sábado, 9 de maio de 2015
Servidão
o homem, atado ao cais do passado,
escutando somente a balburdia que lhe revolve a alma
mas não o impele para a luta e para o novo
se irritando com tanto mistério
plange a derribada do sol de encontro ao mar
vermelho pastoso, sangue venoso
que já não nutre o bulício das estrelas
que não lhe corre nas veias
nem o canto
nem a tinta
instáveis e dispersos
no vazio que rói a existência só há solidão
e incoerentes muralhas de argila cinzelada
e o friável dos sonhos mansamente transidos
no exílio inelutável das veredas e dos rios
rumo ao vermelho viscoso do sol no mar
onde pássaros singulares levam nas asas
a aurora de novos dias
de antigos e imarcesciveis sonhos
a voz da Verdade e da Sabedoria sussurrou
durante a noite o que a alma anseia
desde tempos imemoriais
enquanto as horas corriam lépidas e sonoras
junto com as sombras, devorando tempos
a sombra, nascida da luz, esteve em toda parte,
nem dormiu
pela manhã,
flores brotando no jardim
flores abertas
traçadas no espaço
pelos esquadros e compassos da Vida
ardente e ardendo
desenhadas com coloridos nanquins
vestindo cores e encantos
flores caídas sendo o começo no fim
morre o cansaço da flor
e o mistério, sereno, transforma-a em alimento
para a outra flor que vai vir
ébrio de si lá vai o homem arrancado ao barro
sombra fosca sem rumo
sonho usurpado
lhe fazem crer que não é o que é
que a sorte nem lhe viu e nem lhe vê
lhe fazem crer que foi sempre assim
que a luta é coisa vã e sublevação
lá vai o homem tão docemente triste
tão docemente nada
tão docemente servo e servil
na carteira um fotografia 3X4 amarelada
de um homem que fisicamente mudou
mas que internamente ainda guarda os sonhos da infância
momento a momento das lutas que não lutou
o coração diz palavras de um passado que ainda não passou
o homem cego de si anda em linha reta
para uma morte concreta floreada de frustrações
sombrio
quieto
andar de poeta
pintor
músico
jardineiro
escritor
ator
o que o seu ser,
sua essência diz que ele é
menos isto que lhe disseram ser
e que ele acreditou
com seu sonho embaixo do braço
embalado no jornal do mês passado
passos perdidos na Vida que não acontece
Vede o homem
rastejando sua docilidade impudente em degredo
sempre um passo antes da porta aberta e seu vigia
sempre uma agonia antes do mar e do golpe rude do vento
sempre a mesma letargia em frente aos senhores
e aos mistérios dos jardins que esplendem tontos de aves
nunca a pressentida alegria silenciosa das borboletas,
que morrem como morrem os pensamentos
de liberdade e vocação e evocação
moídos pela engrenagem azeitada e exata
que rói o homem arrancado ao barro
parece que pra ser ninguém
na tarde que poderia ter seu nome
e não a do infame embuste frio e arrivista
antes que a flor, também, seja roída inopinadamente
de ambos fica a semente e a essência divina que não se corrói
nem se destrói nas teias da consumação
no caminho, o vento passa sozinho
contando histórias de antigamente
de barcos
de reis
e de réus
do sussurro das folhagens
que o outono derrubou
das águas poéticas do lago
onde ondinhas veem bater às bordas
do enfretamento com os galhos
da espera das cigarras
do canto morno e terno das primeiras horas do dia
servo entre os servos
atado ao passado
e à crença introjetada da
subserviência
numa submissão calada
lá vai o homem
mudo e sozinho
olhos postos e a serviço
dos vermes no chão
sem que se pergunte de per si o porquê?
descendo os degraus do tempo infrangível
aviltado por todos e,
principalmente,
pela memória caustica
que o impele contra as paredes de si mesmo
onde o homem nem começa
e já termina
sem saber que nunca foi
sem saber que poderia ter sido
mais que ruína
ruminando impropérios
e o visceral medo do final dos seus dias
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