terça-feira, 15 de setembro de 2015
As quatro estações
PRIMAVERA
Entre a cor e a árvore
passa o pássaro
no ar o perfume imemorial
da grama aparada
onde os passarinhos debicam insetos
e o vento matinal lembra poemas
na certeza de uma estação bordando cores
e de canteiros floridos
pendoando as manhãs de eternidades
e aromas
e o som sibilino do orvalho
sendo o orvalho a lágrima da brisa
sob as pétalas dos tempos e dos poemas
sendo o poema o amor posto
fora dos parêntesis
o fator em evidência
sendo o leitor
a condição de dois seres
a palavra mirando-se no espelho
na primavera insonte e perquiridora
poeta e leitor, por ventura, se pensarão?
as flores abrem-se
e nos nossos olhos a tarde tateia pétalas
abrem-se murmúrios e enlevos
como no primeiro dia da Criação
VERÃO
O sol cintila e espera nos grãos de areia
as águas e suas reentrâncias
molhando os quiméricos feudos e quintais
castelos de areia e senhores feudais
barcos de papel e os sonhos álacres e lestos das crianças
carrosséis de cavalinhos multicores giram nas praças
rodas gigantes amarelas e azuis rodam no ar
levando o encanto nos olhos do menino
levando a graça da menina, o sol, a paisagem
e o sonho que inventa os quatro
dentes de leão empurram o ar e o dia
a luz empurra o barco
as velas
azuis, brancas, amarelas
como um outro jardim
ligado à alma onde cavo
buscando a mim
enfunam-se de fantasia
estrelas saem das árvores
mal começa o fim do dia
OUTONO
As noites crescem,
soberanas e jacentes
e a paisagem veste-se de escuridão
tão de repente
morosa e ternamente
as folhas caem
morosa e ternamente
as folhas caem
onde antes eu pisava e escrevia chão
aprendo o refazer dos caminhos
a volta à foz do rio
aprendo na árvore desnuda
o silêncio de um deserto cheio de perguntas
esquecidas
escondidas
contidas pedaço a pedaço
mastigando palavras quebradiças
como os galhos secos
da estação
às vezes mastigo-as devagar
às vezes com ânsia e sofreguidão
a luz do outono me sustenta
levito sobre o instante e a estação
INVERNO
os dias dormem cada vez mais cedo
a luz entregando-se a ser ausente
dias curtos
inapreensíveis
o vento morde as casas
o nevoeiro esconde a rua de si mesma
e põe lassidão nas esquinas
o sol, hermético, engana que esquenta
posto num canto do céu
o céu mistura-se às nuvens bojudas
chora neblinas
os dedos frios do ar
tocando rostos e mãos
como nos toca o frio momento que acorda
e se põe a nos enlaçar incontinente e sozinho
o corpo, tolhido e álgido, pede calor
a alma pede carinho
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