sexta-feira, 8 de maio de 2015

O barco, o vento e o mar


vês o barco
que atravessa
o solitário mar
levado pelos ventos em fuga
acossado pelo tempo infrangível
e que nas sendas
de setembro
acompanha
a migração das aves
neste final de inverno?

ela olhou para mim,
olhos de madrugada dormindo,
e disse que via
ela disse que via o barco
e completou:
dizes, se sabes,
onde começa o barco?
e o mar?
onde começa o mar?
onde começa o vento?

disse-lhe, então:
sem que te apercebas
o Demiurgo que há em ti
risca na areia
com gravetos cortados à noite
o esboço daquilo que vem a ser
traça arabescos
em papiros surreais
dobra origamis nas quimeras dos papéis,
no silêncio do sopro primordial
concebe formas
dá-lhes existência
dá-lhes um nome
e compõe haicais onde
a ideia e o devir do barco
do mar
e do vento afloram
em essência
e é dentro de ti
somente dentro de ti
que o barco
o mar
e o vento começam
indelevelmente
na estesia da tua alma

fora de ti nada há

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