quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Monólogos

Pelos milhares de anos do mundo
nascem os sóis e caem as tardes
e florescem as flores e se desvela
a lua e estrelas e os primeiros versos
quando alguém chorou e os olhos
beberam da primeira madrugada
Mananciais do Tempo sibilino
num jogo de luz e sombra
noites e dias
sim e não
Yin e yang

As noites trazem o mar da minha infância
e o incessante começo dos teus olhos negros
trazem tuas pequenas mãos para as minhas
Trazem verdades e mentiras,
Sombras abstraídas?
Palavras extintas?
Paradigmas?
Retórica vã?
Metáforas?
Como saber a resposta se, pensando em ti,
todos os caminhos são plausíveis, como um rio
que segue o seu curso por pura solidão?

Comove-me o caminho de volta pra casa,
escorre no meu rosto uma lágrima que o
vento há de secar
O vento talhou o espelho e ele já não reflete
os horizontes estáticos
nem a lágrima que cintila
O tempo está morto e cai gota-a-gota das
mãos trêmulas do viajante cativo da
ilusão de ser e do engano da permanência

A vida inteira é um instante sobreposto
a outro instante, a outro instante e mais outro...
Ad infinitum
A vida pulsa e se expande
Enquanto eu sorvo o pulsar dos meus dias
e me embriago com a solidão que me
acompanha como uma pele estanque,
rastilho das horas aceso na alma,
fazendo das noites um tempo acorrentado
aos ventos inauditos que sopram do mar
para a ilha quando o outono chega
trazendo lembranças e inquietações
É preciso recuperar os dias primordiais
É preciso vivenciar a vertigem de se estar só

Enquanto escrevo ouço os pássaros cantando
Meu coração se enternece com o canto dos
pássaros
Todo dia o mesmo inédito recital que vem
ressonante no silêncio hierático e fluido de
algum lugar no mundo encantado das aves,
de algum pedaço de céu onde a vida se
abastece de poesia
O canto dos pássaros é a vida insinuada
entre o horizonte e as nuvens baixas deste
dia nublado, deste dia onde a amplidão
toca o chão com as suas vestes de brumas
O firmamento verga neste reino de cinza
e sombra, de pó e alheamento

Meus sonhos, sejam lá quais forem os ângulos
pelos quais eu os veja, evocam a Beleza
e procuram o poeta latente que me desse de
beber e saciasse minha fome e transformasse
minha ânsia de estesia na Beleza que procuro

Busco palavras entre as folhas que o outono
derruba
Nas noites escorrendo sonhos e inquietações
Na primeira história, no primeiro livro nas
minhas mãos de criança
Atrás das longas sombras inquebrantáveis
no istmo das palavras buriladas na argila
e nas lágrimas das paredes da casa da infância

Eu nada sei dos séculos que por mim esperam
Eu nada sei dos séculos pelos quais passei
Eu nada sei dos agoras e seus espelhos opacos
Há milhoes de anos a vida se manifesta em sua
triste ira complacente e sempre nova e sempre
inaudita ferocidade pungente

Eu nada sei da poesia e da estesia da poesia e
da estesia da vida
Nada sei deste instante precário e perempto
onde as palavras dissolvem-se antes de
chegarem ao texto
E no lugar destas palavras fica um arguto silêncio
ficam personas e máscaras nas faces temerosas
fica o tempo ignoto, faminto da mesma Beleza
e da mesma estesia onde me busco

Os pássaros calaram-se
Cai uma chuvinha miúda enquanto o céu vai
descendo ao encontro das copas das árvores
A tarde está cinza e os pássaros calaram-se
A vida escoa lentamente
numa ociosidade silenciosa
Não há brisa, mas está no ar esta inocência
e este pressentimento que tornam a vida e
seus mistérios insofismáveis

Olho para o livro aberto e não lido
Olho para a minha vida aberta e não vivida
Em qual página da minha vida eu parei?
Eu quero a rua de terra e os meus pés de lata
Eu quero de volta o sonho e a inocência que
perdi sem perceber
Quero a primeira luz do mundo
Eu quero a primeira flor,
o primeiro amor,
o primeiro beijo
Quero o teu colo, Pingo
e teus olhos de noites consteladas
e teus beijos como os de Eva no paraíso

Olho para o céu e suas anáguas cinzas
gotejando o sussurro da chuva miudinha...
Olho para o livro aberto sobre a bancada...
Tropeço no silêncio da tarde e no silêncio
do canto nimbado dos pássaros

A vida é menor do que a arte
A arte é eterna
A vida é provisória...
e cabe interinha no trilar dos pássaros

Nada sei!!!
Eu nada sei!!!
Não me esqueci de nada.
Eu simplesmente não sei.

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