Amiga,
talvez a minha voz
não te diga os poemas
que já não amanhecerão
ou se calarão mergulhados em suas próprias sílabas
borboletas voando nos espelhos das manhãs
sílfide dos dias etéreos flutuando na luz do mar
Talvez o tempo não traga palavras nos lábios
talvez o tempo seja só emoção
tremelicando na noite estrelada de um verão esvoaçante
ardem os céus em seus sonhos absortos
os sonhos não seriam os poemas do lado de dentro da noite das muralhas?
Amiga minha,
vê que agora já me visto de passados
e os próprios gestos são o rosto da solidão?
vê que te trago o pássaro de sangue e de plumagem febril
e que meus olhos aguardam pelo teu silêncio?
A intensidade das mãos atravessa a memória da palavra acre
que se esconde no temor molhado da boca
A palavra incandescente
através da qual a escuridão modula a harmonia precária da vida
a harmonia dos dias úmidos
réstias de sonhos
recendendo à tardes de domingo
à lua que atravessou a rua
deixando no destino um soluço
deixando no amar o repetitivo impossível
e a certeza da triste dor de viver
Vê, amiga minha,
que falo de dor como quem desentende o sentido das palavras
roubando de mim um tempo de ser feliz?
E a tarde toda passo assim:
perguntas esguias e vorazes
buscando um sentido em tudo à minha volta
esquecendo o ruído oco dentro de mim
Tenho medo de esquecer o caminho sincopado
assim como quem ama esquece
a vontade de ser mais
e os rituais dos dias
perpetuamente
calcinados
pelo amor
Nenhum comentário:
Postar um comentário