sábado, 5 de setembro de 2015
E assim eu vou vivendo...
E assim eu vou vivendo...
buscando ignorar os dias de inelutáveis e puídas melancolias
tentando reaver os passos e os sonhos que ficaram
do outro lado do rio,
águas fugindo,
barcos aflitos,
inundação
Minha vida já não sabe de mim
tornei-me enredo,
segredo,
degredo,
moita de medo,
cantiga antiga
janela vazia
Ninguém lembra
Só eu cantarolo dentro da noite
para espantar a solidão dos retratos dentro do quarto
assombrado da mente
Assim, nu de mim,
vou invejando no outro o tanto que deixei de viver
sombras de um gesto inamovível e vago
escorrendo pelas grotas do abismo que vai passando
rumo ao passado
sinto-me inabitável
fogo e água
quase vida,
quase fim
Quem é este que me arrosta desde este passado interdito
cego para tanta escuridão?
o passado,
ilha monótona,
chuva rumorejando na penumbra do telhado
não explica a minha vida
vária e insondável
o passado é nostalgia
ave fugidia pousada nos silêncios que,
de tão cansados,
dormem apoiados nas mãos
sonhando saudades inacabadas e um destino abnegado
uma infância sem rio e sem mar onde eu pudesse afogar
o deserto que habitava a casa miúda,
as poeiras vermelhas,
e as memórias bojudas
intumescidas de cansaços e remorsos
O passado não passa,
perpassa
quem passa, sou eu?
Relógios e calendários retalham e mastigam o Tempo infrangível
cospem agonias
A noite indecifrável coloca estrelas e emboscadas na poesia
e lirismo no firmamento
o passado continua aqui,
carrossel,
roda-gigante
circo de lona rasgada
algodão-doce
quintal
segredos embaixo da escada
rumores dentro da solidão dos dias insólitos
a me esperar
há séculos
na contagem irreal dos calendários friáveis
tão humanamente equivocados
olhando pelos meus olhos antigos e descrentes
a elegia das areias paradas
miragem de imorredouras ilusões
de estranho brilho fulgurando
sob a lua prateando e pranteando os sem nome
que nunca dormem
Das areias paradas vem o vento
soprando pela ilha sussurro mofino
vem uma lágrima a escorrer pelo céu
tocando à nostalgia de inefável pureza
cantarolando em mim as minhas canções de menino
E assim eu vou vivendo...
a minha luta eu luto sozinho
morrendo horas e medos
o resto mais é o insopitável Destino
Imagem: Christian Schloe
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