sábado, 28 de julho de 2012

Honolável amiguinha

A alma deita-se à brisa indo, indo, indo embora pelos trigais
O coração escuta nas frestas das palavras
O som é longo e canoro
Me embriago de poesia
A poesia me diz tanta coisa que às vezes confunde-se com a minha vida
E o poema vira flor aberta no inverno
Gota de orvalho na folha
Nuvem branquinha pendente no céu onde à noite será lua
Água na concha da mão
Os lábios da moça que amo
O sol traça garatujas entre as nuvens
Enquanto te espero
Por favor, não demore
Enquanto te espero atiro pedrinhas no lago

((((()))))

Tudo é incerteza
Silêncios de julho
Acendendo medos em candeeiros bruxuleantes
E eu fico aqui
Com saudade de quem nunca vi
A brisa que sopra aqui agora pode muito bem ter desmanchado o teu cabelo
No final da tua tarde quando as garças encerraram as cores do dia
Quando o sol se pôs dentro do mar,
como tantas vezes faz
Adormecendo a tarde com o vermelho simulando fogueira a arder no horizonte
O ar sufoca
Lento é o tempo
Calado
O inverno vai sangrando lentamente
E tudo fica esperando a primavera
Desde ontem
Desde quando as flores cairam derrubadas pelo murmúrio da brisa
Atirei ao céu o teu nome para ver se apanhava estrelinhas
O vento soprou e levou teu nome derramando sobre mim tantas estrelas
Meu coração, no abandono da noite, olhou os rostos dos deuses
Entristeci
Não te encontrei
Não estavas nos pedaços de ruas tingidas de sangue pelas cores do ocaso caminhando para dentro da noite escura
E eu me perguntava: por onde andará minha honolável amiguinha?
Por onde andarão os olhos negros que se confundem com a noite,
que nada sabem da luz  que se alonga na sombra e ecoa bucólica rumo ao rio?
Em qual retrato, em qual perfume, minha saudade te encontrará?
Saudade também se escreve com sonhos e nuvens
Lá longe a brisa flana nas águas do Rio Grande
E por entre o escuro verde azul das águas pequeninas estrelas cadentes falam de ti
Como fala de ti o pássaro que canta para as manhãs,
tão leves 
O pássaro que passa sozinho no céu azul que é seu mar
Julho é um canteiro de rosas que virão com a primavera
Eu sei
E os lírios e a neblina de uma manhã,
num domingo,
num inverno,
falarão de ti
como se já estivesses estado aqui.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Apenas a palavra

Apenas a palavra é mais linda que a brisa de agosto
A palavra que palpita e desafia
e se esconde nas reeentrâncias indecifráveis das coisas

Só a palavra pode dizer liberdade
enquanto o sol tece a rosa
e o tempo perfuma as chuvas e os canteiros

Apenas a palavra tem a maciez das folhas novas da primavera
o claro das noites sem nuvens
o eco da tua imagem refletido em minha alma

Só a palavra tem o silêncio que evola-se no sopro do vento
que se ouve nos passos do bambuzal
o silêncio debruçado nos galhos onde cantam os pássaros

Apenas a palavra, numa tarde efêmera e sem fim,
grava, na última pétala da rosa mais vermelha, um nome,
que não é o teu, por ser fim

Só a palavra tem o aroma dos jasmins e a cor de estrelas,
pequenos círios acesos na noite negra voltando ao mar
e caem, frágeis flores do tempo, sob o enigma das brisas

Apenas a palavra desenha nos céus borboletas,
dão ao riacho sentido para o serpentear das águas frias do inverno
e me trazem, de algum momento, a rosa branca num vento azul

Só a palavra, rasgada junto com a acha de madeira, não diz o que poderia ser dito
enquanto o amor existiu, enquanto existiram as manhãs de orvalho e beija-flores
e os lírios pendiam das tardes lilases de um ocaso aceso dentro do mar

A palavra emerge da pupa, de algum jardim do passado, e cai aonde tem que cair 


"No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por meio dele" (João 1:1-3).

Imagem: Luna Lee Ray

terça-feira, 17 de julho de 2012

Quintais

As chuvas escorrem lentamente
neste junho que nasce no mar,
neste inverno que adormece as casas
e traz em sua memória, pousada
na mão com a qual escrevo,
a casa pequena
onde pus o meu mundinho entre as flores do jardim
Seu quintal translúcido tocando
os finais de tarde e do meu mundo
Meu baú plataforma para os vôos noturnos
Sonho?
Não sei.
O vôo era o mistério acontecendo
e a vida, muito provavelmente, não sabia disto
Nas noites em que eu voava a felicidade era eu
eu era a eternidade sonho cisma adejante segredo
na noite recendendo à lascas de canela
o cheiro doce e nu,
as luzes, em forma de gotas,
cobriam a vida de silêncios
De som somente o vento passando nas folhas,
espalhando o escuro em cada pedaço de terra,
nos quintais e no coração do mundo
Candeia de tantos nomes
por onde o negro do céu escapava
alumbrando meus olhos transpassados de infância
e encanto

A Vida, frágil e fugaz, ausculta a cidade
que escorre lentamente
na noite incompleta que nasce no mar
na dor que lacrimeja nos olhos cansados
das lembranças que seduzem a madrugada
e na encoberta poesia que já morde a face do dia
Na Vida mergulho no imponderável sonho das palavras
neste rio que reflete as hastes do trigo
e os grãos de solidão germinados nos ventos da melancolia
A solidão de ser
A ilusão do medo
A solidão do mar
A ilusão do ter
A solidão da noite
A solidão cúmplice deste desespero tranquilo e sereno
que é eterno como esta dor no peito
ou eterno como esta sombra,
esta espera,
esta ausência da Alma
e da poesia
(que nasce lentamente,
solta e silenciosa,
junto com cada dia)
A palavra tentando traduzir os símbolos que o coração,
imerso na essência,
denota cheio de candura e inocência,
Esta é sua poesia,
Este é seu templo
Esta é a folha que se deixa levar pelo vento antigo,
submissa e imponderavelmente leve

Há momentos em que os séculos saem dos sonhos
e agonizam dentro de mim
Esquecer, não posso
eles estão aqui
os séculos estão aqui,
errando meus passos
abrindo as portas do escuro,
desvelando segredos
e medos ancestrais
Vozes de um tempo guardado
em miragens de areias,
mortas ampulhetas
escorrendo em grãos o tênue fio da vida
fazendo o sol adormecer,
iludindo a noite,
conduzindo a madrugada
rumo à latejante aurora
que acorda os pássaros e canta com eles
para a luz que cruza os jardins
como círio aceso pelo fogo insurreto do sol
Corre a manhã pelos quintais e pelas ruas
da minha saudade
Ruas de terra
Quintais onde a sombra dormitava com os animais
nas tardes quentes
e o silêncio zunia entre as folhas do abacateiro
dizendo palavras de grilos e cigarras,
recendendo à folhas verdes,
à terra
acordada pela chuva
A vida pulsava
O medo morava nas folhas da mamona
Nos quintais o vento passava pelas vidas abertas
secando as lágrimas,
debruando rosas e cravos
que colhi sem saber se te encontraria para te dar 
no exílio que me impus
O Tempo, imarcescível, passou levando as flores
que colhi nas primaveras que se aninhavam em meus sonhos
Quando te encontrei, já distante,
nos quintais era tudo saudade
A bruma encobria as flores com o marulho do mar
e os meus olhos, tão sozinhos,
esquecidos na imensidão da terra inavegável,
olhavam a chuva caindo em linhos luzentes
sobre as tardes que bruxuleavam ao vento

Imagem: Luna Lee Ray

sábado, 14 de julho de 2012

Hoje não tem poesia

Hoje não tem poesia
nem vento soprando
as folhas rubras do inverno
nem as horas lilases passeando pela tarde adamascada
Hoje não tem estrelas tiritando
no frio campo do céu
nem crianças brincando
na rua onde os sonhos aguardam,
brincando de esconde-esconde,
pelas risadas e a liberdade
que sobe da terra pisada por pés descalços
Hoje não tem janelas abertas para o dia
nem cataventos girando efêmeros silêncios
nem chuvas para levar nosso barco de papel
Hoje não tem a alegria perfumando o dia antigo
nem raios de sol a falar de lagos e plácidos ribeirões
nem cacheados anjos
nem pássaros mensageiros
nem nuvens esquecidas pelo sol de inverno
Hoje não tem a sombra verde
que deita-se das folhas do abacateiro
não tem jardins,
não tem flores
Ficou no ar somente o vermelho cortante
do tempo em que vivi entre as areias do sonho
que o vento arrastou em silêncio para longe dos meus olhos
ficou a saudade do mar e das rendas desfeitas
feito os meus sonhos um dia
Morreu a tarde levada pelo sopro da maresia
Vicejou a noite tal qual a página negra de um livro
orvalhada de pontinhos gotejados em poeira azul
Hoje não tem poesia
avivaram-se as fogueiras
queimou-se o Tempo
fechou-se os olhos
perdeu-se o rastro da vida no manto antigo do engodo
E o coração estremece quando
acordam as flores na brisa dourada da aurora
de um dia que não nasce,
mas pulsa,
vermelho,
cambiante como a solidão
deslizando no céu que ainda carrega a noite purpúrea
em silêncio...
Hoje só há o instante,
um átimo de segundo que quando se vê já é passado
tecendo a vida
e desfazendo-a
guardando nas estrelas o momento
do passo inútil
da boca seca
do choro visto no espelho
dissovendo-se na melancolia
da ausência insofismável dos teus olhos

E hoje é tudo o que há
a ausência feita de espera
o poema impressentido
a noite sem madrugada
o beijo gelado esperando que a vida arda
Ouve-me!
Estou indo embora

O sol poente no mar
molha a face vermelha de um roto céu de agosto
já quase primavera
que espera
a improvável noite
a improvável flor
os improváveis barcos
o improvável amor
pois hoje não tem poesia
que, absorta, esgueira-se pelos espelhos desfocados,
e desliza cambaleante pelas reentrâncias do dia
onde navegam os versos e os movimentos
em sete naus de fogo e de eternidade

As andorinhas não sabem que são poesia
A semente não sabe se vai poemar
nem se vai sorver dos olhos da manhã o orvalho
e a lágrima que roça a tua pele com este gosto de mar
Ouve-me!
Estou indo embora
sem as sementes e sem porto,
sob um céu sem andorinhas
nem vento soprando
sem incendiado horizonte
sem alguma voz que desminta
que hoje não tem poesia

A tarde é um ouro só
uma saudade só
brincando de ser vida
(teu beijo se exila em mim
e o poema recomeça assim)

Hoje não tem poesia
nem vento soprando
as folhas rubras do inverno
nem as horas lilases passeando pela tarde adamascada
Conta-me uma história, amor,
de rouxinóis e encantamento
que hoje estou triste
Conta-me uma história, amor,
que hoje não tem poesia...

Imagem : Luna Lee Ray

terça-feira, 10 de julho de 2012

A noite


A noite é nada
a noite é este medo triste,
este caminho errante,
esta estrela distante
é o perfume intenso
da bruma que oculta o mar
A noite é a palavra que fala
à quietude da minha vida
e à minha solidão
A noite é esta dor,
este lento toque de melancolia 
da infinda madrugada
A noite é nada
é somente espera,
latente,
cansaço,
obscura,
fragrante,
lua na janela
evocando lembranças
em versos amalgamadas
É ilusão
semente e sopro
dolente sede
pedaço indelével
da renda dedilhada
dos meus sonhos
e deste desejo
silencioso e imanente
de ser só

Imagem: Marc Chagall

sábado, 7 de julho de 2012

Nada há fora de mim

Nada espero
nem as esfuziantes alegrias
nem a monótona tristeza
tudo é o espelho onde me miro
tudo é a sombra falaz sobre os meus olhos
tudo é Mara no engodo da alma cega pelos dias e noites irisados
a alma longe de casa
ilha sob a noite indecifrável
esvaecida e insondável noite
que fecha os olhos ao crepúsculo
máscara do Paraíso
contempla o Tempo atemporal das estrelas
um tempo que ouviu as profecias
e que guarda como promessa o passado
e as insidiosas palavras sem memória
Tempo de fogueiras e cinzas
cansadas miragens onde nascem as primevas guerras
que se arrastam na escuridão do entendimento
e na intolerância desta vida
de garatujas enigmáticas
traçando sob o pó rarefeito e irascível,
que não conhece o perdão,
a sentença inescrutável da discórdia
e do engano humano
Não beba eu da mentira que nasce na fonte
da tristeza e do vazio
Que eu aceite que a vida é esta manhã na qual acordo
e seja feita de sol ou de chuva que sou eu quem esplenderá
os meus ato à luz do sol
ou lavarei os meus erros nas águas justas da chuva
e aceito sem pressa ou enfado o Dia que a Vida me deu
Que eu ouça o meu coração por trás das máscaras
e busque ver para além da sombra
as claras e refulgentes faces encobertas pelas aparências
semeadas em mim pela mão da soberba
e que me fala pelo sibilo das serpentes implacáveis
Que eu ouça o Verbo, antes que este se confunda
com o amargo passado que há em mim como um veneno,
triste veneno,
séculos de horrores,
reverberam dentro de mim
e estão aqui e agora
enquanto tento sorrir
(...)
As luzes vão se cambiando em vermelhos e laranjas e lilases
As luzes, nos finais de tarde, são o poema do principio dos tempos
A noite se acerca dos beirais onde a lua se fia e espera
O dia silencia seu monólogo
NADA há fora de mim

Imagem: Marc Chagall

quinta-feira, 5 de julho de 2012

De vez em quando

De vez em quando
sob as manhãs claras dos meus sonhos
a infância brinca com o tempo
inventando bolas de gude,
futebol em campo de terra,
pés descalços,
pipa no céu,
ilusão


De vez em quando
sob as manhãs delicadas
a brisa traz um céu azul novinho
sobre o mar que eu não ouço, mas sinto
As ondas voláteis e mudas esbatem-se
na areia das praias de eternas soledades,
adejantes quimeras,
ignotos caminhos


De vez em quando
sob as manhãs se derramando em dourado
as cores desenham as paisagens flutuantes
as flores, versões das brisas, esplendem
no silêncio imanente da ausência solitária (só eu escuto)
no passo úmido das lembranças
que se movem e olham
e ressoam o eco do imenso oceano vermelho da aurora


De vez em quando
sob as manhãs vermelhas
sob a palavra presa ao ocre
das miragens dos desertos
invisível luminescência
o dia reinventado segundo a sensação
e o acaso rendilhado pelo vento
traz, tão lento, as velas de volta ao cais


De vez em quando
sob as manhãs do meu pensamento
brilha uma última estrelinha
tão longe e tão pequenina
contando histórias e poemas partidos
de letras mal decifradas
de um amor de verdade
que só existiu, antes, em mim
depois, neste silêncio de ontem


De vez em quando
sob as manhãs que nascem enquanto a chuva cai
molhando devagarinho nosso destino no labirinto
molhando o vento que rola na paisagem
e aquele amor que se parecia com o mar
e que se perdeu na passagem das horas
como um perfume derramado
que invade a alma e evola-se pelo ar


De vez em quando
sob as manhãs onde soluçam levemente os meus sonhos
que dirão quando não partem e me espreitam nas ruas
onde você passou?
Como esquecer se teus passos fizeram das calçadas
saudades mudas para eu ouvir?
Lá fora ainda há uma tarde escorrendo lentamente pelo dia,
transfomando a nostalgia em inatingível eternidade


De vez em quando
sob as manhãs que ondeiam sobre o mar
que guarda tão singelamente o teu olhar
da onde brotam as cores do dia
e a semente deste sol vermelho em grãos
sob as manhãs onde os pássaros alardeiam o novo dia
e chamam a fome do teu nome
para ressoá-lo em versos numa doce barcarola


De vez em quando
sob as manhãs de um outono vindo do mar
as gotas de orvalho tecem as alvas rendas de linho
na paisagem insondável dos lírios esculpidos no ar
onde meus olhos podem embeber-se da aurora
e o vento que passa seca a lágrima que ao longo da face
perpassa mares acetinados
e mergulham versos formosos na noite que dorme ao longe


De vez em quando
sob as manhãs feitas de leves marulhos
por entre a neblina e a vertigem do sol
os poemas são pedaços de um tempo que não termina
e se repete sem ser o mesmo
e me revela sem ser o signo
e me acalenta sem ser o sonho
e subsistirá a mim depois que eu me for

Imagem: Theo Den Boon