Independente de ti (há) poesia
nos cantos aflitos da casa
na insensatez do tempo que simula passar desnudo
na noite que desconhece o tremor amorfo das minhas mãos
Independente de ti (a) poesia
dorme imberbe em praias verdes
em noites de rosas azuis tremeluzentes
e se derrama em auroras castas de medos e segredos
Independente de ti (sou) poesia
no afeto que ficou comigo quando soltei tua mão
no dia que fostes embora da poesia que eu li
sem uma palavra que sobrepujasse o sonho esquecido nas folhas soltas de nós
Independente de ti (fiz) poesia
com as emoções mais banais
com a dor que ainda doía
em branco e preto,
como o retrato de uma dor muito antiga
esquecida nos séculos
algaraviando o livro branco da vida
Independente de ti (quis) poesia
na sede do dia-a-dia
na minha palavra calada
quis a luz à escuridão
quis a poesia das mil e uma noites
nos olhos acesos de um oceano de Brueghel
nos velames e vazas da Nau Catarineta
quis a poesia sem volta e sem véu
quis a anacronia do céu
quis a vida tecida ao fio rubro das tardes
quis a saliva da vida
vislumbrei o hieróglifo dos poemas desfeitos
do que eu ainda diria
seria apenas mais um tremor entre os meus tantos tremores?
seria poesia?
seria o vermelho de um beijo no espelho frio...
...e mais nada?
Imagem: Peter Bell
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