quarta-feira, 14 de março de 2012

Poema III (para Ania)

Nossas palavras e gestos tão
quietos
Nossos olhos que adormecem nas tardes como os
girassóis
Nossos lábios que dizem sílabas e sons
solitários
Nosso peito a pulsar dentro de versos lindos, meigos
e tristes
como o pungente olhar perdido nas fogueiras acesas
no meio da noite
queimando a vida
logrando enganar as lágrimas
tão só nossos estes soluços
Nossas mãos singelamente entrelaçadas sobre
o nada
Nossos pés a caminhar pelo momento que
escorre
e que me levou até você
e que te trouxe pra mim
Nossa capacidade de acalanto esquecida entre nossos medos e
a eterna sombra
Nossa sede de encantamento e do passo pro abismo inelutável
que é a vida
Por tudo isto, Ania
Te encontrar, amiga minha, nesta tênue esquina do tempo
de memórias furtivas
onde descansam meus sapatos de nuvens
onde passo a limpo meus sonhos de outrora
sonhos onde me escondo desde criança
te encontrar foi encontrar estes tantos sonhos na noite
terna
         doce lembrança
         onde a diáfana luz da lua iluminava teus olhos esverdeados de
         menina
O minuano, cingido aos teus cabelos,
deita à madrugada perfumes de roseirais
Me diz, Ania, me diz, em quantos outros milênios brevissímos já nos
encontramos?
E por quanto tempo vivemos a solidão inacessível da primeira
estrela?
Os dias e os anos caindo gota à gota sobre as nossas pálpebras
cerradas
sobre a nossa espera
num monótono ping-ping
lavando a mudez do eco luzindo na madrugada
Ania, que importam as estrelas se não vejo os teus olhos
na infinda amplidão dos campos de trigo?
Verdes castanhos
Verdes cativos
Como a haste do trigo que ainda não maturou 
Teus olhos são o princípio da saudade que eu sinto ontem
e que me leva pelas linhas inconstantes da tua boca ternura
bruma
somente
E se a saudade tem teu nome brincando no meio da rua
pés descalços
vestido de alcinhas?
E se é flor o teu nome?
Olhos de jade, as saudades se enchem com as nossa lágrimas
Ania, deita-te aqui no meu peito
Vem ouvir tanto luar
de uma noite que mora e medita na minha melancolia
nascida da tristeza nos olhos da ensimesmada avozinha
que me diz de sombras e véus do passado que os pássaros
trarão
Ai de mim, Ania, que sou só lembranças
dos tempos que ainda virão

Imagem: Rosely Siebert

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