segunda-feira, 18 de maio de 2015

Ausência


Vou me ausentar do blog, por tempo indeterminado, para participar de concursos de poesia.

A criação, preparo e encaminhamento dos poema para os concursos é algo que demanda dedicação integral e tem, também, a imposição da maioria dos concursos de só aceitarem material inédito, não podendo ter sido publicado anteriormente nem em blogs, portanto, o que estou fazendo agora vai tudo para os concursos ou para um "banco" de poemas a serem utilizados para este fim.

Sendo assim, agradeço a todos que vêm me acompanhando aqui no blog este tempo todo.

Um grande abraço a todo(a)s.

Como um até logo deixo o texto abaixo que não é meu, mas que eu gostaria que fosse.

Hokusai

Desde os 6 anos
que eu tinha a mania de desenhar
a forma das coisas.
Quando eu estava com 50 anos,
tinha publicado uma infinidade de
desenhos;
Mas tudo que produzi antes dos 70
anos de idade não é digno de ser
levado em conta.
Aos 73 anos aprendi um pouco
sobre a verdadeira estrutura
da natureza,
dos animais, plantas, pássaros,
peixes e insetos.
Em consequência,
quando estiver
com 80 anos de idade
terei realizado mais e mais
progressos;
aos 90,
penetrarei no mistério das
coisas;
aos 100,
por certo terei atingido uma fase
maravilhosa,
e quando tiver 110 anos de idade,
qualquer coisa que eu fizer, seja
um ponto ou uma linha, terá vida.

Escrito aos 75 anos de idade por
mim,
outrora chamado Hokusai,
hoje Gwakio Rojin, o velho louco
por desenhar.

Waly Salomão
In Poesia Total. Pags. 217/218. Editora Companhia das Letras. 2014.


Eu vou, mas eu volto... Não sei quando, mas eu volto.

Espero que seja antes dos 110 anos.

Beijos!!! (Para as meninas) Abraços!!! (Para os meninos)

Ou vice-versa, ou tudo junto, tanto faz.

domingo, 17 de maio de 2015

Súplica


Pai,

perdoai a nossa inércia

assim como nós perdoamos

a quem nos tem debicado

não deixeis cair o parco pão

no chão conspurcado

pela nossa apatia

e pela nossa "candura"

livrai-nos dos néscios

e da submissão

Amém

sábado, 16 de maio de 2015

Recordações


na tela
branca do computador
sem riscos de rasuras e rasgos
provoca-me
este dilema
de coabitar
com a palavra urdida em barro
do qual comi
e que me nutriu
tímido moleque com uma fome aguda
e insopitável
no meio do nada
do pó
ignorado pela vida (frágil fio)
tão nua e depauperada como eu
como o terreiro abastado de nada
que não me matou por pura condescendência
como a existência encardida
pela poeira voejante e vermelha
entrando pelos cabelos
imiscuindo-se com a pele
torrentes deletérias
pejadas de sentidos ignotos
e sons conspícuos
cativos e patéticos
encerrando numa bola de fogo
vermelha
a tarde entrecortada de penumbras
que a noite vem imolar

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Vadiagem da luz


Sob um sol vermelho alcaloide
um galo antropoide dá o aviso
e nasce mais um dia para a vadiagem da luz
a névoa veste a manhã com trajes
de gaze, organdi e celuloide
os pássaros pousam nas árvores arcaicas e gentis
pipilam tanta melodia
trinam várias fantasias orvalhadas
que a madrugada pôs nas pétalas e no sossego do dia
os pássaros sacodem tremores para debicar o orvalho
se enroscam na neblina hesitante
na paisagem acesa pelas primeiras luzes
no vai e vem da ponte sobre o rio
por onde caminham o vento e o pranto pequeno
de um pequena vida cujas lembranças cabem
 nas linhas da palma da mão

o dia se esquece no trilar dos pássaros
enche a vida de retóricos sons
um cão ladra para um tempo antigo
demasiado antigo para que um outro cão responda
ladra sem entender a manhã
cotonadas pelas nuvens nuas
que não envelhecem
indiferentes ao tempo que passa pálido
sem sequer existir
envelhecendo e envilecendo
o homem e o seu drama
que não entende o engodo das horas
e seus sofismas
e seus combates irracionais
e o medo do que virá com a noite

a manhã levanta-se do verde mar
a brisa traz o aroma salgado da maresia
o horizonte começa a se incendiar delicadamente
enquanto a madrugada não se acaba
nada que soe como um segundo sequer
nem o ruído dos minutos
nenhum estrondo de horas
o tempo pingando em âmbulas
rangendo espicaçado em relógios
não existe

os pássaros cantam para os poetas
e para as folhas que só deixaram a ausência
caídas no quintal do poeta
sem pressa
sem ruído
sem estrondos ao passar do tempo
com poeiras pingando sol
querendo ser as virtuoses canções
tocadas por uma criança em seu tambor de lata
cantam para as suas palavras silenciosas,
pudentes e nuas
num céu cotonado de maio
num céu sem telhados
por onde entram os anjos penitentes
etereamente despidos
num céu azul pendoado e profundo
orvalho pendendo das flores
os pássaros cantam canções
apascentando o meu mundo

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Alma seca


A alma vagando ao léu, dentro de escura prisão, sufoca dolentes suspiros

apaga os pássaros
e a manhã já não canta da brisa a sua canção

apaga as flores no jardim
e as cores de entre os canteiros se vão

apaga a lua lasciva
e a noite adeja por sobre a sesmaria da ilusão

apaga a vida
e a quimera que a sustinha desvela-se em escuridão

apaga o amor
e a tristeza perambula nos adros da solidão

apaga a compaixão
e as dores dirigem-se à ponte e atiram-se às águas, sem remissão

apaga o poema
e evolam-se os versos rabiscados e insontes no mundo, como rosa em botão

e, por fim, apaga a si mesma
e torna a mística quimera
rosa impressentida brotando na escuridão

Profano


na rua antiga e sozinha caminham os ventos
manchados pelo vermelho
das vozes aflitas
das multidões deambulantes
assenta o pó impalpável
da incerteza
e voa
o voejar descompassado
e vagaroso
esvoaçando no ar pesado da tarde
esgueirando-se pelas nuvens úmidas
prestes a chorar
suspirando em meio aos jardins ditosos
derrubando folhas das árvores
nos lagos angustiando  os outonos
com remorsos de todas as folhas do mundo
revolvendo infâncias
gira a terra e os basculhos da rua
em opacos rodamoinhos

caminham os ventos
tirando chapéus
desarrumando cabelos onde antes havia uma flor
pulsando belezas como o coração que estremece com a gente
no tremeluzir  fluído das palavras e da impermanência
os ventos descem das árvores
levam suas forças ao chão
giram o destino,
o segredo,
giram o redemoinho
repete,
por mero hábito,
sacudir quintais,
saudades
e desencontros
caminham,
levando o dia encardido pela mão
o tempo se ri do ventos
o tempo não existe
bem feito!
as folhas fogem
as nuvens escondem memórias
cuidadosamente denodadas
os ventos e seus mistérios
como vieram se foram
e a rua voltou a ser
a rua da vida inteira

na rua antiga, agora,
como fuga para os olhos
como missa e oração
só caminham o homem,
o tormento
e seu cão
magérrimos todos
antigos
passos insontes
passado, desde sempre, querendo morrer
um morte provisória
interrigna
sem interessar mais aos caminhos
a morte poderia vir do rio
da dor que sobe e desce no peito
do seu naco de fome
do progresso do país
que quanto mais cresce
menos o vê
podia morrer da indiferença
do sono no papelão
cama pra dois
ele e o cão
podia morrer antes que a minha retórica pedante o alcançasse
inexoravelmente
comovida
e profana
destino de bicho
almoço no lixo
um pão urdido de pedra
num mundo feito de fome
severo
e pobre
para aqueles que já nasceram mortos
e vagueiam em degredo por uma vida que não é deles
mas é preciso fazer o caminho
fechar a porta do medo
para si e para o cãozinho
deglutir até o fim o que os deuses
por bem resolveram brinda-lo
alheios à morte
única verdade que nos chama todos os dias
comamos osso e pedra
ou a mais fina iguaria

Fosse


fosse o vento este mantra
que recita sons como rouxinóis
poemas sem asas
seria anagrama metafísico da sempre mesma solidão

fosse o mantra este silêncio no tempo
entoado como augúrio pelas nuvens rubras e suas chuvas lilases
comovendo as palavras que deslindam o poeta e os seus versos vãos
seria a intangível canção do Ângelus soando na tarde como oração

fosse o silêncio o adejar das asas de uma borboleta
em sua plena singeleza e sua inefável estesia
evocando flores na varanda onde a tarde dormia,
sorvendo sonhos e pensamentos do dia
seria o som das letras roçagando a página em branco,
esperando a inebriante voz do poema acontecer

fosse a borboleta o signo primordial e holístico da existência da alma
e o vento trouxesse a transparência da sombra e o aroma dos lilases
trouxesse a imponderável sentença de morte imanente à existência
seria o consumir-se inopinado do fogo aceso e o fumo espiralado
que evola-se da candeia impregnada de devir que é a vida

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Seráfico


os dias inábeis
lentos e opressivos
cochicham
ao passar do vento
na dolência das tardes
uns versozinhos azulados
uns versozinhos avessados
estórias irrisórias
e soluçantes
que nem sequer
desvelam a face fútil da vida
que não guardam
as areias
calendários do passado
caindo de uma âmbula
a outra
os dia inábeis
caem
choram
e levantam-se
esquecem-se
nas miríades
de espelhos
esfumados pela ilusão
lacônica de frívolas
personas ensimesmadas
para quem a sombra e o reflexo
são a iconografia deslindando
o Ser dissoluto e póstumo
imagem imprecisa
dentro do tempo
que acaba de passar
diletante e longo
pela rua desprendida e deserta de si
corroendo a aragem
que desce com os riachos
que escorre
imperceptivelmente
das incandescências
do horizonte cinábrio
que faz da vida
um punhal de aço
vagaroso e tênue
uma antiga e nostálgica
sucessão de amealhados
instantes
imenso passado
de vidas por acabar
de sonhos por acabar
de coisas por esquecer
em seráficos luares
em rútilas horas
intangíveis
como os céus
evanescentes
como um final de tarde lilás

terça-feira, 12 de maio de 2015

Enredo


para a paz diáfana do dia há solos de pássaros
ecoando no ar de uma manhã nublada de novembro
na paz do canto dos pássaros
há lembranças e lamentos
lamentos de quem?
lembranças de quê?
de uma rosa vermelha esplendendo junto ao muro
dando cor ao mavioso canto da chuva
que soa tão de mansinho fingir-se de ar?
de um pássaro origami
levantando voo da dobra da vida?
dos felinos olhos negros de Pingo?
da embriagues de uma carícia numa tarde boba
de bobos sonhos e amores bobos e eternos?
lembrança de quem, meu Deus?
lamentos de quê?
conspícuos lamentos
olhares chorosos olhando de si para si
um ponto a ser posto no texto
sem saber-se se é de interrogação
exclamação
ponto final
vozes trêmulas silabando os olhares do passado
numa manhã nublada de um novembro
debruada pelo gorjeio dos pássaros invisíveis
dos quais só se houve o canto
e que o canto nos baste
apoiado no sonho me basto
e me imolo para algum deus da eternidade
afinal, se tudo foi só um momento fora do tempo
quando a vida, anacronicamente
abandonou-se à sandice
e à fantasia
tudo o que veio depois foi poesia

Utopia


para a utopia há a dialética
feita de noites e solidões
feita de marulho de mar
de sonhos dentro do Todo

há a utopia da nostalgia
que contagia o momento
e compõe a canção do dia

há a utopia do tanto de um gosto
travo, ácido e impossível
de deglutir

há a utopia das mãos vazando o escuro
e dos pés descalços
(os passos prontos para galgar as nuvens)
aptos para seguir

há a utopia da fome
da sede
do revirar-se na rede
jogando o vazio no estômago
de lá para cá
de cá para lá

há utopia nos olhos
no céu da boca
no nariz

há a  utopia
da hora
de ser feliz

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Os soldados marcham


Os soldados marcham,
sem olhos,
sob um ideal caduco
marcham o medo
dentro das agruras
dos desertos
entorpecidos
marcham
sem remorsos
sem deixar sombras que os sigam
degustando ódios e estigmas
amestrados que são
sem nunca terem sido
testados nos fundamentos da ação
no dilema de suprimir vidas
algozes do mundo
com seus atos mesquinhos
tão pequenos
aa vida virada do avesso em 16 segundos
,
não têm mães?
não têm namoradas?
não têm têm irmãos?
não têm parentes?
algo que os prenda à terra
algum valor humano
algum sentimento que sonhe com tudo quieto
que o tempo para a vida e para a morte
seja marcado pelo ritmo do coração

os soldados marcham
conversando com o passado e o medo
num silêncio onde só se houve a aragem
ininteligível
camuflada
camuflando o que se é
têm ganas de lutar
não importa por que
não importa por quem
não importa aonde
o sangue faz o cheiro do sangue
o vento traz o cheiro de sangue
é pra lá que se vai
traçar uma nova guerra
tragar a antiga guerra


a morte a aliciar-lhes os dedos
o cheiro de sangue a açular-lhes os instintos
o gosto da dor a atiçar-lhes os dentes
a intolerância a salivar-lhes a raiva
trazendo de longe o odor dos cadáveres exangues
num triste mundo plasmado pela ignorância
e o medo

a sombra não vai com os mortos
amalgama-se ao solo adunco e infértil
nascerão flores de flandres sobre o solo
onde caíram os mortos
um sol magenta secará o sangue derramado
e a neblina das manhãs turvará a visão
e umedecerá a crosta de sangue nas mãos
dos ignaros soldados que marcham
seguindo medos espectrais
fantoches sem se quer saber quem são
sem se questionarem por que arrancam
das trevas o sumo da escuridão

a guerra é inexplicável
e a vida é esta monotonia besta
seguindo as vestutas sombras andejas da morte
saboreando o sádico gosto de sangue
o insondável e irrestrito monólogo
da estupidez maniqueísta
da intolerância atávica

onde antes havia teogonia
hoje há somente a insegura intenção de um deus
de olhos cerrados
de moucos ouvidos
estupefato
ante a incapacidade
do gesto que redimiria o homem enfarado
e o homem cuja grande batalha é viver
é ser
e não tem outra mais premente
o momento presente entregue à lenta letargia
que lhes sufoca o ar
e evola-se a cada respiração
devagar
como se do barro vieras
como se para o barro voltarás
e entre a vinda e a ida (indestrutível)
e entre a vida e a morte ( inabalável, posto que é essência)
a frase dita num esgar
que os soldados que marcham sem olhos
seguindo as boçalidades do homem só
são incapazes de ouvir
só entendem a palavra dura
tartamudeada
vociferada, pela boca umbrática do vil senhor

ei-los sós
sentados à pedra
fumando um cigarro
tragando a alegoria da morte
caindo com as cinzas
pernas, troncos e mãos
amontoados no chão
sopram os ventos vermelhos e estanques
insensíveis à consciência
estão surdos e cegos e em frenesi
de tão fascinados que estão
pelo estalar dos ossos partidos
pelo desatino
e pelos gritos e as faces crestadas de dor
desembarcando aos pedaços na tela do computador
e tudo fica parado cambaleante de ironia
do contraste
da dor do medo
do medo da dor
a madrugada recolhe os mortos
e teima em fazer poesia
só pó e sia

domingo, 10 de maio de 2015

Quieta


quieta
a vida se embalou no suave silêncio
que a brisa trouxe como o instante
envolvendo a tarde na ilha e as sombras das árvores
onde só se ouvia o melífluo canto dos pássaros

quieta
a vida espera
a brisa toda passar
e o passarinho calar as suas solidões
e o tempo dizer todos os seus espantos

quieta
a vida arrebanha matizes
e suspiros ingênuos
brancos aromas
no jardim onde o passado fugaz
oculta anjos
de mãos mui delicadas
de olhos tão azuis como
o vento embalando céu
passando pela manhã
e a música esquecida no mar
e lábios doces e rubros
num rosto emoldurado
por cabelos cor de trigo pendoado
 
quieta
a vida permeia
a ternura em meio a dança
bailarina vestida de aragens
nos lábios fogo carmesim
espera quieta espera
as nuvens redefinirem o mundo
num mangá feito a nanquim
 
quieta
a vida flutua nos caminhos louçãos
nas quais se reconhece no vento
e pelo calor que se dissolve no ar
são sete vidas agora
e sete botas de sete léguas
com passos de borzeguim
quando a vida me chamar
com ou sem motivo
percebendo-me lasso
diante do meu cansaço
me dê a vida
o meu fim
por que nada sou
na impermanência
além do desespero
à espreita
da Verdade que há em mim'
 

sábado, 9 de maio de 2015

Servidão


o homem, atado ao cais do passado,
escutando somente a balburdia que lhe revolve a alma
mas não o impele para a luta e para o novo
se irritando com tanto mistério
plange a derribada do sol de encontro ao mar
vermelho pastoso, sangue venoso
que já não nutre o bulício das estrelas
que não lhe corre nas veias
nem o canto
nem a tinta
instáveis e dispersos

no vazio que rói a existência só há solidão
e incoerentes muralhas de argila cinzelada
e o friável dos sonhos mansamente transidos
no exílio inelutável das veredas e dos rios
rumo ao vermelho viscoso  do sol no mar
onde pássaros singulares levam nas asas
a aurora de novos dias
de antigos e imarcesciveis sonhos

a voz da Verdade e da Sabedoria sussurrou
durante a noite o que a alma anseia
desde tempos imemoriais
enquanto as horas corriam lépidas e sonoras
junto com as sombras, devorando tempos
a sombra, nascida da luz, esteve em toda parte,
nem dormiu

pela manhã,
flores brotando no jardim
flores abertas
traçadas no espaço
pelos esquadros e compassos da Vida
ardente e ardendo
desenhadas com coloridos nanquins
vestindo cores e encantos
flores caídas sendo o começo no fim
morre o cansaço da flor
e o mistério, sereno, transforma-a em alimento
para a outra flor que vai vir

ébrio de si lá vai o homem arrancado ao barro
sombra fosca sem rumo
sonho usurpado
lhe fazem crer que não é o que é
que a sorte nem lhe viu e nem lhe vê
lhe fazem crer que foi sempre assim
que a luta é coisa vã e sublevação
lá vai o homem tão docemente triste
tão docemente nada
tão docemente servo e servil
na carteira um fotografia 3X4 amarelada
de um homem que fisicamente mudou
mas que internamente ainda guarda os sonhos da infância
momento a momento das lutas que não lutou
o coração diz palavras de um passado que ainda não passou

o homem cego de si anda em linha reta
para uma morte concreta floreada de frustrações
sombrio
quieto
andar de poeta
pintor
músico
jardineiro
escritor
ator
o que o seu ser,
sua essência diz que ele é
menos isto que lhe disseram ser
e que ele acreditou
com seu sonho embaixo do braço
embalado no jornal do mês passado
passos perdidos na Vida que não acontece

Vede o homem
rastejando sua docilidade impudente em degredo
sempre um passo antes da porta aberta e seu vigia
sempre uma agonia antes do mar e do golpe rude do vento
sempre a mesma letargia em frente aos senhores
e aos mistérios dos jardins que esplendem tontos de aves
nunca a pressentida alegria silenciosa das borboletas,
que morrem como morrem os pensamentos
de liberdade e vocação e evocação
moídos pela engrenagem azeitada e exata
que rói o homem arrancado ao barro
parece que pra ser ninguém
na tarde que poderia ter seu nome
e não a do infame embuste frio e arrivista
antes que a flor, também, seja roída inopinadamente
de ambos fica a semente e a essência divina que não se corrói
nem se destrói nas teias da consumação

no caminho, o vento passa sozinho
contando histórias de antigamente
de barcos
de reis
e de réus
do sussurro das folhagens
que o outono derrubou
das águas poéticas do lago
onde ondinhas veem bater às bordas
do enfretamento com os galhos
da espera das cigarras
do canto morno e terno das primeiras horas do dia

servo entre os servos
atado ao passado
e à crença introjetada da
subserviência
numa submissão calada
lá vai o homem
mudo e sozinho
olhos postos e a serviço
dos vermes no chão
sem que se pergunte de per si o porquê?
descendo os degraus do tempo infrangível
aviltado por todos e,
principalmente,
pela memória caustica
que o impele contra as paredes de si mesmo
onde o homem nem começa
e já termina
sem saber que nunca foi
sem saber que poderia ter sido
mais que ruína
ruminando impropérios
e o visceral medo do final dos seus dias

sexta-feira, 8 de maio de 2015

O barco, o vento e o mar


vês o barco
que atravessa
o solitário mar
levado pelos ventos em fuga
acossado pelo tempo infrangível
e que nas sendas
de setembro
acompanha
a migração das aves
neste final de inverno?

ela olhou para mim,
olhos de madrugada dormindo,
e disse que via
ela disse que via o barco
e completou:
dizes, se sabes,
onde começa o barco?
e o mar?
onde começa o mar?
onde começa o vento?

disse-lhe, então:
sem que te apercebas
o Demiurgo que há em ti
risca na areia
com gravetos cortados à noite
o esboço daquilo que vem a ser
traça arabescos
em papiros surreais
dobra origamis nas quimeras dos papéis,
no silêncio do sopro primordial
concebe formas
dá-lhes existência
dá-lhes um nome
e compõe haicais onde
a ideia e o devir do barco
do mar
e do vento afloram
em essência
e é dentro de ti
somente dentro de ti
que o barco
o mar
e o vento começam
indelevelmente
na estesia da tua alma

fora de ti nada há

quinta-feira, 7 de maio de 2015

As cigarras regressam


após anos de terra e sombra as cigarras regressam
aos troncos sem tempo das árvores
entre nuvens baixas explicando as chuvas e seus perfumes
num solilóquio escuso
no céu é janeiro
o dia trouxe o cantochão inesperado
e estridente das cigarras
as crianças soluçando alegrias
seguem o rumor das cigarras
esperam
lata na mão
pés descalços
rindo-se da festa nesta terra vazia de tudo
aguardam que dona cigarra embeveça-se com a sua própria cantilena
lembrando finas tristezas,
açodando cantos repletos de amor e de amar
chamado ao entrelaço do namoro
fechando os olhos para o tempo e para a morte
aguardam sem nome o balbucio imóvel
esperam o momento maduro
o cheiro das cores lampejantes no vento
acoitam-se para pega-las
com as latas vazias de momentos inocentes
e cheias de claridade
encharcadas de sol
rodopiando ao vento
giros de inutilidade
assimétricos

geômetras solenes embalados pelo alvoroço
da imagem vermelha e trêmula das cigarras
indiferentes à vida de quem canta
esta sonata de paixão e de enleio
que a natureza sussurrante pôs a amadurecer
num verão que veio com o giro do mundo
como frutas maduras,
como vagalumes acendendo as noites de verde
a vida começando onde começa o mar
as vozes começando nos quintais coloridos esperando os ventos
que descem pelos telhados
tocam o chão, e divertem-se fazendo rodamoinhos
trazendo uma brisa que não se escuta devido ao som das cigarras
mimetizadas contra o tronco das árvores
desmanchadas em sons para o acasalamento
quem luta contra a sede da procriação
quem desconhece a sede só saciada com o ato da procriação
mesmo que a próxima palavra a ser dita é "morte"?
o mundo é pequeniníssimo para o vocativo dos instintos

nas tardes quentes de janeiro
o vento, ouvindo o uivo clamante
e a narrativa estridente das cigarras,
reverbera o chamado e a voz vermelha e inviolável
em redor da inelutável natureza
nas horas brancas e brandas do dia
o vento sopra poeira nos olhos ingênuos das crianças
que voltam-se para trás numa falsa despedida
desvelam, serenamente, uma ponta de choro
um desinquieto abandono
e a algaravia do alarido das vozes

já esquecidas da poeira e do choro
voltam ao canto ininterrupto das cigarras
que vai na longa barca do dia
navega na garganta inteira das sombras
e na cadência das cores andantes do som orvalhadas
estremece no que ainda há pouco era só solidão
paisagem sem caminhos
palavras mareadas e sem ilusão

as cigarras cantam... cantam... cantam...
cantam... até procriar e morrer
a tarde passa leve e distraída da azáfama
que a tinge de cores tão desconhecidas
quanto os versos que o poeta semeia
e não sabe se germinará no campo verde
dos teus olhos
no campo semeado do teu colo
de versos não lidos
versos doridos
no campo trêmulo do teu ventre estiolado
onde as letras semeadas brotam como antigamente
amor e gesto e ternura
e, muita vez, esquecimento

a tarde apreende-se da morte do dia
no mar os ventos caminham irisados pelo sol
as cigarras saem do seu ciclo de cria
do seu designío de imiscuir-se
cantam seu canto estrepitoso
buscando na cantiga antiga
a cigarra mimética da memória copular
as cigarras tornam maiores o canto
tornam maiores a solidão e o sortilégio das horas
o dia embaraça-se às lentas paredes de inaudíveis silêncios
as crianças compensam o ciciar das cigarras
prisioneira abstrata do próprio canto
com o silêncio repleto e oculto nas latas vazias nas mãos
por entre as folhas de flandres das árvores de barro
insinua-se o hálito quente do verão
o canto penetrante e ruidoso que supera o desatino
de um canto mais que fino
sustentado pela atração, cópula e morte

no ano seguinte a mansuetude mirando as árvores
girando nos antigos e longuíssimos braços do mundo
o dia sustentados,
suspenso por cordéis de marionete
trará de volta as cigarras
por ora tão esquecidas
para acasalarem e morrerem
por que este é o Pensamento de Deus

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Antes que a sombra nos leve


nós vimos uns aos outros envelhecermos
enquanto o medo usurpava nossos sonhos
a servil submissão nos manteve cativos
e envelhecemos enquanto a vida esplendia
compraram por trinta moedas os nossos melhores dias
e, a partir de então, já não tinha mais pôr do sol
as tardes longas e graves
doíam ante a noite repentina
a luz esbatendo-se
sorvida por um antigo céu alheio
às formas, às cores e às águas
trazendo-nos à noite para a casa fechada
em frente à televisão
falcatruas, polícia, ladrão
todo dia um fanfarrão
alude à corrupção
como se isso fosse alguma novidade
como se o homem não fosse o que é
desde a sua aparição
mas, em que pese os otimistas, envelhecemos
ouvindo sempre o mesmo ramerrão
nada de original na (d)existência humana
será que ninguém se apercebe
que para comer o pão nosso de cada dia
penhora-se a alma ao cão

todavia, envelhecemos
e da semente primordial
restou um minuto pra vida
que é o que temos pra hoje
antes que a sombra nos abata
e nos leve o que nos resta
dos lábios a palavra,
da boca o gosto vermelho das tardes,
das mãos o gesto inquieto,
do olhar a ternura,
dos ouvidos a brisa ao entardecer,
da alma a poesia
e a estesia inefável
quando a lua vaza o céu
e abre as portas para as estrelas
antes que a sombra nos leve
da pele a "de(r)mocracia"
da essência a solidão,
buril das minhas perguntas
e nos resta tão pouca coisa
que a sombra um dia nos leve
nos leve a imagem do espelho
e sua inenarrável fadiga
nos leve a memória da flor
nos leve este jeito de amar
e o sossego do amor
ternuras de pássaros rente ao chão
nos leve o sussurro do vento passando
nas velas do barco que (a)morosamente
vai pela tarde quando o sol fecunda a ilha
que a sombra me leve
a antiquíssima necessidade de ser útil
estou cansado de ser útil
cansei de ser útil
Eu quero a prerrogativa
e a sabedoria de ser infatigavelmente inútil!

terça-feira, 5 de maio de 2015

Foge o céu


foge o céu
num vento anônimo que arrasta nuvens
e ainda derruba folhas num final de inverno
as flores de setembro já espiam
pelas frestas entreabertas das estações
os prelúdios da primavera

a noite vem vindo lá do fim da rua
acendendo lampiões
fogo amarelo roubado
a ignescentes deuses
respira-se a fumaça preta
enquanto a luz bruxuleante
estende-se no vazio entre o ar e o ar
antes de morrer
impregnando as paredes com sombras
flutuantes como a leveza da folha
no ar silabado de agosto
criando imagens que se desmancham
ao vento que oscila a leveza imponderável
dos ideogramas de um haicai que se dissipa no ar
antes que o haijin possa deslindar os primeiros significados
cessa a sombra cediça
sem véus que a ocultem
desnuda-se ante o átimo de tempo
que separa o movimento e o som da luz

o inverno desembarca na ilha
traz espelhos, contas coloridas
e berloques
para aliciar os nativos
restos que sobrou do carnaval
despe-se de cortesias
as noites são longas e frias
como um inverno de segunda mão
um inverno fosco
pairando lá adiante onde um dia a infância foi feliz
sopra, do mar para a terra, um vento pálido,
timorato
tremeluzindo a luz dos lampiões,
a chama oscila,
respira devagar e insontemente,
estremece na noite infrangível
e sua pequena morte incruel
adormece a brisa e os devaneios

uma mariposa deixa-se seduzir pela luz
saracoteia em volta da lâmpada
entregando-se à foto prisão
girando,
esvoaçando,
dançando danças ignotas
assediada infrangivelmente
pelo artifício da luz artificial
sem atinar com qualquer outra possibilidade
que não o de rodear o cansaço e a morte
de um foco de luz que lhe falseia a vida
sem sequer notar o frenesi coruscante
e a liberdade negra e estonteante
que esplende lá fora
e a pequena travessia que faria
da artificialidade cativa da luz
ao bulício e inquietação que sustentam a noite
e tudo o mais que da penumbra consta

rabisco a noite
me perco no rumor da escuridão
com passos de tabaréu
esqueço o poema e o tempo que me trouxeram até aqui
alguém me chama pelo nome
não atendo
meu nome não sou eu
de meu tenho somente a alma
há um preclaro descompasso entre o que estou
e o que a minha alma é
o fim da mariposa acossada pelo engano me desconfortou
o pensamento não sabe o que é luz o que é  escuridão
cativeiro, liberdade

vagueio por entre estrelas
super novas
nada velhas
galáxias
se tudo pode ser poesia
crer na luz até morrer,
sem meandros,
sem emendas,
nem dúvidas
é a maneira mais afortunada de se auto poematizar

alguém acende o círio indubitável e perene do sol
o dia nasce derramando cores 
o sol vaza a memória das copas das árvores
pela janela aberta a algaravia do sol me ofusca
tropeço,
caio,
e rolo
pela borda do céu
de testemunha somente
a imanência do pássaro
que entrou na outra poesia

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Cigarras


a vida
vazia de sentido
cheia de pedras nos caminhos
sem Drummond para nos alertar
com moinhos de vento e quimeras
e Quixotes a enfrenta-los
onde cada um se reconhece...
ou não
a vida cochila
na tarde que discorre como uma queixa
pelo fragoroso engodo do tempo
por onde penetra e amolda-se um céu difuso
na agonia do dia
enquanto a cigarra entoa
num "pout pourri" monótono
solfejando melodias lancinantes
toda a sua cantoria
lépida e incessante
entoa a cigarra seu recital cantochão
o anti silêncio do instante
reverberando no quintal
um repertório quase todo nacional
a vida assim parece este cantar infindo
este poema gutural e imperfeito
por que canta tanta solidão?
por que canta, tão lenta e longamente, afinal,
nestes prelúdios de verão?
por que canta, quase sempre no mesmo tom,
se os ódios e as guerras
teimam em não acabarem e não morrerem
e a vida se repete consoante à
incivilidade, a inconsciência
e o arrivismo, sem limites,
do homo que se auto intitula sapiens?
nada ou pouco sabemos/meditamos do inefável amor
que está presente na árvore
e na cigarra
e na perfeição da cantoria da sua vida curta de cigarra
e que a leva a cantar até morrer
por que ser cigarra é ser assim
este é o seu sonho
que é anterior à cigarra primordial
o canto da cigarra é o mesmo canto das estrelas
e dos astros aliciando o infinito sem fim
de um Universo que é Pensamento
e que viu todos os seres
serem
a perfeição

domingo, 3 de maio de 2015

Noite de chuva


noite de chuva
o vento passa mordendo as sombras
das estrelas pendentes dos beirais da noite
arrasta a lua, os astros, um deus do medo
o céu e seus infrangíveis segredos
ressuma cores nas pétalas da flor
e na palavra mortiça e dolente
imponderável como a sina
de nascer e viver morrendo

noite de chuva
as sombras dessentidas
geram a madrugada
no espaço esquecido pela luz
inoculável
como a intrigante magia
de morrer e  nascer todo dia

noite de chuva
esta chuva buliceira caindo devagarinho
misturando-se à lagrima que demora
no meu rosto
enquanto teus passos te levam nua
pelos caminhos dos rios
intocáveis
como a luz dos astros refletida no mar
que dá cor ao engodo ao que seja a morte e a vida

noite de chuva
que amadurece
o inverno e prenuncia
na chuva que ora cai
mais uma outra primavera
e burila na maciez do barro
o esboço
de uma lua crescente
refletida num pequeno lago
em uma noite pequena
jogo de cintilação e espelhos
suspensa nos astros
indecifrável
como a angústia do bem e do mal
e a panaceia da morte para a vida de medos
que se vive afinal

sábado, 2 de maio de 2015

Dentista


tento escrever,
mas a visita ao dentista não me sai da cabeça

- pode sentar, por favor...
estende a mão em direção à minha boca
- abre... grande... vira, morde...
examina,
examina,
examina...
olha os dentes com a mão
e olha com todo o ser a farta ausência de dentes
murmura pra si
suspira,
como se a falta de dentes fosse nele e não em mim
arrima os olhos com o espelhinho
a raiz exposta
que bosta

findo o exame
calcula,
calcula,
calcula...
no computador
sem puta dor me diz:
nada que dez mil reais não dê jeito
SUSTO MOLDADO EM RESINA!!!
BÊBADO DE SUSTO!!!
pasmo diante do imponderável
indeciso,
penso com o siso que não tenho
e nem juízo também
coisa parecida só no "Inferno de Dante"
falta-me a noção da mais-valia dentária

R$ 10.000,00???

uma dor imprecisa,
que não me permite fechar a boca
cada vez mais aberta
cada vez mais imensa
cada vez mais só queixo
como que para entender o valor
do sorriso imensurável e gaio

sorrio,
banguelamente
um sorriso amarelo cigarro
no espaço da sala uma súbita falta de ar
no bolso a usual falta de grana
evidencia a silenciosa
a insopitável
a anti estética falta de dentes

o gosto viscoso e translúcido
da saliva seca
misturou-se ao gosto que o vil metal
deixou no sangue azinhavrado na boca

*********************************
Eu vi, outro dia,
um carro ofertado por R$ 2.500,00
Olhando, assim, o binômio
carro/dente
concluo que o meu sorriso sem dente
que era fácil e contente
entra, indubitavelmente,
como bem a se inventariar
para o meu ativo permanente

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Quando olho no espelho

Quando olho no espelho
me soa estranha a figura
que me olha, enigmática,
do outro lado
e que quando eu lhe aponto o dedo
ela me aponta de volta o dedo carregado
de tristes repreensões
e me evoca sem dizer palavra
Indeciso, não atendo
A vida é só esta máscara?
Esta persona?
Este anacoluto escrito por uma sina?
Só este anacoreta extraviado no espelho?
Quem é a figura dentro do espelho?
A sombra de um mamulengo?
Tanto pode ser eu como o outro
se for o outro é o inferno
e se o inferno não for o outro?
e se o inferno estiver do lado de cá do espelho?
e se o outro for o espelho?
Daqui vislumbro o fim
O fim não começa lá fora
O fim lateja dentro de mim
e é o inferno de agora
e de Dante(s)
O fim carcome a vida em silêncio
que entre nós dois coabita
por detrás da cortina de vidro
Será realmente eu o vulto que se desdobra no espelho?
E aquela imagem de ontem quem era?
Foi embora
calcinada pelo fogo bruxuleante
da inelutável oxidação,
da friável vida
E a imagem de amanhã, quem será?
Ai de quem tem espelho em casa!
Quando menos se espera,
o tempo passando
um vulgo suspeito
do outro lado do espelho
as marcas de expressão se expressando
sem grana pra comprar um protetor Fodex
que merda!!!
envelheci e nem percebi
tartamudeia o meu lado de fora
alguma coisa a ser dita
pelo meu lado de dentro
talvez uma balada lenta e dolente
talvez a sentença extrema
a exegese derradeira
mas não aqui nem agora