã para
acordar tua nudez
uma manhã distante
inacabada
a manhã que deita
sobre nós
sussurando poesia
que florescerá
sobre o branco
sobre a silhueta do
dia
(Ania Poesia)
incendiada
pelos olhos verdes
da lua
pelo poema aberto
à deriva
pela fogueira rubra
da solidão
perpassa o perfume
do teu nome
o perfume distraído
do teu colo
pudesse eu olhar os
teus olhos
naus do antigo porto
indistinto
olhos que espero e que
não chegam
espero os teus lábios
doces de afeto
espero a manhã para
acordar tua nudez
uma manhã distante
inacabada
a manhã que deita
sobre nós
sussurando poesia
que florescerá
sobre o branco
sobre a silhueta do
dia
(Ania Poesia)
quarta-feira, 14 de março de 2012
Poema III (para Ania)
Nossas palavras e gestos tão
quietos
Nossos olhos que adormecem nas tardes como os
girassóis
Nossos lábios que dizem sílabas e sons
solitários
Nosso peito a pulsar dentro de versos lindos, meigos
e tristes
como o pungente olhar perdido nas fogueiras acesas
no meio da noite
queimando a vida
logrando enganar as lágrimas
tão só nossos estes soluços
Nossas mãos singelamente entrelaçadas sobre
o nada
Nossos pés a caminhar pelo momento que
escorre
e que me levou até você
e que te trouxe pra mim
Nossa capacidade de acalanto esquecida entre nossos medos e
a eterna sombra
Nossa sede de encantamento e do passo pro abismo inelutável
que é a vida
Por tudo isto, Ania
Te encontrar, amiga minha, nesta tênue esquina do tempo
de memórias furtivas
onde descansam meus sapatos de nuvens
onde passo a limpo meus sonhos de outrora
sonhos onde me escondo desde criança
te encontrar foi encontrar estes tantos sonhos na noite
terna
doce lembrança
onde a diáfana luz da lua iluminava teus olhos esverdeados de
menina
O minuano, cingido aos teus cabelos,
deita à madrugada perfumes de roseirais
Me diz, Ania, me diz, em quantos outros milênios brevissímos já nos
encontramos?
E por quanto tempo vivemos a solidão inacessível da primeira
estrela?
Os dias e os anos caindo gota à gota sobre as nossas pálpebras
cerradas
sobre a nossa espera
num monótono ping-ping
lavando a mudez do eco luzindo na madrugada
Ania, que importam as estrelas se não vejo os teus olhos
na infinda amplidão dos campos de trigo?
Verdes castanhos
Verdes cativos
Como a haste do trigo que ainda não maturou
Teus olhos são o princípio da saudade que eu sinto ontem
e que me leva pelas linhas inconstantes da tua boca ternura
bruma
somente
E se a saudade tem teu nome brincando no meio da rua
pés descalços
vestido de alcinhas?
E se é flor o teu nome?
Olhos de jade, as saudades se enchem com as nossa lágrimas
Ania, deita-te aqui no meu peito
Vem ouvir tanto luar
de uma noite que mora e medita na minha melancolia
nascida da tristeza nos olhos da ensimesmada avozinha
que me diz de sombras e véus do passado que os pássaros
trarão
Ai de mim, Ania, que sou só lembranças
dos tempos que ainda virão
Imagem: Rosely Siebert
quietos
Nossos olhos que adormecem nas tardes como os
girassóis
Nossos lábios que dizem sílabas e sons
solitários
Nosso peito a pulsar dentro de versos lindos, meigos
e tristes
como o pungente olhar perdido nas fogueiras acesas
no meio da noite
queimando a vida
logrando enganar as lágrimas
tão só nossos estes soluços
Nossas mãos singelamente entrelaçadas sobre
o nada
Nossos pés a caminhar pelo momento que
escorre
e que me levou até você
e que te trouxe pra mim
Nossa capacidade de acalanto esquecida entre nossos medos e
a eterna sombra
Nossa sede de encantamento e do passo pro abismo inelutável
que é a vida
Por tudo isto, Ania
Te encontrar, amiga minha, nesta tênue esquina do tempo
de memórias furtivas
onde descansam meus sapatos de nuvens
onde passo a limpo meus sonhos de outrora
sonhos onde me escondo desde criança
te encontrar foi encontrar estes tantos sonhos na noite
terna
doce lembrança
onde a diáfana luz da lua iluminava teus olhos esverdeados de
menina
O minuano, cingido aos teus cabelos,
deita à madrugada perfumes de roseirais
Me diz, Ania, me diz, em quantos outros milênios brevissímos já nos
encontramos?
E por quanto tempo vivemos a solidão inacessível da primeira
estrela?
Os dias e os anos caindo gota à gota sobre as nossas pálpebras
cerradas
sobre a nossa espera
num monótono ping-ping
lavando a mudez do eco luzindo na madrugada
Ania, que importam as estrelas se não vejo os teus olhos
na infinda amplidão dos campos de trigo?
Verdes castanhos
Verdes cativos
Como a haste do trigo que ainda não maturou
Teus olhos são o princípio da saudade que eu sinto ontem
e que me leva pelas linhas inconstantes da tua boca ternura
bruma
somente
E se a saudade tem teu nome brincando no meio da rua
pés descalços
vestido de alcinhas?
E se é flor o teu nome?
Olhos de jade, as saudades se enchem com as nossa lágrimas
Ania, deita-te aqui no meu peito
Vem ouvir tanto luar
de uma noite que mora e medita na minha melancolia
nascida da tristeza nos olhos da ensimesmada avozinha
que me diz de sombras e véus do passado que os pássaros
trarão
Ai de mim, Ania, que sou só lembranças
dos tempos que ainda virão
Imagem: Rosely Siebert
terça-feira, 13 de março de 2012
Algumas vogais
Um dia destes
quando os rios
retorcidos
talhados em brasa
passarem à tua porta
desenhando poemas
eternamente vadios
nas folhas secas
de um outono
saido dos teus pincéis
lembra que meus olhos
ainda não te viram
e tudo que fazem é sonhar-te
Vê, Ania, que o vento leva
pra longe o que eu escrevo
o que me escreves
Sabes, Ania,
nos rios morrem os portos
morre um céu que humanamente
anoitece
morrem os sonhos
que o tempo não soube tramar
Ania, Ania,
teu nome me chama rindo
da minha noite mal dormida
Tua poesia fica um tempo
me olhando
como os olhos de Deus
como os olhos da vida
saudosamente
leves
eternos
como os teus versos
doce poetisa
quando os rios
retorcidos
talhados em brasa
passarem à tua porta
desenhando poemas
eternamente vadios
nas folhas secas
de um outono
saido dos teus pincéis
lembra que meus olhos
ainda não te viram
e tudo que fazem é sonhar-te
Vê, Ania, que o vento leva
pra longe o que eu escrevo
o que me escreves
Sabes, Ania,
nos rios morrem os portos
morre um céu que humanamente
anoitece
morrem os sonhos
que o tempo não soube tramar
Ania, Ania,
teu nome me chama rindo
da minha noite mal dormida
Tua poesia fica um tempo
me olhando
como os olhos de Deus
como os olhos da vida
saudosamente
leves
eternos
como os teus versos
doce poetisa
segunda-feira, 12 de março de 2012
Elegia
Houve tempo em que eu voava
E não era poéticamente que eu voava
Que quando eu voava eu nem sabia o que era poesia
Que o meu vôo era a poesia
Que aquela criança estranha que voava era poesia
Hoje eu pressinto que era assim
Que a poesia nos olha com um olhar inefável da criança que fomos
Ou que continuamos a ser
Apesar desta luz artificial esvaindo-se lentamente da lâmpada leitosa e fria
E que é pelos olhos da poesia que o mundo começa a fazer sentido
Só que naquele eu tempo eu não sabia
Naquele tempo o mais espetaculoso que eu fazia era voar
Não era sempre que eu voava
Era de vez em quando
À noite
Eu só voava à noite
Não me pergunte por quê
Lá em casa tinha um destes baús enormes
De alças nas laterais onde pode-se guardar desde roupas
Caraminholas, leviatãs, pente de cabelo, recordações
A faixa branca da primeira comunhão, o medo da danação
Até os sonhos, que aparentemente, não nos servem mais
Pois bem, nas noites em que me dava na veneta de voar
Minha rampa de lançamento era este baú
Era de cima do baú que que me projetava ao espaço
E voava
Voava inequivocamente
Como só pode e sabe voar um pirralho informe
Que nasceu comendo barro
E que sai do barro pra dentro das mãos de um céu de escura moldura
Pintalgado de estrelas azulzinhas como uma prece
E era lindo ver o bairro dormindo
Com suas ruas embaralhadas e amarelecidas pelas luzes nos postes afogados pela luz da lua
Eu gostava de ver lá de cima as luzes dos postes
Aquelas carreiras de pontinhos amarelos como velas acesas olhando a lua passar
Na noite dispersa
Na hora extrema das casas
Assimétricas
Repousando na noite quieta
Onde repousam os passos que carregam os dias pra lá e pra cá
A casa da dona Luiza
De tijolo à vista (não por estética, mas, sim, por falta de dinheiro para acabar a construção)
Com seu quintal encantado
Suas árvores frutíferas
As galinhas
Seu encantado porão onde moravam mistérios
Clandestinos fantasmas
Que habitavam o porão naquele mundo impálpavel
A casa de dona Luiza era, para nós crianças, o verdeiro Caminho Suave para o Egito e a Babilônia
Via, também, a coberto das nuvens mais baixas, a casa de dona Rosa
Que era um luxo pra mim e pras minhas carências de quase tudo
Casa grande de vários quartos
Tinha tv... planta carnívora a nos atrair para a sua cilada
Os móveis... vários e donos de tantos sonhos riscados a dedo na lama depois das chuvas
Mas, nemhum era páreo para o relógio cuco
De cima das minhas chinelas quase sempre em frangalhos
Eu ficava, estático, olhando o cuco marcar as horas
O meu mundo suspenso diante daquele som de bronze: cuco, cuco, cuco...
Lá de cima dava até pra ver a minha casa
Pequenina e irreparavelmente hermética na sua impotência de nos fazer parar de rir
Antes do choro convulso diante de mais uma criança debruçada sobre os olhos úmidos da dor
Enorme e inesquecível como são os sonhos e as esperanças de uma criança que voa
E que tem bolinhas de gude e piões no lugar do coração
A minha casa era de uma pobreza inata e devidamente atestada pelo poder público
Ou pelo público poder
Dá na mesma
Miséria não escolhe burocracias
Pode-se dizer que é fruto da mesma
Mas isto não vem ao caso
Estou voando
E quando vôo o mundo é perfeito
Não há misérias nem tristezas que me tire das alturas
Há só o silêncio noturno do vento passando em volta
Dos redemoinhos da minha infância
Um adjetivo que veio atraido pela luz dos postes lá embaixo
Me acompanha por um bom pedaço do vôo: deslumbrado...
Eu e ele
Pairando sobre as vidas
E dissolvendo com as mãos lançadas a frente a frágil escuridão solitária da madrugada
Em mim persiste a lembrança de ver lá de cima o campinho de futebol
Tão tranquilo em sua prateada geometria
Da onde se desprende um grito de gol de cada menino descalço que por ali passou
Da onde corre a lépida bolinha de gude quando não tem jogo de futebol
Infinito bairro de Americanópolis
Uma flor que subiu ao mundo a esperar por mim
Suas ruas suspensas, impensadas
Escolheu pra mim a rua Maria
A rua que era Maria e que atravessou a minha infância e a minha vida
A rua Maria de Lurdes coexiste em mim até hoje
E quando choro é pra lá que eu vou
Como um filho a devassar a tristeza transida trazida pelo vento
Nunca contei a ninguém que eu voava
Contar pra que?
Ninguém ia acreditar
E ainda era capaz de eu perder o "dom" de voar
Eu não sei dizer quanto tempo estes vôos duraram
Mas até hoje sinto o encanto e o espanto de que um dia voei
E lastimo que já não posso voar
Não é que eu não possa
Poder eu sempre pude
Mas, eu desaprendi
E tenho muita pena de mim mesmo
Pena do meu menino por ter lhe privado de avoar por aí
O tempo tornou-se enfadonho
Um tempo em que tudo é oleografia
Assim como a chuva que se repete todo dia,
Na mesma hora
No mesmo lugar
Chuva e suspeições aos cântaros
Chuvas longas estas
Porém raras
Atônitas
São chuvas em preto e branco
Minúcias solitárias dos meus dias
Desta certeza indubitável que um dia hei de partir
Assim como cheguei:
Sem saber da onde vim
Sem saber pra onde vou
Este será meu último vôo?
Não sei
Eu desaprendi de voar e não pus nada no lugar
Não aprendi mais da vida do que o que vi das janelinhas dos meus trens de lata
E não tenho certeza se vou me lembrar do meu último vôo um dia
Mistérios
E teimosia
Pergunto se tudo é engano
Que vai esfarelando
O tempo e a poesia
E não era poéticamente que eu voava
Que quando eu voava eu nem sabia o que era poesia
Que o meu vôo era a poesia
Que aquela criança estranha que voava era poesia
Hoje eu pressinto que era assim
Que a poesia nos olha com um olhar inefável da criança que fomos
Ou que continuamos a ser
Apesar desta luz artificial esvaindo-se lentamente da lâmpada leitosa e fria
E que é pelos olhos da poesia que o mundo começa a fazer sentido
Só que naquele eu tempo eu não sabia
Naquele tempo o mais espetaculoso que eu fazia era voar
Não era sempre que eu voava
Era de vez em quando
À noite
Eu só voava à noite
Não me pergunte por quê
Lá em casa tinha um destes baús enormes
De alças nas laterais onde pode-se guardar desde roupas
Caraminholas, leviatãs, pente de cabelo, recordações
A faixa branca da primeira comunhão, o medo da danação
Até os sonhos, que aparentemente, não nos servem mais
Pois bem, nas noites em que me dava na veneta de voar
Minha rampa de lançamento era este baú
Era de cima do baú que que me projetava ao espaço
E voava
Voava inequivocamente
Como só pode e sabe voar um pirralho informe
Que nasceu comendo barro
E que sai do barro pra dentro das mãos de um céu de escura moldura
Pintalgado de estrelas azulzinhas como uma prece
E era lindo ver o bairro dormindo
Com suas ruas embaralhadas e amarelecidas pelas luzes nos postes afogados pela luz da lua
Eu gostava de ver lá de cima as luzes dos postes
Aquelas carreiras de pontinhos amarelos como velas acesas olhando a lua passar
Na noite dispersa
Na hora extrema das casas
Assimétricas
Repousando na noite quieta
Onde repousam os passos que carregam os dias pra lá e pra cá
A casa da dona Luiza
De tijolo à vista (não por estética, mas, sim, por falta de dinheiro para acabar a construção)
Com seu quintal encantado
Suas árvores frutíferas
As galinhas
Seu encantado porão onde moravam mistérios
Clandestinos fantasmas
Que habitavam o porão naquele mundo impálpavel
A casa de dona Luiza era, para nós crianças, o verdeiro Caminho Suave para o Egito e a Babilônia
Via, também, a coberto das nuvens mais baixas, a casa de dona Rosa
Que era um luxo pra mim e pras minhas carências de quase tudo
Casa grande de vários quartos
Tinha tv... planta carnívora a nos atrair para a sua cilada
Os móveis... vários e donos de tantos sonhos riscados a dedo na lama depois das chuvas
Mas, nemhum era páreo para o relógio cuco
De cima das minhas chinelas quase sempre em frangalhos
Eu ficava, estático, olhando o cuco marcar as horas
O meu mundo suspenso diante daquele som de bronze: cuco, cuco, cuco...
Lá de cima dava até pra ver a minha casa
Pequenina e irreparavelmente hermética na sua impotência de nos fazer parar de rir
Antes do choro convulso diante de mais uma criança debruçada sobre os olhos úmidos da dor
Enorme e inesquecível como são os sonhos e as esperanças de uma criança que voa
E que tem bolinhas de gude e piões no lugar do coração
A minha casa era de uma pobreza inata e devidamente atestada pelo poder público
Ou pelo público poder
Dá na mesma
Miséria não escolhe burocracias
Pode-se dizer que é fruto da mesma
Mas isto não vem ao caso
Estou voando
E quando vôo o mundo é perfeito
Não há misérias nem tristezas que me tire das alturas
Há só o silêncio noturno do vento passando em volta
Dos redemoinhos da minha infância
Um adjetivo que veio atraido pela luz dos postes lá embaixo
Me acompanha por um bom pedaço do vôo: deslumbrado...
Eu e ele
Pairando sobre as vidas
E dissolvendo com as mãos lançadas a frente a frágil escuridão solitária da madrugada
Em mim persiste a lembrança de ver lá de cima o campinho de futebol
Tão tranquilo em sua prateada geometria
Da onde se desprende um grito de gol de cada menino descalço que por ali passou
Da onde corre a lépida bolinha de gude quando não tem jogo de futebol
Infinito bairro de Americanópolis
Uma flor que subiu ao mundo a esperar por mim
Suas ruas suspensas, impensadas
Escolheu pra mim a rua Maria
A rua que era Maria e que atravessou a minha infância e a minha vida
A rua Maria de Lurdes coexiste em mim até hoje
E quando choro é pra lá que eu vou
Como um filho a devassar a tristeza transida trazida pelo vento
Nunca contei a ninguém que eu voava
Contar pra que?
Ninguém ia acreditar
E ainda era capaz de eu perder o "dom" de voar
Eu não sei dizer quanto tempo estes vôos duraram
Mas até hoje sinto o encanto e o espanto de que um dia voei
E lastimo que já não posso voar
Não é que eu não possa
Poder eu sempre pude
Mas, eu desaprendi
E tenho muita pena de mim mesmo
Pena do meu menino por ter lhe privado de avoar por aí
O tempo tornou-se enfadonho
Um tempo em que tudo é oleografia
Assim como a chuva que se repete todo dia,
Na mesma hora
No mesmo lugar
Chuva e suspeições aos cântaros
Chuvas longas estas
Porém raras
Atônitas
São chuvas em preto e branco
Minúcias solitárias dos meus dias
Desta certeza indubitável que um dia hei de partir
Assim como cheguei:
Sem saber da onde vim
Sem saber pra onde vou
Este será meu último vôo?
Não sei
Eu desaprendi de voar e não pus nada no lugar
Não aprendi mais da vida do que o que vi das janelinhas dos meus trens de lata
E não tenho certeza se vou me lembrar do meu último vôo um dia
Mistérios
E teimosia
Pergunto se tudo é engano
Que vai esfarelando
O tempo e a poesia
A lua e o dia
Acabou-se a noite
Já está lá fora um dia perpassando
Um céu azul clarinho
Persuasivo
Que a manhã faz, mas não diz
Azul cantata
Barcarola
Com doces versos azuis ritmados
Pra lua que não foi embora
E se aquece
E se esquece ao sol
E busca meus olhos para se sentir desejada
A lua, ardente de insônia,
Tremeluzindo amor no silêncio
Dos negros passarinhos
Que deixam as árvores assim que a manhã abre as janelas do dia
Faz do dia um rascunho de poema
Que vai deixando de ser poema enquanto escrevo
Com os meus olhos ensimesmados de sonhos
Cativos de uma dor
Ou de um medo
Sólido
Como a minha solidão
A solidão da lua
Ou a solidão do soneto que não fiz
Letra a letra
Como um veneno suave
Impregnando lembranças que não existem
Saudades que eu nunca quis
Já está lá fora um dia perpassando
Um céu azul clarinho
Persuasivo
Que a manhã faz, mas não diz
Azul cantata
Barcarola
Com doces versos azuis ritmados
Pra lua que não foi embora
E se aquece
E se esquece ao sol
E busca meus olhos para se sentir desejada
A lua, ardente de insônia,
Tremeluzindo amor no silêncio
Dos negros passarinhos
Que deixam as árvores assim que a manhã abre as janelas do dia
Faz do dia um rascunho de poema
Que vai deixando de ser poema enquanto escrevo
Com os meus olhos ensimesmados de sonhos
Cativos de uma dor
Ou de um medo
Sólido
Como a minha solidão
A solidão da lua
Ou a solidão do soneto que não fiz
Letra a letra
Como um veneno suave
Impregnando lembranças que não existem
Saudades que eu nunca quis
domingo, 11 de março de 2012
Luz de vela
Luz de vela
acende-se no céu a primeira estrela
a tarde é um retrato 3x4
colorido
num céu tendendo a lilás
num fim de tarde de abril
pendoado
Além da estrela de olhos abertos
olhos de menina que se acendem na prata da lua
arde a chama da vela
bruxuleante
ornada pelo ruído crepitante
do silêncio com que se queima
sob um céu furta-cor
escorre-lhe a parafina
assim como quem chora
uma lágrima quente e constante
como quem chora
uma insofismável saudade de si
assim como a onda indo embora do rochedo
A noite se apascenta dos últimos raios de sol
Tão longe a madrugada
e seus cantares
sabores da poesia brotando
deusa emprenhada do dia
e suas nuanças de cor
parece um verso...
é dor!
E a poesia?
a poesia se declama
e se derrama
e me lambuza todo o tempo
A poesia espia
bem dentro do meu olhar
nas tarde de sílabas sibilares
na tarde e seu andar de anjo da guarda
e sua multidão de cores adejando o olhar da noite
A poesia espia as palavras que moram nas ruas
e nos ares silenciosos
moram na chuva miúda
num reino muito falante
é só parar pra ouvir
o diz-que-me-diz-que arfante
entre estes silêncios de agonia
Há palavras que ouvi das velas acesas da infância
nas noites sem energia elétrica
quando o céu era um truque
todo ornado de estrelas
e a gente acendia as velas que embalavam nossos corações
e a nossa imaginação
As palavras das velas se riam de si e de mim
bamboleando ao rítmo da brisa
meu coração tremia completamente nu
sob a indiferença das chamas
E eu ficava ali, sentado,
ouvindo o que a chama da vela tinha pra me dizer
pensando no que ela dizia
intensamente
colhendo estrelas cadentes
como se fosse a primeira vez que me despiam dos meus fantasmas
O tempo compulsivamente passando por mim
queimando o redundante ruído do tagarelar da mente
queimando a vela
e acendendo sonhos
que devagarinho
encheram-me a vida de luares
que o vento na chama desenhou
e nunca mais fiquei sozinho
acende-se no céu a primeira estrela
a tarde é um retrato 3x4
colorido
num céu tendendo a lilás
num fim de tarde de abril
pendoado
Além da estrela de olhos abertos
olhos de menina que se acendem na prata da lua
arde a chama da vela
bruxuleante
ornada pelo ruído crepitante
do silêncio com que se queima
sob um céu furta-cor
escorre-lhe a parafina
assim como quem chora
uma lágrima quente e constante
como quem chora
uma insofismável saudade de si
assim como a onda indo embora do rochedo
A noite se apascenta dos últimos raios de sol
Tão longe a madrugada
e seus cantares
sabores da poesia brotando
deusa emprenhada do dia
e suas nuanças de cor
parece um verso...
é dor!
E a poesia?
a poesia se declama
e se derrama
e me lambuza todo o tempo
A poesia espia
bem dentro do meu olhar
nas tarde de sílabas sibilares
na tarde e seu andar de anjo da guarda
e sua multidão de cores adejando o olhar da noite
A poesia espia as palavras que moram nas ruas
e nos ares silenciosos
moram na chuva miúda
num reino muito falante
é só parar pra ouvir
o diz-que-me-diz-que arfante
entre estes silêncios de agonia
Há palavras que ouvi das velas acesas da infância
nas noites sem energia elétrica
quando o céu era um truque
todo ornado de estrelas
e a gente acendia as velas que embalavam nossos corações
e a nossa imaginação
As palavras das velas se riam de si e de mim
bamboleando ao rítmo da brisa
meu coração tremia completamente nu
sob a indiferença das chamas
E eu ficava ali, sentado,
ouvindo o que a chama da vela tinha pra me dizer
pensando no que ela dizia
intensamente
colhendo estrelas cadentes
como se fosse a primeira vez que me despiam dos meus fantasmas
O tempo compulsivamente passando por mim
queimando o redundante ruído do tagarelar da mente
queimando a vela
e acendendo sonhos
que devagarinho
encheram-me a vida de luares
que o vento na chama desenhou
e nunca mais fiquei sozinho
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