quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Dona Maria

 
O vento erra arrastando este canto
de pássaro pressentido na noite
que vai e voa e ondula
por céus extenuados
inapreensíveis

A noite é as mil folhas
dos espelhos fatigados
é a sombra doída
barco solitário e silente
grito crescente
a noite é a vida
reconciliando-se com o primeiro dia
entre lembranças e sonhos

A noite interminavelmente me chama
entorna a lua no lago e arde em silêncio
caminho lugares e retratos de sombras
dentro das lembranças
caminho tardes indo embora
que me levam a mim e este doer sem pressa
quando a chuva cai
e os pingos escorrem chorosos pelas janelas

Ando pelas ruas da infância
e deito-me ao sol
sobre a relva acariciante e  nua
a porta entreaberta a este silêncio
e a este sentir que murmura em mim nostalgias
um passo sem rumor dentro das areias frias
o mar quebrando tão longe
lesto e sozinho
paisagens vazias

Na noite vagueando pela névoa dos jardins
canteiros de cravos
e de ternuras vermelhas, brancas
rosas, roxas, amarelas
rosas flutuando antigos dias
lembro de você, mãe
tenho a nítida sensação de que se eu gritar "mãe"
você responde
e os cravos eclodem densos entre os meus versos
que são todos teus
e desando na noite a aprender saudades
até a noite ir embora
ou esconder-se dos meus olhos
e as estrelas fecharem os braços e os olhos pro novo dia
que não demora e se inicia
recomeçando esta mesma e sempre eternidade
que dia a dia se fia
sem que os meus lábios tenham aprendido a dizer adeus

Saudades, mãe,
saudades, Dona Maria
que deu um sentido definitivo
irremissível
inelutável
imensurável
para as palavras saudade e solidão
quando o silêncio pousou e dormiu em seus lábios
pondo fim à agonia do verão

Minha alma
minha única Nação
minha inapreensível
minha incognoscível
e insofismável explicação
chorou
verdades e dores de um rio
que em meus olhos corria
para dentro dos teus olhos,
minha mãe,
minha e/terna poesia,
serás sempre a  flor obstinada
neste mundo que era teu
e que me destes
num mundo onde se via
o clarear das manhãs
lavrando as flores do dia

enquanto você morria
saudades,
Dona Maria

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